Capítulo 27: Os Jogadores e seus Brinquedos
Após retornar ao mundo real, a visão de Adam começou a focar. A loja de Weber ainda estava de pé atrás dele, anúncios enormes continuavam a passar no céu, e a cena ao seu redor ainda era viva e movimentada.
Era como se tudo o que acabara de acontecer tivesse sido um sonho, e apenas ele sabia quantas vezes havia escapado por um triz da morte durante sua breve ausência do mundo real.
Foi realmente por um fio.
Os matadores que o atacaram eram muito mais poderosos do que ele, e se não fosse pelo fato de dois deles terem vindo atrás dele ao mesmo tempo, se não tivesse adquirido recentemente a anomalia do medo, se não estivesse em posse de informações valiosas, se seu corpo psíquico também não fosse considerado de grande valor… Se qualquer uma dessas condições não tivesse sido cumprida, ele já estaria morto.
Enquanto Adam permanecia parado, atordoado, Weber se aproximou por trás e perguntou:
— Você foi atacado agora há pouco? Deu pra perceber que tinha algo errado, você estava parado na rua, encarando o nada por um bom tempo. Não me culpe por não ajudar — não quero problemas.
— Eu entendo — respondeu Adam com um aceno de cabeça.
Ele já havia desenvolvido uma noção básica de como o mundo funcionava, então sabia que ali o interesse próprio era o que mais importava, e que todos eram, em geral, bastante apáticos. Diante de problemas ou adversidades, Adam não podia contar com ninguém. As únicas coisas nas quais podia confiar eram seus próprios poderes e a vantagem que possuía.
Depois de ficar mais um tempo imóvel, imerso em pensamentos, Adam finalmente tomou sua decisão.
Duas horas depois, ele chegou diante de um arranha-céu na 21ª Rua. No topo do prédio havia uma placa com os dizeres ‘Tecnologias Florescentes’, e por fora, tudo indicava se tratar de uma grande empresa de software.
Não demorou até que ele avistasse um homem de meia-idade com a barba por fazer descendo do andar de cima.
Um sorriso surgiu no rosto do homem ao ver Adam, e ele disse:
— Você veio mais rápido do que eu esperava. Pra falar a verdade, eu também acabei de chegar.
— Você é o Caubói?
— Esse sou eu.
No mundo real, Caubói se parecia bastante com sua contraparte do mundo psíquico. No entanto, aqui, ele era ainda mais desleixado e desinibido. Usava uma camisa faltando três botões e um jeans desbotado de tanto ser lavado.
A julgar apenas pela aparência, não se distinguia muito dos sem-teto que viviam nas ruas.
— Essa empresa é sua? Parece que você é um homem muito rico.
— Essa empresa pertence à organização que eu sirvo, mas tenho algumas ações nela. Entra aí e dá uma olhada. O fato de estar aqui me diz que você já tomou sua decisão, então, a partir de agora, somos aliados.
Caubói convidou Adam a entrar no prédio e, apesar de já ser noite, havia muitos funcionários fazendo hora extra lá dentro.
Adam foi guiado por Caubói pelos primeiros andares do prédio e descobriu que a Tecnologias Florescentes era especializada em projetar jogos incorporados ao Metaverso. Os funcionários estavam construindo seus próprios mundos de jogo no Metaverso, os quais depois eram refinados e ajustados por programadores para criar realidades virtuais onde os jogadores podiam explorar e se aventurar.
Essencialmente, se o Metaverso fosse o tronco de uma árvore, esses jogos seriam os galhos e folhas.
— Esse jogo se chama ‘Terra do Massacre’. Cada um dos zumbis ali dentro é interpretado por pessoas reais, então é um pouco difícil matá-los, e isso também torna a experiência mais imersiva.
Adam ergueu a cabeça para olhar a projeção 3D, observando zumbis tendo suas cabeças explodidas, ou detonadas por explosões, ou caindo em armadilhas, apenas para renascerem logo em seguida, e não conseguia entender qual era a graça daquilo.
— Esse outro se chama ‘Arquiteto da Esfera Dyson’. É um jogo de ficção científica em que cada jogador recebe um planeta inicial, e o objetivo é construir a Esfera Dyson, o que garante ao jogador recursos infinitos e a capacidade de viajar livremente pelo espaço.
Adam voltou o olhar para a direção que Caubói apontava e viu a projeção de inúmeros operários minerando em um planeta, enquanto uma figura com aparência divina supervisionava o processo.
— Aqueles operários também são todos pessoas reais? — perguntou Adam.
— Isso mesmo.
— E o que as pessoas ganham com esses jogos? Naquele lá, você está sendo morto o tempo todo e renascendo, e nesse aqui, está sendo escravizado! Quem jogaria esses jogos? — perguntou Adam com uma expressão confusa. — Esses jogos são todos feitos pra masoquistas?
— Parece que você entendeu tudo errado. Aqueles operários e aqueles zumbis não são os jogadores, são apenas parte do jogo — explicou Caubói, apontando então para a figura divina enquanto continuava: — Aquilo ali é o jogador do jogo. E aquele que está esmagando a cabeça do zumbi com a pá também é um jogador.
— …
— Parece realmente injusto, não é? Isso é só um microcosmo do Metaverso.
— Por que essas pessoas aceitam ser brinquedos nas mãos dos outros?
— Porque quem interpreta os zumbis e os mineiros consegue ganhar um pouco de moeda virtual, e só fazendo isso é que conseguem sobreviver, mal e mal. Todas essas pessoas carregaram suas personalidades no Metaverso após a morte. São ciber-lichs que viverão para sempre, mas ainda assim é extremamente difícil manter um padrão de vida básico, e, se quiserem melhorar a qualidade de vida, precisam de apoio financeiro de quem está do lado de fora.
— Mas por quê? Eles não precisam de coisas como comida e abrigo como os vivos.
— Isso pode até ser verdade, mas fornecimento de energia e manutenção de dados são ainda mais caros do que comida e abrigo. Ser jogador ou brinquedo depende apenas de uma coisa: se você é rico ou não. Sei que é uma realidade desconfortável de encarar, mas são essas as leis que regem este mundo. Venha comigo para o andar de cima. Esse aqui é onde ficam os funcionários, não é o nosso lugar.
Depois disso, Caubói conduziu Adam até o último andar.
O arranha-céu tinha centenas de andares, e o topo era revestido com janelas gigantes que iam do chão ao teto, permitindo que se vissem as nuvens e as luzes de néon sob seus pés.
Olhar dali de cima dava a sensação de estar no controle de tudo.
— Venha. Para começar, por que não me diz por que decidiu tão rápido?
Caubói se sentou numa cadeira executiva enquanto falava, depois apoiou os pés na mesa, revelando um par de botas de caminhada gastas.
— Porque minhas habilidades de autopreservação são muito limitadas, e há coisas que quero fazer, mas não consigo realizar sozinho. Eu fiquei com medo de que, se hesitasse por muito tempo, outro matador de elite aparecesse de repente para me matar ali mesmo. Seria uma morte lamentável. — Adam se aproximou da janela e olhou para baixo, para as nuvens tingidas de vermelho pelo brilho das luzes de néon. — Eu não posso morrer agora. Ainda tenho coisas demais pra fazer.
Caubói caiu na gargalhada ao ouvir isso.
— Gosto de você, garoto. Eu era exatamente como você, lá no começo. Me conte tudo o que sabe sobre aquela fazenda de humanos, e eu vou te dar a ajuda de que precisa. Se quiser melhorar suas habilidades de autopreservação, vou te apresentar a um verdadeiro mestre entre os adaptadores da classe invocadora. Ele vai te ensinar tudo o que quiser aprender. Claro, ele também é um velho ganancioso, então as aulas não serão de graça, mas eu vou te dar dinheiro suficiente para pagar as mensalidades do primeiro semestre.
— Por que você está tão interessado na fazenda de humanos?
— Aquele lugar revela o lado mais horrível e obscuro do nosso mundo. Se conseguirmos mostrar esse lado mais realista para todos, poderíamos derrubar toda a ordem da sociedade.
— Por que faríamos isso? Para gente como eu, talvez derrubar a ordem mundial pareça uma perspectiva atraente. Mas o mesmo não vale pra você. Você não tem nenhum incentivo pra fazer isso.
Caubói era um beneficiário das regras. Tinha dinheiro, poder, autoridade e mesmo que morresse, ainda poderia viver bem no Metaverso.
— Você acreditaria se eu dissesse que estou fazendo isso por justiça? — perguntou Caubói, se espreguiçando antes de se recostar na cadeira. — Há escuridão demais no mundo e injustiça demais na sociedade, então quero consertar as coisas.
— Eu não acredito em você.
— Nesse caso, só há uma explicação razoável: eu quero deixar de ser apenas um beneficiário das regras para me tornar aquele que dita as regras. — Um olhar agudo e decidido apareceu nos olhos dispersos de Caubói pela primeira vez ao fazer essa declaração. — Como eu disse antes, eu era exatamente como você.
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