Capítulo 65: A Vida é Longa Demais
— Eu só sou forte por causa das entidades que invoco. Quando se trata do poder do meu corpo psíquico, provavelmente nem se compara com o seu. — revelou Adam, mas evitou contar seu segredo a ela. Não queria falar para ninguém sobre aqueles vasos de flores estranhos em seu mundo psíquico. — Eu sou um invocador. Tenho muitas anomalias, todas muito poderosas. Posso me fundir com qualquer uma delas, e isso naturalmente me deixa mais forte.
Como estudante dos anos iniciais, Shae só tinha uma noção muito vaga do que era a classe de invocador.
Ela havia começado a estudar na academia muito tarde, e isso havia sido arquitetado por sua família. Eles restringiram seu acesso a conhecimentos sobre adaptadores propositalmente, para atrasar seu desenvolvimento e impedir que ela descobrisse a verdade um dia.
Por isso, sua base de conhecimento era muito limitada, e ela frequentemente fazia perguntas que iam contra o senso comum.
— Se você tem tantas entidades invocadas poderosas, pode me dar uma? Nossos inimigos são muito fortes, e, do jeito que estou agora, sou muito fraca e não vou conseguir te ajudar de verdade. Que tal?
Adam encarou Shae em silêncio, com uma expressão de resignação.
— Você começou a estudar na academia bem antes de mim. Como é que ainda não sabe que isso não é possível? Uma entidade invocada é uma manifestação da própria personalidade. Essas entidades pertencem a mim… como eu poderia simplesmente te dar uma? Mesmo deixando de lado o fato de isso ser impossível, se eu te desse uma das minhas entidades, minha personalidade ficaria incompleta. Não tem como isso funcionar.
— Como sabe, se nunca tentou?
— Se fosse possível transferir habilidades, então eu também ia querer a magia daquele feiticeiro e os poderes de regeneração dos mutantes psíquicos! Tô te falando, não dá! Isso é um fato comprovado pela experiência de milhares de pessoas, e é por isso que está nos nossos livros. Você devia se esforçar mais nos estudos…
Enquanto Adam dava a Shae uma explicação exasperada, uma mensagem de Kim Hee-cho chegou.
Ele abriu o comunicador e encontrou uma mensagem curta.
— E aí, como você tá, irmão? Fiquei sabendo do que aconteceu esses dias pelas notícias, então resolvi te dar uma pausa. Mas agora que já descansou um pouco, é hora de voltar à ativa! A missão que pegamos da última vez ainda não foi concluída, e nosso cliente já me procurou várias vezes. Também acumulamos várias missões excelentes nesse tempo em que você ficou fora, então me chama assim que puder.
Shae se aproximou de Adam enquanto ele lia a mensagem.
— O que você tá fazendo?
— Tenho que aceitar uma missão e trabalhar — respondeu Adam, mostrando a mensagem. — Preciso ganhar dinheiro. Caso contrário, não consigo sustentar meus próprios gastos. Levo muito tempo pra juntar o suficiente pra comprar só um equipamento.
— Como você não tem dinheiro fazendo parte de uma organização tão poderosa? E você não ganha salário da casa de penhores?
— A organização não me dá dinheiro, e também não ganho nada da casa de penhores, porque assinei um contrato de servidão com eles — respondeu Adam, balançando a cabeça com frustração. Ele não conseguia evitar se irritar toda vez que pensava em como a casa de penhores havia se aproveitado dele. — Consegui sobreviver até aqui graças à proteção deles, então é uma troca justa. Mas eu não recebo salário.
— Que tal eu ir com você nessas missões? Vai ser uma ótima chance de treinar minhas habilidades em combate.
Shae sempre foi obcecada pela busca de poder. Caso contrário, não teria se tornado a adaptadora mais forte do seu ano.
Ela havia usado todo o tempo que deveria ter dedicado a aprender sobre teoria dos adaptadores para se focar exclusivamente em como se tornar mais poderosa, e foi por isso que sua base de conhecimento era tão desequilibrada.
— Quanto você quer de pagamento?
— Não quero pagamento — respondeu Shae, balançando a cabeça com um olhar complexo nos olhos. — Meus pais nunca foram muito bons comigo. Nunca me senti próxima deles, e eles também nunca me deixaram me envolver com a administração da empresa. Também disseram que não iam me dar o direito à sucessão. Mas dinheiro nunca faltou. Ainda tenho mais de dois milhões na conta, e isso é o bastante pra muito tempo.
— Tudo bem, então vou te levar comigo — respondeu Adam com um aceno de cabeça, e em seguida entrou em contato com Gancho e Kim Hee-cho para retomar sua carreira em psicoterapia.
Ao mesmo tempo, isso também seria um tipo de treinamento.
Ele queria se tornar mais forte antes de participar de missões ao lado dos adaptadores de elite da casa de penhores para capturar mutantes psíquicos, assim, poderia se proteger melhor.
Ao se reencontrarem no Metaverso, Kim Hee-cho exibiu um sorriso animado, algo raramente visto em seu rosto.
— Olha só pra você! Como diz o velho ditado: ‘aqueles que superam as tribulações mais severas serão abençoados com a maior das fortunas’.
Kim Hee-cho se aproximou de Adam e lhe deu um caloroso abraço, depois voltou a atenção para Shae.
— Quem é essa?
— Uma boa amiga minha. Está aqui pra ter um pouco de experiência prática.
— Já decidiram como ela vai ser remunerada?
— Ela não quer compensação.
Kim Hee-cho ficou ainda mais animado ao ouvir isso. Talvez a empolgação que havia demonstrado até agora tivesse um quê de encenação, mas a que mostrava agora era 100% genuína e vinha direto do coração.
— Eu adoro jovens corajosos que gostam de encarar desafios! Pode ter certeza, você vai ter a melhor experiência de treinamento em campo!
— Sobre o trabalho…
— Ah, sim. Todos os termos já foram acertados, mas o cliente provavelmente ainda está fazendo hora extra agora. Pode ir até ele depois das 21h. Ele vive no estilo 996, se é que você me entende.
— O que é estilo 996?
Shae nunca tinha ouvido esse conceito antes.
— Significa que ele trabalha das 9 da manhã às 9 da noite, seis dias por semana.
— Mas isso não é ilegal?
— Eles se submetem voluntariamente a essa rotina rigorosa pra ganhar mais dinheiro. Do contrário, por que ele teria desenvolvido problemas mentais que precisam dos nossos serviços? No fim das contas, nossa profissão existe por causa do estilo de vida exaustivo que pessoas como ele levam, então não vamos sair culpando ninguém. A gente devia é ficar feliz enquanto houver dinheiro pra ganhar.
Kim Hee-cho continuava fiel à sua filosofia: o dinheiro acima de tudo.
Tendo vivido toda a vida entre os mais ricos do topo da sociedade, Shae naturalmente tinha dificuldade em aceitar esse conceito. Na verdade, achava ele fundamentalmente falho.
— Se trabalham tanto assim, quer dizer que não têm vida, né?
— O trabalho é a vida deles! Antigamente, antes da tecnologia da imortalidade ser lançada, só idiotas ou desesperados se submetiam ao estilo 996. Afinal, a vida era curta, e tinha que ser aproveitada ao máximo. Mas agora as coisas são diferentes. Todo mundo pensa: ‘Se eu conseguir dinheiro suficiente, vou ter todo o tempo do mundo pra curtir depois.’ Enquanto estão vivos no mundo material, precisam trabalhar duro pra garantir uma vida eterna de prazeres no mundo cibernético! No passado, a vida era curta demais. Agora, ela é longa demais! — lamentou Kim Hee-cho, demonstrando uma rara fagulha de humanidade. — Há inúmeras classes na sociedade, e o cliente e eu pertencemos ao mesmo tipo de gente. Conseguimos ver a esperança de uma vida eterna e feliz… então é claro que queremos perseguir esse objetivo.
Shae ainda achava que havia falácias lógicas no chamado estilo de vida 996, mas não disse mais nada sobre o assunto. Em vez disso, seus pensamentos se voltaram àquela ideia de que a vida agora era longa demais, e não curta demais.
Da mesma forma, Adam também refletia sobre esse conceito.
Ele só vivia essa nova vida há pouco tempo, mas já havia testemunhado inúmeras coisas que confirmavam a noção de que a vida era longa demais.
As classes mais baixas precisavam trabalhar até os ossos para sustentar os entes queridos mortos no Metaverso, enquanto os mortos eram forçados a se degradar e servir de brinquedos para os vivos, apenas para continuarem existindo naquele mundo.
Aqueles que conseguiam ganhar dinheiro faziam disso o sentido da vida, sacrificando sua saúde mental, sua energia e tudo o que tinham em troca da promessa de uma felicidade eterna.
Quanto a Adam e Shae, não passavam de duas vítimas entre as incontáveis que essa sociedade moderna havia gerado.
Se a busca pela imortalidade não existisse, ele e Shae nunca teriam sido transformados em quadros em branco, e nem mesmo a fazenda de humanos teria existido.
Nunca Adam sentira que a palavra ‘imortalidade’ carregava uma conotação tão sombria. Para ser mais exato, em seus olhos, o conceito de imortalidade injusta era a raiz de um mal sem fim.
E, pior: se essa tecnologia da imortalidade fosse uma mentira em si, esse mal se agravaria a ponto de se tornar uma infestação global.
Entre os quase 10 bilhões de habitantes da Terra, talvez apenas algumas poucas milhares de pessoas realmente alcançassem a verdadeira imortalidade e acesso aos quadros em branco. Quanto ao resto, só lhes restava viver no sonho ilusório da imortalidade no Metaverso, enquanto, na realidade, sua energia, sua inteligência, suas almas e suas próprias vidas eram dedicadas a sustentar os verdadeiros imortais deste mundo.
No passado, os ricos tiravam dinheiro dos outros. Hoje, tiram suas vidas.
De repente, um pensamento extremo surgiu na mente de Adam:
“Talvez matar todos eles fosse a única maneira de libertar a raça humana em um nível fundamental.”
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