Dois deles vieram direto contra mim, eram um pouco menores que eu, e muito mais rápidos do que eu esperava. Precisei de esforço real para esquivar dos primeiros golpes. Saltei para trás, e tentei ganhar alguma distância para avaliar melhor o ritmo deles.

    O primeiro agarrou meu braço com firmeza, enquanto o segundo veio com um soco direto ao meu estômago. Girei o corpo no sentido contrário ao da investida, e bloquei o golpe com um chute lateral. O rapaz cambaleou para trás, atordoado pelo impacto. Aproveitei a abertura e acertei uma cotovelada certeira no rosto do que me segurava. O som do golpe se misturou com seu gemido de dor, e ele caiu para o lado com o nariz fraturado e ensanguentado.

    — O que vocês achavam que ia acontecer? — questionei, ainda sem sofrer um único arranhão na luta.

    Foi então que o líder deles, um tal de Hai Zi, avançou alguns passos. Não sorria. Não demonstrava raiva. Apenas observava com uma frieza apática.

    — Para alguém sem Qi, até que você luta bem — comentou.

    Vi sua mão brilhar com uma luz tênue. Pisquei, sem compreender de imediato. Atrás de mim, Lingxin lutava contra um brutamontes duas vezes maior. Ainda assim, ele se movia com impressionante leveza no espaço apertado do beco, conseguia desviar com precisão e desferir contra-ataques bem colocados.

    — Cuidado! — gritou ele.

    — Com o quê? — questionei ao aviso, sem tirar os olhos de Hai Zi.

    Hai Zi apenas simulou um soco no ar. E, de repente, senti um golpe invisível no meu estômago.

    — Uai… — exclamei, sem entender o que acabara de acontecer.

    A pancada não foi forte o suficiente para me derrubar, mas o fato de não haver origem visível já era motivo suficiente para me manter em alerta.

    — Ainda de pé? — ele perguntou, desconfiado.

    — Vai precisar de mais do que truques baratos pra me derrubar — respondi, confiante. Se aquilo era o melhor que tinham, então não havia motivo para preocupação.

    Mas foi minha confiança que me traiu. Por um instante, baixei a guarda, e me esqueci dos dois que havia enfrentado antes. Um deles, o mesmo que eu havia chutado momentos atrás, surgiu pelas minhas costas e me agarrou com força.

    Fiquei momentaneamente preso. Apesar de franzino, o sujeito era mais forte do que parecia, mais forte até do que muitos oponentes que já enfrentei. Sem conseguir me soltar, inclinei o corpo com todo o peso para frente. O movimento foi eficaz: ele perdeu o equilíbrio, voou por cima de mim e caiu com um baque surdo, de costas no chão.

    — Até que você é forte — provoquei, após me soltar.

    Mais uma vez, fui descuidado. Baixei a guarda novamente,  e fiquei suscetível a um ataque nas costas. Senti uma pontada aguda, bem na altura da coluna. Virei-me instintivamente e encarei o outro, o do nariz quebrado, com os olhos arregalados de medo. Ele tremia, e encarava uma pequena adaga cuja lâmina estava quebrada.

    — Sério? Você tentou me esfaquear? — perguntei, surpreso mais com a ousadia do que com o golpe. — Ainda não percebeu o quão inútil isso é?

    Levantei o braço e desferi um gancho de direita. Infelizmente para mim, ele conseguiu levantar a guarda a tempo e bloquear o impacto. Mas eu não tinha terminado.

    — Esse uniforme foi confeccionado com escamas de boitatá. — Sorri, e abri os braços em uma demonstração de superioridade. — Você realmente achou que uma adaguinha ia me ferir? Você é inútil!

    Minha sequência começou implacável. Um soco atrás do outro, sem pausa, sem brecha. Ele tentava se proteger, levantava os braços com desespero, mas minha força e ritmo quebraram sua guarda rapidamente. Por fim, um direto no rosto o lançou contra a parede do beco. Ele ricocheteou e caiu ao lado de Lingxin, que ainda enfrentava o brutamontes em um duelo feroz.

    Os dois pararam momentaneamente o combate, e olharam para o rapaz caído, com o rosto todo sujo de sangue.

    — Ossos do ofício — zombei.

    O quarto integrante, que até então observava a luta de Lingxin, decidiu entrar na luta, e veio direto contra mim como um touro desgovernado. Coloquei os braços em forma de cruz na frente do meu corpo. O impacto do golpe me empurrou para trás, mas consegui me manter de pé.

    Senti uma presença atrás de mim, o mesmo sujeito de antes tentava me agarrar novamente. Reagi primeiro. Me movi rápido para o lado, ele tropeçou no vazio. Sem hesitar, eu aproveitei a brecha: agarrei-o pelo pescoço e esmaguei sua cabeça contra a parede. O impacto foi mais violento do que pensei, e abriu um buraco nos tijolos.

    Me virei para o próximo adversário. Ele hesitava, atônito com o que acabara de presenciar. Avancei. Um chute direto no joelho o fez girar desequilibrado, e um único soco no queixo bastou para derrubá-lo, inconsciente.

    Agora restavam apenas dois: o líder, Hai Zi, e o brutamontes que ainda duelava com Lingxin. Eu não interferiria naquela luta dos dois, então mudei minha atenção para Hai Zi.

    Ele continuava parado, imóvel, sempre me observava com uma apatia não natural.

    — Para alguém sem Qi, você luta muito bem — comentou, e aproximou-se.

    As mãos dele brilhavam com uma luz estranha. Havia um truque ali.

    — Morra! — Ele avançou com fúria, e as mãos dele brilharam mais.

    Bloqueei o primeiro golpe com a palma e desloquei o segundo com o cotovelo. Foi quando senti uma pontada aguda no estômago. Travei a respiração, confuso, e olhei para baixo. Um frio cortante percorreu meu corpo, contrastando com o calor do sangue escorrendo.

    Uma faca cintilante estava cravada no lado direito do meu abdômen.

    “Impossível.”

    Meu primeiro pensamento foi de negação. Nada deveria conseguir perfurar meu uniforme. Mas lá estava ela. Olhei com mais atenção, o tecido estava intacto, sem cortes, sem danos. A lâmina brilhava com a mesma energia das mãos de Hai Zi, e atravessava o tecido como se não houvesse barreira alguma. E eu a sentia.

    Empurrei Hai Zi com força. Ele cambaleou para trás, e soltou o cabo da adaga ainda presa ao meu corpo. Levei a mão até o ferimento e puxei a lâmina. O uniforme, como suspeitei no princípio, seguia intacto. Aquilo era mais do que uma arma física, era alguma técnica secreta. Um ataque que ignorava a armadura adversária, e atacava diretamente a carne embaixo dela.

    — Em todos esses anos… é a primeira vez que isso me acontece — murmurei, a visão turva.

    Segurei a adaga. Agora, sem o brilho, ela parecia tão comum. Eu não entendia como funcionara, porém, não importava. Quem me feriu assim não podia continuar vivo.

    Ergui a lâmina e parti para o ataque. Peguei Hai Zi desprevenido. Ele mal teve tempo de reagir antes que eu enfiasse a adaga por debaixo do seu queixo. Ele caiu com os olhos inexpressivos como de uma boneca no chão. Eu achava que ele não tinha chance contra mim, provou-se uma amarga consequência da minha arrogância.

    Abri o casaco, e levantei a camisa, totalmente ensanguentada. Não queria acreditar, porém, era verdade. Sentei-me no chão, e apoie minhas costas na parede. Respirei fundo, e me preparei para sacar o baralho.

    — Uma aposta é uma aposta — falou Lefkó, ao aparecer ao meu lado.

    Ela estava certa, eu tinha apostado, agora era hora de sofrer as consequências.

    — Não estrague tudo… — respondi, antes de desmaiar no chão frio do beco.

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