Capítulo 902 - A Plataforma

Combo 49/50

Antes que Lumian tivesse a chance de dormir por meio da Cogitação, sua visão de repente escureceu. Sua consciência parecia estar sendo puxada por uma força invisível, mergulhando direto nas profundezas da terra. Ele resistiu instintivamente por um momento, então teve a sensação de saltar de um fundo escuro do mar para a superfície.

Sua visão foi imediatamente iluminada por uma luz semelhante à do crepúsculo, brilhando através de um painel de vidro gigante dividido em inúmeros pequenos quadrados, trazendo luz limitada à escuridão.

Nessa luz fraca, Lumian viu uma locomotiva a vapor preta com duas lamparinas a óleo penduradas, uma plataforma abobadada e, na borda da plataforma, perto do trem a vapor, estava a Madame Mágica, com seu vestido creme com bordados dourados e chapéu de sol de aba larga.

Ao lado da Madame Mágica estava uma mulher com um vestido verde simples, com um golden retriever agachado a seus pés. Ao ver a moça de verde, Lumian sentiu surpresa e confusão. 

“Outra Demônia? O Clube de Tarô tem outras Demônias?”

— Ela é tão linda, — Lumian ouviu Franca sussurrar em admiração. — Mas ela não parece uma Demônia. Sua aura é diferente, a menos que ela já seja uma Sequência 3: Demônia Imperecível…

Ao ouvir isso, Lumian notou problemas semelhantes: a dama de verde tinha cabelos dourados brilhantes, parcialmente presos em um coque com o resto fluindo suavemente para baixo. Seus olhos esmeralda eram como as mais belas joias, mas profundos o suficiente para aparentemente refletir a consciência mais íntima de todos que os contemplavam. Suas feições eram excepcionalmente delicadas, sua beleza comparável à das Demônias, com um ar elegante tingido com a pureza e clareza de uma garota.

Tal aura era muito rara entre Demônias abaixo da Sequência 3 — pelo menos nem Lumian nem Franca tinham visto antes. Além disso, Lumian descobriu que olhar para essa mulher não invocava o desejo que ele normalmente sentia ao ver Demônias. Em vez disso, sentia uma sensação de paz, calor e firmeza. Esse sentimento familiar desencadeou a intuição espiritual de Lumian, evocando certas memórias.

Combinado com o que Madame Mágica havia dito antes, ele rapidamente chegou a uma conclusão. — Boa noite, Madame Justiça!

“A elegante mulher vestida de verde com um toque de feminilidade deve ser a carta dos Arcanos Maiores, Justiça, uma Psiquiatra!”

— Boa noite, Madame Justiça. — Anthony foi o segundo a falar.

Depois que Franca e Jenna cumprimentaram educadamente Madame Justiça, os olhos de Franca se arregalaram de repente.

Ela apontou para Lumian e disse: — C-como você voltou a ser homem?

“Hum…” Lumian se examinou reflexivamente e percebeu que não estava usando a capa preta, o inchaço em seu peito havia diminuído e sua camisa branca, colete preto e calças escuras serviam como antes.

Enquanto isso, Franca ainda estava usando sua blusa de renda florida e calças de montaria creme, com uma pequena jaqueta vermelha. Seu peito era proeminente e seu rabo de cavalo balançava suavemente — ela parecia uma Demônia.

Neste momento, Madame Justiça disse com uma risada suave: — Isso é entrar em um sonho verdadeiro, que é diferente de um sonho normal.

— Usar um Feitiço de Sonho faz com que o corpo se desmaterialize e entre diretamente no sonho. O que quer que você pareça na realidade é como você aparece no sonho. Sonhos normais dependem da percepção em tempo real — sua imagem de sonho pode ser seu eu atual, seu eu passado ou até mesmo um eu alterado. Mas em um sonho verdadeiro, se você puder manter a consciência, o que aparecerá será sua autopercepção subconsciente.

— Em outras palavras, o subconsciente do Sete de Paus ainda o considera masculino.

“Entendo…” Lumian sentiu uma mistura de alegria e decepção.

Franca deixou escapar: — Então e eu? Por que ainda estou…

De repente, ela fechou a boca, parecendo ter sido atingida por um raio, perdendo parte de sua alma.

Madame Justiça gentilmente a confortou, — Aceitar o presente não significa esquecer o passado. Enquanto você se lembrar de quem era seu eu passado e que tipo de vida esse eu viveu, reconciliar-se com seu corpo atual não fará com que você perca o controle. Os princípios de atuação da Seita das Demônias podem não servir para todos; depende da personalidade e das experiências de cada um.

— Lembre-se, todos são especiais.

Franca abriu a boca, mas não conseguiu falar, suas emoções ainda estavam um tanto desanimadas e baixas. Jenna silenciosamente estendeu a mão direita e agarrou a mão de Franca.

Mesmo que fosse Lumian pouco depois de chegar a Trier, ele não teria zombado de Franca por alegar ser um homem enquanto inconscientemente se considerava uma mulher. Muito menos agora. Ele voltou sua atenção para inspecionar a plataforma. Não era muito diferente de uma estação de trem a vapor típica, com um viaduto bem alto e escadas que levavam a diferentes plataformas.

Na beira do viaduto, uma figura alta se apoiava na grade, olhando para cá. Seu sobretudo preto tremulava levemente, e ele parecia estar usando luvas vermelhas.

Nas escadas que levavam a esta plataforma, a mulher no vestido sombrio e intrincado carregando quatro cabeças estava observando abertamente abaixo. Em contraste, no meio da escada para outra plataforma estava um garotinho com uma gravata borboleta cor de mercúrio. No final daquelas escadas, o Sr. Azik Eggers, que Lumian havia conhecido há pouco tempo, segurava seu chapéu na mão, observando silenciosamente a locomotiva a vapor preta.

Nas cadeiras de espera da plataforma do Sr. Azik Eggers estavam sentados o Cavaleiro de Espadas Maric e a semideusa da facção da temperança Sharron, de frente para Lumian e os outros, imóveis como marionetes trazidas para servir de audiência.

Lumian desviou o olhar e notou que o golden retriever ao lado de Madame Justiça usava óculos e carregava uma pequena bolsa marrom, parecendo muito gentil e estudioso. Lumian de repente se lembrou do cachorro e da figura feminina que viu depois de seu primeiro tratamento psicológico na Cafeteria Mason.

“Então essa era a Madame Justiça… É uma pena que Madame Susie não esteja participando dessa missão para o sonho do Sr. Tolo, caso contrário eu poderia agradecê-la pessoalmente…” Lumian voltou seu olhar com pesar para Madame Justiça e Madame Mágica.

A Madame Justiça sorriu para ele e disse: — Porque você realmente se tornou uma Demônia do Desespero, e seu subconsciente sabe disso, você pode alternar livremente entre sua autoimagem subconsciente e sua verdadeira aparência atual. Isso pode ajudá-lo a criar disfarces perfeitos no sonho e desempenhar um papel crucial em cenas-chave.

“Por que não posso fazer isso…” Franca lamentou silenciosamente.

Lumian assentiu com compreensão. — Mentira não consegue criar bons disfarces? Porque ele só pode atuar em um nível de Sequência 7, e a Sequência 6: Sem Rosto do caminho do Vidente é necessária para ajustar a aparência e o físico?

— Sim, Mentira no nível de Sequência 7 só pode modificar as aparências até certo ponto, equivalente às melhores técnicas de maquiagem, — Madame Justiça assentiu levemente, então virou a cabeça para o golden retriever ao lado dela. — Susie, você tem algo que queira dizer a eles?

“Susie…” As sobrancelhas de Lumian se contraíram quando ele de repente desviou o olhar para o golden retriever de óculos com a pequena bolsa.

O cachorro falou com uma voz familiar a ele: — O que preciso lhe dizer é que o Sr. Tolo é muito vigilante e cauteloso. Ele não confia facilmente nos outros.

Ao ouvir o golden retriever falar, todos, exceto Anthony e Ludwig, pareceram chocados e surpresos. Se o golden retriever não se chamasse “Susie”, Lumian certamente não ficaria tão surpreso com um animal falando a língua humana. Após um breve silêncio, Lumian ajustou sua mentalidade e disse sinceramente: — Obrigado pelo seu lembrete e também pelo seu tratamento anterior, Madame Susie. E obrigado também, Madame Justiça.

Depois de ver uma criança comendo olhos de diabo, o que há de tão estranho em um cachorro falante? Se fossem de Trier, isso nem seria incomum — talvez eles simplesmente gostassem de ser cães e encontrassem uma maneira de se transformar em cães!

Lumian então perguntou à Madame Mágica e à Madame Justiça: — Tenho mais uma pergunta. Qual é a identidade do Sr. Tolo no sonho?

Despertar o Sr. Tolo certamente exigiria interagir com ele no sonho!

A Madame Justiça e a Madame Mágica trocaram um olhar antes de produzirem um envelope amarelo-amarronzado amarrado com um fino barbante de algodão. — Isso contém informações sobre a identidade do sonho do Sr. Tolo, mas você só pode abri-lo depois de realmente ter entrado naquele sonho.

— Aqui também contém dinheiro, documentos de identidade e mapas preparados para você.

Lumian pegou o envelope e apontou para a locomotiva a vapor preta como ferro parada ao lado da plataforma deles. — Nós vamos nisso?

— Sim, depois que você embarcar, eu o farei viajar até a borda deste mundo dos sonhos. Você deve segurar firmemente suas moedas da sorte. Quando o trem chegar à borda do mundo dos sonhos, eles o ajudarão a entrar no sonho do Sr. Tolo. A primeira vez deve ser complicada, mas depois você poderá entrar e sair desse sonho normalmente usando as moedas da sorte, — explicou Madame Justiça brevemente.

Lumian olhou para Jenna, Franca, Anthony e Ludwig, depois acenou para os dois portadores das cartas dos Arcanos Maiores.

— Podemos embarcar agora.

A locomotiva a vapor preta não era diferente dos tipos comuns vistos em Trier. Lumian e os outros quatro ocupavam duas fileiras de assentos do mesmo lado, enquanto os outros passageiros ao redor deles eram sombras borradas e indistintas, como se o criador desse sonho tivesse sido preguiçoso demais para elaborá-las.

Pela janela, eles viram Madame Mágica, Madame Justiça e os outros acenando para eles. Enquanto acenavam instintivamente de volta, Lumian e os outros ouviram um som estridente: Tuuuuu!

Com o grito do apito, um barulho metálico começou, lento a princípio, depois acelerando, mudando de suave para frequente. O cenário do lado de fora da janela gradualmente recuou. A locomotiva a vapor preta como ferro que transportava Lumian, Franca, Jenna, Anthony e Ludwig deixou a plataforma, rumo a um horizonte distante envolto em névoa onírica.