Capítulo 61: Incidente
Adam andava de um lado para o outro em seu dormitório sem parar.
— O que você está fazendo? Parece um gato em telhado de zinco quente! Está me deixando muito ansioso.
No momento, Gancho estava navegando em seu comunicador à procura de uma ‘cápsula de corpo inteiro’. Quando usada como meio de acesso ao Metaverso, uma cápsula de corpo inteiro proporcionava reciprocidade tátil realista ao corpo, então a estimulação recebida no Planeta do Sexo não se limitava apenas ao cérebro.
— Estou pensando em uma coisa.
— Pensando no quê?
— Digamos que você tenha um parente próximo, mas não está claro se é realmente seu parente ou se está sendo imitado por outra pessoa. Essa pessoa está prestes a morrer. O que você faria?
— Bem, a primeira coisa que eu faria seria ir até ela e esclarecer a situação. Que tipo de pergunta é essa? Isso tem a ver com você?
— Se eu te contar a história, você vai estar em perigo. Ainda quer ouvir?
— Não. Não sei de nada e não vou contar a ninguém o que você acabou de me dizer — respondeu Gancho, antes de voltar sua atenção para a loja online onde continuava procurando cápsulas de corpo inteiro. — Parece que também existem trajes de corpo inteiro que produzem um efeito semelhante ao das cápsulas. Agora que estou com grana, acho que posso experimentar um desses na próxima vez…
Adam não deu atenção aos devaneios de Gancho e, depois de andar de um lado para o outro por mais um tempo, saiu do dormitório.
Após perguntar para várias fontes da academia sobre o paradeiro de Shae, ele acabou encontrando-a justamente quando ela saía do refeitório. No entanto, o relacionamento entre os dois estava longe de ser amigável, então ele não sabia o que dizer.
— Ei.
— O que você quer? — perguntou Shae, erguendo o olhar para Adam.
— Podemos conversar?
— Cai fora!
— É sério! Quero mesmo conversar!
— Pois eu quero mesmo que você caia fora!
A conversa foi bem curta e hostil.
Shae não demonstrava o menor interesse em falar com Adam, então ele não teve escolha a não ser desistir dessa tentativa.
Três dias depois…
Shae havia terminado suas aulas do dia, e o motorista/guarda-costas da família já a aguardava na entrada da academia. Ela entrou em um veículo blindado personalizado e deitou-se no banco de trás.
O carro seguia normalmente havia quase meia hora, quando, de repente, um par de hovercycles off-road1 invadiu a pista. As motos haviam sido modificadas para soltar serpentinas de cores estranhas pela traseira, e os dois condutores pareciam ser garotos adolescentes. Estavam dirigindo de forma extremamente imprudente, desenhando figuras no ar com as serpentinas num momento e, no seguinte, ultrapassando o carro em que Shae estava para brincar de pega-pega com hovercycles.
— Esses dois são muito irritantes! — Shae tinha pavio curto, então naturalmente não suportava esse tipo de provocação. — Acelera, Afu! Ultrapassa eles!
— Pode deixar, senhorita.
Afu pisou fundo no acelerador para ultrapassar as duas hovercycles, mas isso só pareceu acender ainda mais o espírito competitivo dos dois jovens.
Assim que o carro acelerou para ultrapassá-los, as duas hovercycles dispararam à frente mais uma vez, e um dos pilotos ainda mostrou o dedo do meio enquanto passava voando ao lado do carro.
— Afu, dá uma lição nesses dois!
— Deixa comigo.
Afu tentou fechar os dois motoqueiros, mas os jovens eram pilotos muito habilidosos. Depois de uma série de manobras, o carro sequer conseguiu encostar em uma das hovercycles.
Enquanto isso, Shae só ficava mais e mais irritada.
— Para o carro! Eu mesma vou dar uma lição neles!
— Isso não é uma boa ideia, senhorita. Com o que aconteceu recentemente no Asilo Carlin, as ruas não estão seguras.
Assim que a voz de Afu se calou, um dos jovens se aproximou do lado de Shae e cuspiu uma gosma grossa direto na janela.
Shae não conseguiu conter a raiva por mais tempo. Baixou o vidro e gritou:
— Não foge, covarde!
— Vem me pegar! — o jovem provocou, e os dois realmente pararam no acostamento.
Eles estacionaram ao lado de uma via principal e, embora houvesse muitos carros ao redor, praticamente não havia pedestres.
Depois de estacionar, os dois jovens esperaram que Afu e Shae saíssem do carro. Afu obedeceu prontamente, estacionou o veículo e saiu. Os membros protéticos metálicos de seu corpo começaram a se expandir conforme ele caminhava. Entre os ciborgues, ele era um super guarda-costas, com alta resistência física e poder ofensivo.
Quando seus membros protéticos estavam totalmente ativados, os braços e o corpo de Afu haviam se expandido a ponto de ele parecer um mecha humanóide, e ele exibia sua forma aterradora enquanto avançava na direção dos dois jovens.
Uma pessoa comum com certeza teria ficado aterrorizada ao vê-lo naquela forma, e os dois jovens não foram exceção. Começaram a recuar imediatamente, pedindo desculpas pelas suas ações.
— Ei, cara, não precisa disso tudo.
— É, irmão, a gente só estava se divertindo!
— Tem diversão que vem com um preço! — disse Afu, cerrando os punhos com força. — Vou ensinar uma lição que vocês dois não vão esquecer tão cedo!
— Ah, é?
Os dois jovens tiraram os óculos escuros antes de erguerem o olhar, e não havia o menor traço de medo nos olhos deles.
Afu foi tomado por um mau pressentimento no mesmo instante. Logo em seguida, uma imensa pressão de vento avançou contra ele, e ele mal teve tempo de levantar a cabeça antes que seu corpo fosse despedaçado em pedaços de carne e sucata por um caminhão pesado que vinha em altíssima velocidade.
O impacto do enorme caminhão destruiu completamente seu corpo antes que ele tivesse a menor chance de reagir e, imediatamente depois, uma explosão ocorreu no local, espalhando fumaça densa por dezenas de metros em todas as direções, impossibilitando que as câmeras no céu captassem imagens claras do incidente.
Em meio à fumaça espessa, uma figura surgiu ao lado de Shae e a nocauteou com um único golpe.
Quando Shae recuperou a consciência, já havia sido levada para um local que parecia uma fábrica abandonada ou um armazém subterrâneo.
O lugar era mal iluminado, e o ar estava impregnado com o cheiro de podridão e decomposição. Assim que abriu os olhos, ela tentou mover o corpo por instinto, apenas para perceber que estava fortemente presa por uma eletrotrava.
— Quem são vocês? — Shae conseguia ver duas figuras indistintas e, ao se lembrar do que havia acontecido antes de desmaiar, perguntou: — Vocês me sequestraram? Quanto querem de resgate?
— Não queremos resgate — respondeu uma das duas figuras.
— Então por que me sequestraram?
— Queremos te fazer algumas perguntas. Para falar a verdade, se não tivéssemos recebido ordens explícitas para poupar sua vida, você já estaria morta agora.
— Ah, é? Vamos ver quem vai morrer de verdade aqui!
Shae invadiu abruptamente o mundo psíquico do homem enquanto falava.
Ela conseguiu completar a invasão com extrema facilidade, o que indicava que o homem não havia oferecido resistência alguma ou que era apenas uma pessoa comum incapaz de resistir.
Ao entrar no mundo psíquico, viu-se diante de uma vinícola, com a fragrância ácida da fermentação do vinho pairando ao redor. Quanto ao homem à sua frente, usava um manto e se assemelhava a um feiticeiro.
Shae não hesitou: assim que entrou no mundo psíquico, ergueu os punhos para atacar.
No entanto, seu punho mal havia tocado o feiticeiro quando os dois foram transportados subitamente para o meio do ar.
Suspensa no vazio, Shae não tinha nada de onde pudesse se impulsionar, e seu corpo começou a enfraquecer à medida que um tipo peculiar de energia a envolvia por completo. Em questão de segundos, ela havia se tornado um cordeiro completamente indefeso à espera do abate.
Só então percebeu que estava lidando com um adaptador extremamente avançado. Nunca havia encontrado alguém desse nível, nem mesmo sua família jamais conseguiu contratar os serviços de um adaptador tão poderoso.
Com isso, Shae finalmente acreditou que não havia sido sequestrada por dinheiro, mas foi justamente essa constatação que a fez sentir um medo verdadeiro.
“O que eles poderiam querer além de dinheiro? Será que querem me matar?”
— Por favor, não me matem! Eu faço qualquer coisa que quiserem!
- hover, do inglês flutuar, motos flutuantes[↩]
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