Capítulo 39: Oitenta Mil

Depois de entrar na casa de Karen, Adam seguiu para o salão de visitas, onde viu uma garota trabalhando em uma peça artística.

Ela tinha traços delicados e suaves, mas usava um rímel pesado, o que criava uma aparência que não combinava em nada com seu temperamento. Assim que viu Karen voltando para casa com um grupo de homens, uma expressão de desagrado surgiu imediatamente em seu rosto.

— De novo trazendo homens pra casa! Dá pra garantir que eu não esteja por perto quando fizer esse tipo de coisa? E para de trazer homem aleatório pra cá!

A garota jogou o pincel no chão enquanto falava.

Diante da filha, Karen claramente não era tão calma e controlada como costumava ser. Ela pegou o pincel do chão, respirou fundo para reunir paciência e disse:

— Eles não estão aqui por minha causa. Estão aqui pra diagnosticar o seu estado. Esses dois são psicoterapeutas. Eu os chamei porque…

— Eu já disse que não tem nada de errado comigo! Não precisa arrumar terapeuta pra mim, eu não preciso de ajuda nenhuma.

— Eles são adaptadores, foi muito caro contratar os dois. Você sabe quanto eu tive que pagar pra trazê-los até aqui? Só essa visita custa no mínimo 80 mil!

— Oitenta mil? — A garota hesitou ao ouvir isso. — Você está disposta a gastar tanto dinheiro comigo?

Inicialmente, ela parecia cética, mas, após um breve silêncio, disse de repente:

— Manda eles devolverem seu dinheiro! Não tem nada de errado comigo. Eu me conheço melhor do que qualquer um, e sei que estou bem! Em vez de contratar esse pessoal, você devia prestar mais atenção em mim e arrumar outro emprego, pra eu parar de ser zoada na escola!

Era evidente que a garota estava muito relutante em receber qualquer tipo de tratamento, então Kim Hee-cho decidiu intervir.

— Sua mãe já nos transferiu o adiantamento. Mesmo que você não aceite o tratamento, o valor não é reembolsável.

Era claramente uma mentira, mas, como negociador, o papel dele era agir como intermediário e fazer de tudo para fechar um acordo entre o cliente e o prestador do serviço, desde que ambos saíssem satisfeitos. Contar uma mentira podia ser meio baixo, mas que negociador nunca fez isso alguma vez?

A garota ficou com uma expressão hesitante ao saber que o pagamento não podia ser devolvido.

Como acontece na maioria das famílias comuns, as crianças aprendem desde cedo o valor do dinheiro e o quanto é difícil ganhá-lo.

Assim, mesmo sendo contra o tratamento, ela era ainda mais contra desperdiçar aquele valor.

— Tá bom, façam o que quiserem. Quando descobrirem que não tem nada de errado comigo, ela vai perceber como foi idiota de gastar tanto dinheiro pra contratar vocês.

A garota se sentou no sofá ao dizer isso, permanecendo imóvel enquanto esperava o início do tratamento.

Adam lançou um olhar para Gancho, e, quando estava prestes a invadir a consciência da garota, foi interrompido por Kim Hee-cho.

— Espera, não se esqueça disso — disse ele, mexendo em um aparelho com o qual claramente não tinha muita familiaridade. Adam reconheceu imediatamente o objeto: um projetor de mundo psíquico, e ficou surpreso ao ver que Kim Hee-cho estava tão bem preparado.

“Suponho que seja justo o cliente poder ver o que estamos fazendo.”

Adam prendeu o dispositivo em seu braço, então estendeu o dedo enquanto começava a invadir o mundo psíquico da garota.

Devido ao fato de que ela era contra tudo aquilo, Adam sentiu claramente uma barreira invisível bloqueando seu caminho durante o processo de infiltração. Felizmente, ele já não era mais o novato de antes, e havia dominado muitas técnicas sob a orientação de Sadou. Além disso, possuía capacidade suficiente para atravessar com facilidade as barreiras psíquicas de uma pessoa comum.

Transformou seu corpo psíquico em uma forma mais afiada que lhe permitiu perfurar rapidamente as barreiras, e então tudo escureceu à medida que entrava no mundo psíquico da garota.

— Boa!

— Mandou bem!

— Vamos, Colégio Dawn!

Assim que Adam entrou no mundo psíquico da garota, deu de cara com um ambiente muito barulhento e agitado. Olhou ao redor e descobriu que estava em um ginásio de basquete, onde duas equipes jogavam em quadra. Uma delas era do Colégio Dawn, enquanto a outra pertencia a uma escola desconhecida. O fato de o nome estar borrado indicava que a garota nem se deu ao trabalho de lembrar qual era a escola adversária.

— Parece que voltamos pra uma escola — comentou Gancho, que também havia chegado, com a aparência de um autômato a vapor. Ele virou seu corpo volumoso de um lado para o outro enquanto examinava os arredores. Seu olhar parou em um ponto ao longe, e ele disse: — Ali está o alvo da missão. Vamos nos aproximar agora?

— Vamos esperar e ver como a situação se desenrola primeiro.

Adam estava inspecionando o ambiente com atenção.

Não ficou surpreso por terem aparecido em uma escola. Afinal, para uma estudante do ensino médio, a maior parte da vida era passada entre a escola e a casa, então, se algo tivesse acontecido, havia uma grande probabilidade de ter sido em um desses dois lugares.

Adam prestava atenção em dois aspectos, sendo um deles a atmosfera. Em contraste com o mundo psíquico de Kim, o mundo psíquico da paciente era claramente mais harmonioso e menos aterrorizante.

Ainda assim, havia certa opressão no ar, como se estivessem em um ambiente com baixa pressão atmosférica, dificultando a respiração.

— Tem algo errado aqui.

O ambiente de um mundo psíquico refletia o humor e as emoções da pessoa. O mundo psíquico de Kim parecia saído de um filme de terror, com vento gélido e sombrio, e uma paleta de cores depressiva e acinzentada.

— Concordo. Olhe para a paciente: ela está observando o jogador mais alto da quadra — disse Gancho, cuja atenção estava em outro ponto. Com a personalidade um tanto lasciva que havia desenvolvido como herdeiro do Bar do Suor, ele logo entendeu a situação. — Ela gosta desse garoto.

— É normal estudantes do ensino médio se apaixonarem.

Adam nunca havia se envolvido em um relacionamento, mas falava como se tivesse grande sabedoria de vida.

— Nananão, tem algo errado aí. Esqueceu qual é a minha especialidade? — Gancho era ótimo em observação e atenção aos detalhes, e puxou uma lupa enquanto falava. — Há mais linhas pretas do que vermelhas, então o ódio dela por ele é maior do que o amor.

— E como ele se sente em relação a ela?

— Tudo está muito borrado, o que significa que nem mesmo a paciente sabe como ele se sente por ela.

Enquanto os dois discutiam a situação, o apito final ecoou, encerrando o jogo.

O Colégio Dawn saiu vitorioso.

Enquanto todos comemoravam em grupo, a paciente se aproximou do garoto mais alto do time com uma garrafa d’água e uma toalha, e os dois se abraçaram.

— Parece que estamos num momento anterior ao incidente que causou o estado dela, mas algo deve estar prestes a dar errado. Estamos em uma das memórias mais profundas e marcantes da mente dela.

Gancho começou a tirar várias ferramentas que usava para examinar o mundo psíquico, saciando seu estranho fetiche por curiosidade.

— Tenho a sensação de que algo está prestes a acontecer. Vamos segui-los.

As cenas barulhentas de celebração passaram rapidamente.

Depois que todos os espectadores saíram do ginásio, os jogadores começaram a retornar aos vestiários. A garota indicou ao garoto que o esperaria do lado de fora do ginásio, e ele acenou em resposta antes de acompanhar os colegas de time de volta ao vestiário.

— Preciso me trocar, Chloe. Te vejo daqui a pouco.

— Tá bom.

Gancho escutava à distância com um objeto que lembrava um dispositivo de escuta, e disse:

— Então o nome da paciente é Chloe. Ela acabou de sair do ginásio… Ah, espera. Parece que ela esqueceu de entregar algo importante ao garoto. Está voltando para o ginásio agora. Vamos segui-la!

Assim, os dois seguiram Chloe até um canto do vestiário, e, em seguida, uma série de vozes começou a sair do dispositivo de escuta de Gancho.

— Ouvi dizer que você tem a filha da stripper comendo na sua mão. Já comeu ela? A bunda dela é tão gostosa quanto a da mãe?