Índice de Capítulo

    A enorme criatura avançou com uma velocidade surpreendente para o tamanho, cobrindo os metros que separavam suas enormes garras e dentes do afiado aço nas lanças e espadas da primeira vintena.

    Um balançar da pata carmim fez com que parte desse aço voasse, refletindo ao sol. Gritos se espalharam pela clareira, trazendo a Caio a memória do moinho. O sangue, o desespero, as mortes, tudo acontecendo novamente. Até que um grito de comando o tirou daquele momento e o trouxe de volta para a realidade.

    — Não tenham medo, cerquem-no e acertem as patas com as lanças. Tirem seu equilíbrio — gritou o cavaleiro, erguendo a espada no alto fazendo-a brilhar mais do que todas as outras.

    Os soldados formaram um círculo ao redor do monstro, apontando as lanças para que ele não se aproximasse. O urso ergueu-se nas patas traseiras, rugindo ameaçadoramente, atacando-os com suas garras e sendo contra golpeado por uma dúzia de lâminas vindas de todas as direções.

    — Atenção — um dos tenentes se fez ouvir — Posicionem-se — Os homens mudaram suas posições. Alguns se ajoelharam, outros se aproximaram mais alguns passos para melhorar sua mira. Caio não sentia necessidade de fazer nenhum dos dois.

    — Carregar!

    Caio apoiou sua besta no chão, puxou a corda e pôs a seta. Cada movimento sendo feito como sendo a coisa mais natural do mundo, assim como na primeira vez que o fizera.

    — Mirar!

    A maioria dos besteiros mirava na parte superior do monstro, que em pé se sobressaia quase um metro acima dos soldados. Seu dorso, suas imensas patas peludas… tudo ali era um alvo grande. Caio, no entanto, não tinha interesse nessas partes. Eram grandes demais para se acertar, não tinha graça. Ele mirou em uma parte menor, bem mais acima.

    — Disparar!

    Ele apertou o gatilho, soltando a corda. O dardo viajou por um segundo, sendo acompanhado de mais de dez outros, antes de acertar seu alvo, ou era isso que ele esperava.

    “Errei?”, disse para si mesmo incrédulo ao ver o dardo se cravar na lateral da boca do monstro. Bem distante dos olhos. Outras dezenas de pequenas estacas também haviam sido cravadas em seu couro. Mas a criatura não parava.

    Ela ergueu os braços e os baixou, acertando os homens que estavam mais próximos. Caio pôde ouvir o som lamentoso do impacto. Logo depois ela se ergueu, prendendo outro homem em suas garras, e abocanhando sua cabeça – puxando-a até separá-la do corpo. Transformando em um chafariz, o que antes fora um homem, a qual espirrava o mais vívido vermelho que Caio já vira. Muitos dos soldados próximos recuaram ao contemplar a cena, distanciando-se do urso.

    — Carregar — A voz do tenente soou outra vez.

    Caio refez o processo e mirou novamente seu dardo na altura dos olhos do monstro.

    Ele se movia demais.

    — disparar!

    Mais vinte dardos viajaram pelo ar até o alvo. Ele estalou a língua quando viu seu tiro atravessar o pescoço. Ele se movia demais. Menos de uma dúzia deve ter acertado o monstro, porém Caio via um número bem maior preso ao seu pelo rubro. Provavelmente mais deveriam estar sendo disparados pela vintena posicionada no outro lado.

    — Carregar… — gritou novamente o tenente, ordenando outra saraivada.

    A forma como os soldados se postaram enquanto disparavam lembrava Caio de cenas em filmes onde um pelotão de fuzilamento atirava contra um prisioneiro. No entanto, a falta dos sons tirava parte da emoção no ato.

    Caio viu mais soldados surgirem em seu campo de visão. Provavelmente o grupo que fora mandado para trás dos ursos. Ocuparam o espaço dos que pareciam covardes demais para permanecer frente ao monstro, erguendo suas lanças.

    — Atirar — Uma nova saraivada alcançou a criatura, que não parecia se abalar pelos disparos.

    Foi possível notar outra coisa, no entanto. Menos dardos acertaram o urso daquela vez. Os gritos pareceram aumentar. Alguns pareciam mais distantes. A grama na altura de sua cintura limitava sua visão. Podia ver apenas a parte superior dos outros soldados a distância. Caio olhou para trás e percebeu que uma das vintenas que havia ficado como apoio começara a se mover. Porém algo o deixou confuso. Ela não se movia em direção ao urso, e sim para o lado em que os outros besteiros estavam.

    Procurou nela por Eduardo. Sem conseguir encontrá-lo. Era difícil diferenciar alguém com aquelas armaduras e capacetes tão iguais.

    — Carregar — O grito, já comum aos seus ouvidos, fez o seu corpo agir instintivamente. Caio decidira pôr fim àquilo com o próximo dardo.

    — Mirar!

    Embora preferisse estar no meio da ação, brandindo uma espada e lutando pessoalmente contra um poderoso inimigo, como os heróis dos filmes que crescera assistindo, a sensação de que poderia pôr fim a uma luta com um pressionar de seus dedos era inebriante. Eduardo não poderia fazer algo do tipo, e Theo terminaria estendido no chão ao tentar. Caio, porém, podia disparar quantos dardos quisesse, acertando um a um, até o último. Era realmente uma bênção.

    — Disparar!

    Ele pressionou o gatilho, acionando o mecanismo da besta. O som da corda foi quase melódico quando disparou o dardo, que seguiu seu caminho em meio a outros tantos. Caio piscou no intervalo de tempo em que o projétil levou para chegar até seu alvo, cravando-se no olho direito monstro carmim.

    Ele sorriu, imaginando o quão fundo o pedaço de madeira havia atravessado. “Ele vai cair? Se sim, tomara que seja para frente”. Gostou de imaginar a cena em sua cabeça. Era cômica. Um monstro que devia pesar mil toneladas caindo por conta de um pedaço de pau pontudo.

    No entanto, o monstro não caiu. Nem sequer bamboleou. Seguiu atacando. Sua enorme garra rasgando a fileira de aço a sua frente.

    Caio abriu a boca, incrédulo. Ele acertara o olho do animal. O que na terra poderia viver tendo a cabeça atravessada? Enquanto observava, viu outra coisa surpreendente. Uma espada prateada, longa e reluzente, repelindo uma das patas vermelhas, arrancando dela sangue negro. Reconheceu a armadura bronze do cavaleiro avançando contra a fera. Suportando o peso de seus ataques ferozes, enquanto a lâmina afiada dilacerava a carne avermelhada.

    Talvez pela surpresa, demorou um pouco para perceber a algazarra que começara tão próximo a ele. Ou talvez porque o som em nada se diferenciava do que ele escutara desde o início da luta

    Gemidos de medo, gritos de dor, rugidos raivosos. Outro urso – um menor – mordia o pescoço de um besteiro a três metros de Caio.

    Devia ser um dos filhotes. Caio lembrava tê-los visto antes do adulto atacar.

    Alguns homens fugiram, outros carregaram suas bestas. Caio imitou o segundo grupo. Dispararam todos ao mesmo tempo, empalando o monstro com uma dezena de estacas. Caio acertara a sua entre os olhos do bicho. Porém franziu as sobrancelhas quando ele não caiu. Ao invés disso, a criatura ficou sobre as patas traseiras e rugiu.

    “Que porr…”.

    — Recuar — Ouviu o tenente ordenar.

    Ele obedeceu, se distanciando. Precisaria de tempo para recarregar a besta. No moinho, Caio estava longe do urso e podia repor seus dardos normalmente e acertá-lo repetidas vezes. Não conseguiria fazer isso com o monstro tão perto assim dele. Era necessário se afastar. Um lamento de dor soou às suas costas, ele não parou para olhar.

    Notou que algo se aproximava da direção para onde corriam. Era a outra vintena que ficara parada na retaguarda.

    Sorriu, pensando que havia conseguido o tempo que precisava. Isso até ouvir outro grito. Um vindo de uma voz familiar. Que fez seus músculos enrijecerem. Era a do tenente. Porém, ela não ordenava nada. Nem sequer passava qualquer instrução. Era apenas um grito visceral, de alguém sentindo imensa dor.

    Uma sombra se projetou em suas costas, e dessa vez Caio olhou, e o que viu o fez paralisar. Seus olhos foram guiados para cima ao procurar o tenente. Não viu o filhote de urso do qual estava fugindo. O que estava a sua frente agora era um urso carmim adulto, tão grande quanto o que atacava o grupo do cavaleiro.

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