CAPÍTULO 6: Degraus do Desespero
Após a breve ameaça de Yorr sobre Yzael, o rapaz decidiu se entregar para a Confederação da Guilda e ser enviado para o calabouço.
— Acho que não entendi direito, você realmente quer abandonar a Guilda para ir pro Calabouço, por quê? — perguntou Hannah, a secretária que cuidava da papelada de todos que desciam para aquele lugar tão temido.
— Eu infelizmente fui conciliado a revogar meus serviços em prol de minha moral — respondeu Yzael, com elegância, entregando suas ombreiras e outros materiais, junto a sua espada.
A face da mulher ainda espantada fez Yzael ficar curioso, talvez a ficha ainda não tinha caído para ela. Ela pegou os materiais que estavam sob o balcão e colocou em um baú ao fundo da sala branca em que estavam.
— Sabe, eu não sei se você é maluco, mas se for, eu espero que consiga se manter como você está agora — avisou.
O rapaz ficou sem entender, franziu suas sobrancelhas e perguntou. — O quê tem de tão temido lá embaixo, além de trabalho quase escravo?
A mulher sorriu e respondeu. — Assim como qualquer prisão que oferece trabalho para diminuir sua pena, são poucos os que realmente levam a sério e apenas desistem se rendendo às vozes de suas cabeças. Homens que fingem ser tão fortes como você, são os que se rendem mais facilmente.
Ela pegou em uma gaveta um papel e uma caneta e um pote de tinta. — Assine seu nome aqui, e após isso os guardas irão levar você para o inferno dos loucos.
Yzael assim fez, assinou seu nome sem hesitar e entregou para Hannah. Ela pegou o papel, analisou a assinatura e logo assobiou para dois guardas que estavam deitados escorados sob as paredes do local.
Eles acordaram assustados, e se levantaram imediatamente. — Levem este homem ao Calabouço — ordenou a mulher.
Os dois cavaleiros, Diren e Platô, assentiram como um “sim” e agarraram o homem pelos braços e o levaram imediatamente.
O caminho era longo, eles atravessaram de charrete até o outro lado do reino de Reitz, passando pelas ruas apertadas e movimentadas de tendas e comércio. Yzael percebeu algo nunca visto antes naquele reino, a parte esquecida dele.
Passando pelas ruas, os becos se tornavam estreitos sob pedras, e era comum ver pessoas deitadas no meio dos caminhos e outras banhando na água que era considerada “potável” para a população. Os olhares de pessoas que foram esquecidas com o tempo e apenas se tornaram um ponto de partida para os protetores públicos não se absterem da violência, marcou a mente de Yzael.
— Esse caminho é horrível, não sei por quê não destruíram ainda a ponte passagem do centro para esse cubículo cheio de ratos — Falou Platô para seu amigo.
Os dois analisavam o caminho que se tornava feio, hostil e fedorento. — O general ordenou levar toda essa escória para o Calabouço, assim que a nova ordem for aceita, assim será mais fácil investir na melhoria do reino, sem custar a vida de um trabalhador comum.
— Tem razão. Mas eu acho que o atual general é meio bonzinho demais, essa parte do reino já virou parte de um lixo maior a muito tempo.
Enquanto os dois conversavam, era nítido que eles estavam mais próximos do Calabouço, era possível ver um local ainda mais sujo que antes, abandonado e com diversas correntes e picaretas jogadas ao chão.
Haviam alguns homens, muito magros e com cabelos longos e olhos saltados utilizando pás para preencher alguns baús com pedra e areia. Conforme a charrete se movia, os escravos prendiam a atenção em Yzael.
Alguns paravam o quê estavam fazendo para cochichar sobre ele. Um encontro breve chamou a atenção, era o terceiro membro do grupo de Lazio, Marcela, varrendo a sujeira e dejetos humanos sob aquele lugar. Ela olhou para o rapaz e logo o reconheceu, seu semblante de uma mulher destruída, magra e fraca, passou para uma pessoa vingativa e aterrorizada.
— Maldição… — cochichou Yzael para si mesmo.
A charrete parou sem aviso prévio, em frente a um quadrado escavado que levava para o subsolo, sem alguma escada para descer. — Chegamos, desça logo — ordenou Diren.
Yzael fez sua ordem sem contestar, com as mãos amarradas por uma corda com nó firme ele se aproximou daquele quadrado fundo. Ele olhou para baixo e apenas viu escuridão e raízes de plantas e árvores mortas. — Por onde é que eu desço até lá? — perguntou Yzael.
Platô riu. — Você quer conforto num lugar como esse? faz-me rir garoto.
Diren apoiou sua mão sob o ombro de Yzael. — É incrível, pessoas fortes como você se tornarão tão frágeis quanto vidro. Espero que se acostume a comer esterco.
Diren se afastou para trás de Yzael que ficou sem entender, e de forma fria desferiu um chute contra suas costas. — Aaargh!!! — gemeu de dor pelo forte chute.
Yzael caiu se batendo contra as grandes rochas que estavam sob as paredes e os pedaços de tábuas e ferros que estavam fincados sob a grande subida para fora do Calabouço. Caindo por fim em cima de um andaime mal feito. A queda foi forte, e ainda mais que isso, caiu em cima de um prego enferrujado que o fincou no meio de suas costas, perto de sua espinha.
— Aaaaaaargh!!!! — gritou de dor, sem conseguir se mover. — Arfffff…. urfffff — tentou respirar para apaziguar as dores, mesmo que por um momento.
— Este homem vai morrer logo — debochou Diren para seu amigo.
Os dois logo subiram em seus cavalos e foram embora, deixando o rapaz gravemente ferido. — Porra — falou sem forças.
Yzael com calma, tentou se levantar com seus braços mas sem sucesso por causa da dor do prego empalado. — Aargh… — o rapaz chorou pela dor, era claro que ele havia quebrado alguns ossos.
Algo chamou a sua atenção, na escuridão daquele lugar detestável, um homem saiu. Yzael o observou, era um velho, de cabelos brancos em poucos fios longos, com uma manta vermelha com um símbolo de uma cruz, aparentemente ele possuía apenas um olho funcional, já que o outro estava tapado por uma venda.
— Quem é você? — perguntou Yzael com medo do que poderia acontecer com ele.
O velho caminhou lentamente saindo das sombras, assobiando alguma melodia desconhecida. Parando em frente ao rapaz incapaz de se mover.
Ele parou de assobiar e levemente levantou sem braços, revelando que abaixo de suas mangas haviam braços sem mãos. — Óhh, mais uma alma que foi bem recebida.
Yzael ficou sem entender, apenas respirava ofegante. — Pelo visto, você é um jovem com muito azar em sua vida. Como está se sentindo? — perguntou o velho.
Yzael respondeu brevemente, — com dor.
— Entendo, a dor é um acompanhamento claro nesse lugar. Me responda, você está se acostumando com ela?
— Não… — respondeu.
— Hum… não se renda ainda. Você parece ter mais uma boa vida com ela ao seu lado.
O velho então, mesmo sem suas duas mãos, tentou levantar Yzael da tábua. O rapaz usou suas forças e fez de tudo para tirar aquele prego de suas costas.
Com muito esforço e uma dor agonizante, o velho conseguiu ajudar a tirar a tábua quebrada das costas do homem. Yzael sentiu um grande alívio, mesmo sentindo dor.
— Hufff… obrigado velho — agradeceu, se escorando nas paredes úmidas daquele lugar.
— Não tem porque agradecer, acredito que você não deveria se manter aqui, pelo menos com esses ferimentos. Você percebeu que suas costas estão fraturadas? — perguntou o velho.
— Sinto tantas dores que nem sei mais de onde elas vêm — respondeu com um sorriso debochado.
A noite estava chegando, as tochas se acendiam para as profundidades daquele lugar, iluminando mesmo que fosse um pequeno espaço. — Acho que se você quiser passar essa noite, mesmo que com o mínimo de conforto, talvez devesse ficar nas celas da entrada. A noite é fria por aqui.
— Pode deixar, velho. Me responda uma coisa, onde estão todos que foram enviados pra cá?
— Estão se escondendo, o subsolo é como um labirinto, nunca se sabe onde estão todos.
— Já existiu alguém que conseguiu sair daqui?
— Ninguém teve forçar o suficiente para subir estas paredes, elas parecem estar amaldiçoadas. Eu já fui um dos opositores que tentou escalar. Infelizmente os loucos arrancaram minhas mãos.
— Por quê necessariamente as suas mãos?
— Quando eu era um garoto novo, também já fui um caçador de dragões, um curandeiro. Minhas habilidades com cura eram muito boas, porém eu só tinha um olho funcional, o que dificultava muito a cura em meus companheiros.
— E por quê enviaram você pra cá?
O velho pensou antes de responder, — eu sofri uma falsa acusação. Um dos membros do meu grupo me acusou de abandono de missão. Por causa disso, vim parar neste inferno.
— Entendo… sei que posso estar parecendo meio rude, mas o senhor tem uma manta parecida como essa? Estou começando a ficar com frio, acho que vou pegar um resfriado.
— Oh, me desculpe, acabei não percebendo isso. Eu acho que devo ter uma manta sobrando em minha cela. Espere aqui.
O velho então saiu nas sombras, e em meio as pequenas luzes das tochas que tinham, Yzael se viu abandonado de novo, sem forças para se mover. O vento ressoava em seu corpo, que logo se esfriou.
Com dificuldades para respirar, Yzael se viu em uma luta contra a própria morte e a dor. E Infelizmente, se rendeu ao sono.
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