Capítulo IV - Introdução ao Cultivo
Sentei-me na cadeira, após nossa breve conversa, ele havia me convidado a ir para o salão de chá, no pátio externo da propriedade, para podermos conversar melhor. Era uma sala bem decorada, com ornamentos nas colunas, vários vasos de flores, e mosaicos tradicionais nas paredes.
— Então, senhor Jiahao, explique melhor — falei, ao segurar a bela xícara de chá. O utensílio possuía o desenho de uma flor de lótus de um lado e uma tartaruga do outro.
— Muito bem. Parece que o meu filho já explicou alguns conceitos mais básicos. Agora irei me aprofundar mais neles. — Ele sorriu e colocou sua xícara na mesa de centro. — Cultivar é o ato de transformar seu próprio corpo. Mediante uma série de técnicas, o cultivador aprende a manipular a sua própria essência bruta e transformá-la em Qi.
— Não parece nada mais até agora — disse, nada impressionado, eu esperava mais do que aquela explicação.
— Preste atenção garoto, esta é a parte importante. No corpo o Qi circula pelos meridianos e se concentra nos Dantian, localizados no eixo do corpo. Eles são o centro de fluxo e concentração de Qi no corpo, e o mais importante deles é o Dantian Inferior, é nesse local onde está localizado o “Núcleo Dourado”.
— Núcleo Dourado? — perguntei, agora sim intrigado.
— O nome é um tanto avançado para alguém que sequer sente Qi, mas é bom que entenda o princípio. — Jiahao entrelaçou os dedos sobre o colo, assumindo um tom mais sério. — O Núcleo Dourado não existe desde o início. Ele é uma condensação do Qi refinado, formado após a conclusão de estágios fundamentais. Ele representa o início da verdadeira imortalidade.
— E todos os cultivadores conseguem isso?
— Não. Muitos jamais passam dos primeiros reinos para possuírem um Núcleo Dourado. E menos ainda sobrevivem à tentativa de formar um. — Ele fez uma pausa. — O processo exige um corpo temperado, um espírito resoluto e um talento considerável. Ou então, uma quantidade obscena de recursos.
— Recursos? Sinto que você não se refere apenas a dinheiro.
— Dinheiro, conexões, pílulas, alquimia, artefatos raros, técnicas herdadas. Tudo isso pode compensar a falta de talento. Mas há um limite. Um tolo com um tesouro ainda é um tolo — disse ele, tomando mais um gole de chá.
— E como se deixa de ser um tolo? — Ele havia capturado minha curiosidade com àquela explicação.
— Primeiro, você deve começar com a percepção natural do Qi. Enquanto não sentir o fluxo do Qi, não poderá cultivá-lo.
— Tá, e como faço isso?
— O método natural ou o método rápido? — Havia um leve tom de ironia em sua voz.
— O rápido, eu tenho pressa.
— Bem, então volte amanhã. Terei que preparar o ritual de indução, vai custa uma moeda de ouro.
Eu ri da oferta dele.
— Então é isso? Acho justo, negócios são negócios.
— Não faria isso de graça para ninguém. — Ele também riu.
— Agora me explique uma coisa, o que você quis dizer quando afirmou estar décima quarta camada do segundo reino? — questionei, ao tomar o último gole do chá.
— Boa pergunta. — Jiahao pousou a xícara na mesa com cuidado, como se cada gesto seu obedecesse um protocolo interno. — O cultivo é dividido em reinos, e cada reino possui camadas. Pense como se fossem degraus de uma escada. Um reino representa um patamar rumo ao ápice, enquanto as camadas são o refinamento e a estabilidade dentro daquele patamar.
— Quantos reinos existem? — perguntei, franzindo o cenho.
— Ao todo existem dez reinos, e cada um deles possuí vinte camadas.
— Dez reinos? E você está no segundo? — Isso significava que nesse mundo, o homem na minha frente era alguém muito fraco quando comparado ao ápice.
Ele sorriu, com certo orgulho.
— Estamos no mais inferior dos quatro planos, um simples cultivador ascender para o segundo reino é raro. Ainda mais chegar ao terceiro reino, e conseguir formar seu próprio núcleo dourado.
— Você só está me inundando de conceitos e mais conceitos, e quer que eu os absorva em um único dia. — Suspirei, um tanto já irritado. — Quer saber? Vamos falar disso amanhã, ainda tenho muitas coisas a resolver na cidade antes de focar em tentar obter um novo poder.
— Como quiser, irei fazer os preparativos para amanhã. Chegue cedo, e talvez consiga atingir a primeira camada no mesmo dia que eu abrir seus meridianos.
— Farei isso.
Saí da Livraria Wen Qishu, e pude sentir o senhor Jiahao me observar enquanto eu desaparecia na multidão que começava a se aglomerar na avenida. E me afastei novamente em direção ao porto.
Eu podia sentir alguém que me seguia nas sombras, era alguém bem experiente, mas um tanto desleixado. Decidi ignorar a sensação, já que, seja lá quem fosse, não iria demorar muito para eu descobrir.
Assim que chegamos nas docas, Lefkó resmungou por debaixo do meu casaco:
— Detesto ter que ficar calada.
— É melhor assim. Não quero ter que explicar por que ando com uma cobra falante — respondi, seco.
— Cobra falante? É assim que você me vê? — Ela me lançou um olhar ofendido.
— Não. Mas é assim que eles veriam você — suspirei. Tive que me conter para não começar uma discussão inútil. — Enfim, o que era tão urgente?
— Eu consigo sentir o Qi.
— Que ótimo — revirei os olhos. — Vai esfregar isso na minha cara agora?
Ela apertou meu pescoço.
— Seu ingrato!
— Ei! Solta! Eu… não consigo respirar! — gritei, lutando para soltá-la.
Dei um berro tão alto que, por um instante, achei que chamaria a atenção de toda a avenida. Mas ninguém sequer virou o rosto. Estavam todos concentrados em outra comoção, próxima às docas. Um grupo se reunia ao redor de algo que estava sendo retirado do mar.
— O que está acontecendo ali? — Lefkó estreitou os olhos, curiosa com a aglomeração.
— Você quase me matou, é isso que está acontecendo! — retruquei, sem prestar atenção neles de primeiro momento, e segurei firme a cabeça dela.
— Foi sem querer…
— Sem querer? Essa é sua desculpa? Olha que posso te esmagar aqui mesmo!
— Você não ousaria — disse ela, com a voz venenosa. — Ficaria sem sua guia confiável.
— E desde quando você é confiável?
Ela mordeu meu dedo.
— Maldita! — puxei a mão de volta, e sacudi os dedos.
Lefkó se envolveu novamente em torno do meu pescoço.
— Mereceu — respondeu, com a língua bifurcada projetada num gesto de desdém. — Vamos parar de brigar, que tal? Vamos ver o que aconteceu ali!
— Você que começou — rebati, ao me dirigir até o murmurinho.
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