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    Jonas bateu com o copo vazio na mesa de madeira, ouvindo a risada desagradável do conde rubro encher-lhe os ouvidos. Sentia o estômago se revirar enquanto o hidromel se espalhava por ele.

    — Bom, bom, você aguenta bem, garoto — crocitou o conde, bebendo da sua própria caneca. — Mas falta… muito par… me “sulperar” — disse entre arrotos e soluços.

    Espero nunca superá-lo.

    — O senhor é insuperável, conde. Tanto no copo, quanto em generosidade — elogiou Eric, erguendo sua bebida. Pouco a tinha tocado desde que haviam sentado naquela mesa.

    Jonas percebeu isso tarde demais, quando já estava bêbado e já não se importava em ficar mais.

    — Ah — O conde deu um empurrão no ombro de Eric. Por um momento, Jonas pensou que ele cairia por conta do movimento. — Fique quieto e beba rapaz. Meus ouvidos são muito bem treinados para cair em seus agrados.

    — Então, se está acostumado a ouvir elogios, deve ser merecedor de parte deles, não? — Eric insistiu.

    O conde riu novamente.

    — Sim, sim, de pelo menos um deles eu sou merecedor — se pôs em pé, erguendo o copo recém enchido, e olhou para Eric e Jonas. — Sou o mais elegante bêbado do mundo — Brindou com os dois.

    — Isso não posso negar — comentou Jonas, confiando na embriaguez do conde e na sua própria para que o sentido da frase não fosse compreendido.

    “Vamos beber com o conde rubro”, Eric havia dito, e ali estavam.

    Haviam sido recusados por ele no primeiro dia. Ofereceram uma bebida no segundo, e sentaram a sua mesa no terceiro. E beberam. Beberam até terem de ser arrastados pela escada por outros aventureiros a pedido de Graça, que os proibiu de voltar a prosseguir com o suposto plano de Eric.

    Proibição essa que apenas Leandro acatou.

    Jonas e Eric continuaram sentando na mesma mesa e dividindo a mesma bebida paga pelo conde, que com o tempo se mostrou menos ranzinza. Mas aquilo parecia tão inútil como Graça fazia parecer. E a bebida ingerida durante o dia cobrava seu preço em todas as tortuosas manhãs seguintes. O que fazia Jonas se perguntar as razões por que se deixava arrastar pelas ideias de Eric, não tardando em lembrar da resposta: ele era o único que as tinha.

    Ouviu um passo às suas costas. Algumas pessoas se levantaram da única outra mesa ainda ocupada e se dirigiram aos tropeços para a escada. Deixando-os sozinhos na escassa luz das poucas tochas ainda acesas.

    Um cheiro rançoso de gordura fria permeava o ar do salão. O calor começava a arrefecer e a fumaça da lareira apagada dava lugar à neblina fria da noite já tornada madrugada.

    Jonas olhou para a única atendente restante atrás do balcão: com um olhar indiferente ela limpava um copo de barro de maneira ainda mais indiferente.

    Deu-lhes uma rápida olhadela aborrecida e então pôs o copo no balcão, tomando outro em seguida e recomeçando a limpeza.

    Jonas imaginava quão grande era o desejo da garota para que eles fossem embora e ninguém a incomodasse mais pelo resto da vigília. Algo compreensível e seria sensato fazê-lo.

    Mas, aquele olhar aborrecido…

    — Mais uma rodada — pediu ele, erguendo a mão.

    Com passadas sonoras – e clara má vontade – ela obedeceu, levando até eles outra botija de hidromel.

    O conde agradeceu a atendente de forma elegante, ressaltando a beleza da moça, pouco perceptível devido ao rosto apático. Ela agradeceu com uma cortesia fria. Então o conde elogiou seus olhos avelãs. A garota piscou rapidamente, e os desviou para o lado. O conde prosseguiu com os gracejos, notando o quão elegante era o andar da atendente e o quão esbelta ela era a meia luz. Jonas, incrédulo, viu a cor mudar levemente no rosto pálido e apático da jovem, tornando-o mais rosado.

    Ela agradeceu, então tornou ao seu canto. Os olhos adotando uma timidez infantil ao encará-los.

    — Ei — sussurrou ao ouvido do conde, que se inclinou para escutar. — Que porra foi essa?

    — “Essa porra” foi a minha pessoa: o mais elegante bêbado da mundo — declarou o conde, balançando a cabeça para ambos os lados como um pêndulo.

    — De fato, és tu — bradou Eric, alterando a voz para que soasse mais formal que o costumeiro.

    Serviram mais três rodadas, das quais Jonas olhou para o conteúdo dos copos e sentiu enorme repulsa, derramando disfarçadamente o conteúdo no chão. O pensamento que a atendente de olhos frígidos teria de limpar alegrou sua mente turva.

     Então ocorreu.

    O conde, acostumado a beber até estar próximo de cair, tirou uma pequena bolsa de sua capa e a atirou sobre a mesa, produzindo um sonoro som metálico ao encostar na superfície de madeira. Então falou entre soluços, se dirigindo a atendente:

    — Querida senhorita, foi um prazer ser atendida por um sorriso tão encantador, aqui está o pagamento da noite e a gorjeta. Meus caros — olhou para Jonas e Eric —, agradeço sua companhia.

    Ele se levantou, e caiu.

    Eric e Jonas rapidamente o apararam, saltando das cadeiras como felinos perseguindo uma presa.

    — Acho melhor a gente de pôr no quarto, tá bom conde? — disse Eric.

    — Sim, vai que você cai da escada — observou Jonas.

    — Besteira, nunca caí de escada nenhuma, tenho o equilíbrio de uma aranha andando na própria teia — Ele se libertou dos braços de ambos, deu dois passos e caiu com o rosto no chão.

    Os dois voltaram a erguê-lo, e Eric se voltou a atendente.

    — Moça, qual o quarto dele? — perguntou ele.

    Ela estreitou um pouco os olhos antes de responder:

    — Terceiro andar, o segundo quarto à direita do corredor.

    — Obrigado.

    Jonas segurou o conde, passando um braço dele ao redor de seu pescoço e ombros. Eric fez o mesmo e ambos seguiram arrastando o corpo do desfalecido até a escada. Não sem Jonas dar uma última olhada nos olhos indiferentes da atendente, constatando o alívio em seu rosto ao vê-los irem embora.

    Eles subiram. Cada degrau parecia um pequeno monte a ser escalado pelos pés vacilantes de Jonas. Ele sentia o cheiro do hálito do conde, percebendo que já não se incomodava com o cheiro de álcool. Havia outras coisas para se incomodar, no entanto.

    Os ecos dos quartos chegavam a seus ouvidos irritantemente apurados.

    Roncos, conversas entre lençóis e gemidos. O último parecia mais alto e em mais quantidade do que os demais.

    Chegaram ao quarto, Eric tateou as roupas do nobre embriagado até tirar uma chave de formato arredondado. O que gemeu de dor e a deixou cair no chão.

    — Que merda é essa? — reclamou olhando para baixo e segurando a mão.

    — O que está fazendo, tolo? — balbuciou o conde. — Eu sou o mestre disso, só eu posso abrir.

    Ele se agachou – quase caindo, se não fosse por Jonas o ajudando a se pôr de joelhos – a pôs na fechadura e girou duas vezes.

    A fechadura soltou um estalo e a porta abriu.

    Os três entraram no quarto que cheirava a um odor adocicado.

    Enquanto era arrastado pelos dois até a cama, o conde disse uma palavra indistinguível e as velas se acenderam, surpreendendo Jonas que trocou um olhar confuso com Eric.

    Lembrou-se de Orland e de suas pedras mágicas. Pareciam funcionar do mesmo jeito.

    Puseram o conde na cama. O nobre se revirou e bolou duas até cair no chão, onde disse outra palavra esquisita aos ouvidos, o qual fez as velas se apagarem e começou a roncar após um tempo.

    Jonas arfava e soava. Sentia-se a ponto de vomitar. Ele olhou para o Eric, que parecia na mesma situação.

    — Então, vamos?

    Eric olhou para ele, concordando com a cabeça.

    — Vamos.

    Os dois vasculharam o armário do conde, descobrindo as dezenas de camisas, casacos, jaquetas, calças e sapatos que lá havia, em número e suntuosidade surpreendentes para um cômodo tão pequeno e modesto.

    Tiraram algumas camisas, três pares de sapatos, duas jaquetas, dois gibões e quatro calças. Tentando manter tudo tão organizado como quando encontraram. O que não foi tarefa fácil para dois bêbados.

    Jonas achava que não faria diferença para o conde devido a quantidade de peças de roupa lá presentes. Ainda sim, isso o preocupava.

    — O que vamos fazer se ele der falta disso e nos acusar? A atendente nos viu sair com ele e sabe que viemos pra cá.

    — Ele não vai lembrar — respondeu Jonas prontamente.

    — Como tu tem certeza?

    — Por que eu ouvi uns boatos por aí de uma erva que, misturada com outra coisa e posta numa bebida, pode dar um apagão muito louco em alguém muito bêbado.

    Jonas abriu a boca em espanto. Dela o ar entrou e saiu, como se seu nariz tivesse esquecido sua função.

    — Você o dopou? — perguntou redescobrindo sua voz.

    — Por uma noite — Eric olhou-o com certa hesitação.

    Jonas se viu surpreso, mas não horrorizado ou perturbado. Descobriu-se aliviado no lugar.

    — Tá, tá, vamos sair daqui — disse finalmente.

    — Pra você tudo bem isso? — perguntou-lhe Eric.

    Jonas olhou para o amigo. A mente turva esforçando-se e ao mesmo tempo se recusando a pensar sobre.

    — Depois de tudo que a gente passou, já não importa — respondeu e saiu.

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