Capítulo 1152 - O falcão não se curva ao pardal
Enquanto o aroma das velas de âmbar cinza flutuava no ar, Lumian sentou-se com os olhos fechados, sentindo a malícia brotar no fundo de sua mente. Era como se ele tivesse adentrado as brumas da história, encarnando o Rei dos Diabos Farbauti, entregando-se a atos selvagens e desenfreados, tudo isso enquanto entrava em um estado Cogitativo.
Agora, ele não precisava mais de velas de cera de cadáver para sentir a Cidade da Calamidade. Somente através da Cogitação, ele poderia alcançar uma profunda comunhão com ela. Logo, Lumian começou a flutuar. Diante dele surgiu uma névoa tingida de uma tonalidade negra e sinistra.
Desta vez, ele não entrou na “Xangai” que Franca descrevera, nem viu os bondes sem trilhos carregando cabeças com espinhas penduradas ou os riquixás arrastando mulheres inchadas. Em vez disso, o que surgiu foi um poço de pedra construído com lajes e correntes de ferro, com rostos diabólicos gravados.
“A Lei da Convergência das Características de Beyonder? Agora que me tornei um deus verdadeiro de duplo caminho no domínio da calamidade, iniciar a ação secreta me leva diretamente ao núcleo da Cidade da Calamidade, ao lugar onde o dragão malévolo está selado? Se não fosse pelo selo, eu provavelmente estaria vendo o dragão malévolo diretamente…” Lumian assentiu em compreensão.
Sem perder tempo, ele mergulhou na superfície espelhada da água carmesim do poço. Atravessou cenários familiares que já havia explorado e chegou à praça cinza-esbranquiçada onde um dia encontrara o Alista Tudor espelhado. Do lado de fora da barreira invisível, viu a enorme sombra negra ocupando o fundo do mar cor de sangue, abrangendo o tamanho de uma metrópole inteira.
Ele parou no meio do caminho.
Ao mesmo tempo, do lado de fora da torre de madeira que prendia o dragão malévolo, uma figura se materializou do nada, composta de inúmeras entidades etéreas e transparentes. Envolto em um manto azul e coroado com um tradicional cocar alto, esta figura segurava um chicote de rabo de cavalo. Seu rosto era impecável como jade, mas magro.
O Mestre Celestial da geração atual.
Agora que a Deusa Mãe da Depravação havia capturado a Colmeia e começado a se fundir com ela, Ele não precisava mais manter a névoa branco-acinzentada. Ao lado dele, duas outras figuras gradualmente entraram em foco.
Um deles vestia uma túnica monástica amarela, envolta em um kasaya vermelho. Sua cabeça exibia cicatrizes de tonsura e seu rosto redondo era adornado por uma longa barba branca que chegava ao peito. Ele exibia um sorriso perpétuo e gentil.
O outro estava envolto em um manto escuro adornado com padrões estranhos. Seu rosto estava pálido e sem sangue, com olhos tão negros que pareciam engolir toda a luz.
O primeiro era a manifestação de Buda, um Monge Sagrado reconhecido por todas as seitas da comunidade monástica. O segundo era o Taoísta do Submundo, líder da linhagem Haoli. Desde que entrara no Rio da Escuridão Eterna para suprimir os resquícios da alma do Imperador de Sangue, Ele estivera praticamente morto — sua consciência se fundira apenas parcialmente ao Rio, permitindo-lhe agir brevemente, mas impedindo-o de retornar ao mundo dos vivos. Esse destino espelhava o de seus predecessores e sucessores na linhagem Haoli.
— Seus esforços são muito apreciados, — disse o Mestre Celestial, colocando uma mão no peito e assentindo levemente.
Antes que suas palavras se consolidassem completamente, uma sombra emergiu das profundezas da torre de selamento do dragão. A escuridão se condensou em uma forma humana. A figura vestia uma túnica negra volumosa, com cabelos longos e esvoaçantes com mechas brancas. Seu rosto magro exibia um sorriso quando Ele deu um passo à frente. — Como você pôde me deixar fora disso?
O Mestre Celestial não respondeu, pois uma luz repentina iluminou o céu.
As quatro figuras presentes ergueram a cabeça simultaneamente. Através de camadas de nuvens brancas, avistaram uma porta vagamente discernível. Na porta estava uma figura imensa, coroada com o alto cocar de um imperador, com o rosto escondido por véus de contas sobrepostos.
Sem falar mais nada, o Mestre Celestial aproximou-se da placa de pedra em frente à torre de madeira e pressionou a mão contra ela. No segundo seguinte, as correntes de ferro dentro do antigo poço começaram a se retrair, produzindo sons metálicos.
Isso fez com que a água vermelha do poço ondulasse e perdesse sua qualidade de espelho. Parado na praça branco-acinzentada, Lumian imediatamente sentiu que a barreira que separava o mar cor de sangue deste mundo dos espelhos havia se afrouxado, deixando “rachaduras” exploráveis.
Como Governante do Mundo dos Espelhos, Lumian se desmaterializou sem hesitação, passando pela abertura e retornando à realidade. O mar cor de sangue surgiu ao redor dele, corroendo sua alma e tentando se fundir com ele. Lumian sentiu a malícia enterrada no fundo de seu coração jorrar como um líquido preto e viscoso, separando-se de sua mente e espírito.
Esses fluxos de líquido preto se dispersaram furtivamente nos arredores do mar cor de sangue, neutralizando as partículas escuras suspensas nele. Despreocupado com as ações do Rei dos Diabos Farbauti, Lumian focou seu olhar à frente, na direção da imensa sombra negra que ele havia vislumbrado anteriormente, mas não conseguia ver claramente.
A sombra era inimaginavelmente longa, enrolada como uma serpente. Mesmo assim, ocupava uma área comparável à de Trier inteira.
Seu corpo parecia composto por duas pítons enormes entrelaçadas — uma coberta por escamas profundas e negras como ferro, a outra lisa e imaculada, como jade branco. Onde se tocavam, carne e osso se entrelaçavam, formando uma entidade única, apesar da dupla aparência.
Correntes de ferro, gravadas com relevos demoníacos, perfuravam repetidamente esse corpo enorme, estendendo-se em direção ao mar cor de sangue acima. Sentindo a presença de Lumian, a criatura colossal levantou lentamente a cabeça.
Tinha três cabeças!
À esquerda, conectada ao corpo de escamas negras, havia uma cabeça semelhante à de um camelo, com chifres de antílope, orelhas de vaca e olhos negros como ferro. Pelos carmesim cobriam seu couro cabeludo.
À direita, estendendo-se do “corpo de serpente” de jade branco, estava a cabeça de uma mulher humana com cabelos negros e olhos castanhos, de uma beleza de tirar o fôlego, com uma semelhança com Cheek. Ou melhor, Cheek tinha uma semelhança com ela.
A cabeça central, no entanto, era uma amálgama líquida em espiral, abrangendo todas as cores e possibilidades. Em suas características faciais — olhos, nariz, orelhas e boca —, furos haviam sido perfurados, um ou dois em cada local. Essa cabeça central separava as outras duas, impedindo-as de se fundirem, garantindo sua existência independente. Abaixo dela, uma substância invisível formava um pescoço que tanto sustentava a cabeça quanto a enraizava nos corpos serpentinos entrelaçados.
— Você também tem três cabeças… — Lumian riu baixinho.
Então, ele zombou de Adam em sua mente: “Seu plano falhou na etapa final! Se Alista Tudor e Cheek não tivessem encontrado as condições certas por acaso, esse seu ‘experimento’ teria terminado em fracasso!”
A frase “Yin contém yang, yang contém yin, a união de yin e yang dá origem a tudo” estava de fato correta, e era o único método, mas apenas até a etapa final. Nesse estado, porém, tentar acomodar a Cidade da Calamidade levaria inevitavelmente ao desastre.
A frase “a união do yin e do yang dá origem a tudo” já sugeria sua conclusão:
Como tudo começou? Tudo começou com o Criador Original criando este mundo! A união do yin e do yang significa um retorno à origem, anunciando o renascimento de todas as coisas! É claro que o que retornaria não seria o Criador Original completo, mas sim um Criador Original Espelhado, estável o suficiente para evitar a destruição e a reinicialização imediatas do universo.
Na Primeira Época, a primeira sefirah acomodada pelo Deus Primordial Todo-Poderoso foi a Cidade da Calamidade. Além de seu profundo desejo por ela, Ele provavelmente previu seus perigos. Ao intervir pessoalmente e usar a cabeça caótica como barreira, Ele impediu que o yin e o yang se fundissem completamente, interrompendo sua integração.
Tudo era triplo, dando origem a todas as coisas. Só assim poderia ser estável.
Com suas três cabeças e seis rostos, Lumian olhou para o dragão malévolo de três cabeças, rindo descontroladamente.
…
Dentro da torre de madeira.
O Mestre Celestial, o Monge Sagrado, o Taoísta do Submundo da linhagem Haoli e o autoproclamado Mestre da Casa das Sombras sentaram-se de pernas cruzadas em uma das portas que selava o dragão.
Abaixo do Mestre Celestial apareceu um deserto desolado. Atrás do Monge Sagrado, um um halo imaculado e transcendente emergiu. Diante do mestre da seita Haoli, um rio reto, largo e escuro fluía do vazio para o poço antigo.
Ao ver isso, o Mestre da Casa das Sombras riu alto, invocando um mundo negro e sombrio, vagamente discernível, para descer sobre a cena. No ápice da torre de madeira, uma luz tingida de azul e branco caía diretamente sobre o poço de selamento do dragão.
Sons estridentes ecoaram enquanto uma luz fraca brilhava nas correntes incrustadas nas antigas paredes do poço, tremendo violentamente.
A batalha entre Lumian e o dragão malévolo — ou melhor, o esforço de Lumian para acomodar a Cidade da Calamidade — era algo em que figuras de alto escalão como o Mestre Celestial não podiam intervir diretamente. Eles só podiam usar os selos preexistentes para restringir e enfraquecer o dragão malévolo.
…
No fundo do mar cor de sangue, os seis olhos do dragão malévolo fixaram-se em Lumian, e uma pressão avassaladora desceu sobre o mundo.
Lumian, agarrando-se à ideia de que “se eu puder persuadi-lo, posso economizar muito tempo, e não há nada a perder tentando”, sorriu e instigou o dragão malévolo: — Eu sei que você deseja a guerra, a destruição, a conquista de todas as coisas, e enviar aqueles que se recusam a se submeter para caos. Se você estiver disposto a se fundir com meu corpo, eu o levarei aos reinos mais elevados da guerra, onde as chamadas grandes existências se curvarão diante de você ou serão destruídas por você.
Enquanto Lumian falava, o rosto de Cheek se virou para a frente, ansiosa para acrescentar algo, para instigar algumas palavras. Infelizmente, ela não conseguia falar. O dragão malévolo encarou Lumian por vários segundos, e então as duas cabeças laterais falaram simultaneamente.
Uma voz era masculina e poderosa; a outra, suave e sedutora. As duas se sobrepunham, ressoando por todo o ambiente:
— O falcão não se curva ao pardal, e um verdadeiro dragão não obedece ao cão selvagem. Se você deseja reivindicar tudo isso, então venha e me derrote, me mate!
Ao ouvir essas palavras, Lumian sentiu uma onda de excitação repentina. O rosto de Alista Tudor também, cujos olhos se tornaram negros como ferro, se encheram de uma intensidade fervorosa. Lumian imediatamente levantou a mão direita e removeu a máscara de ouro escuro do rosto central em seu ombro esquerdo, revelando o rosto formado pelo vórtice caótico.
Ele riu alto e declarou: — Então vamos lutar!
…
No Mundo da Ruína.
Acima da névoa branco-acinzentada fora do continente ocidental, a lua vermelho-sangue continuou afastando as marionetes controladas por Klein e, ao mesmo tempo, suprimir a Colmeia com fúria implacável.
De repente, das profundezas da lua vermelho-sangue — onde o núcleo físico poderia residir — veio um som estranho: Tum! Tum! Tum!
Parecia o batimento cardíaco de um feto no útero de sua mãe. Antes mesmo de o feto nascer, seus batimentos cardíacos perfuraram o corpo da mãe, ecoando por todos os lugares iluminados pelo luar vermelho-sangue.
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