Acordei com um balanço de Jiahao.

    — Thomas? Você dormiu? — questionou-me ele incrédulo.

    Abri os olhos, ainda um tanto sonolento. Senti o sol da manhã no meu rosto, o cheiro do orvalho matinal impregnado no meu casaco.

    — Talvez? — respondi com um bocejo.

    — Você dormiu sentado? Sério?

    — Não subestime minha técnica de dormir, é difícil de dominar — respondi ao me levantar e alongar meus braços. — Eu fazia muito isso quando viajava de elefante durante a guerra.

    Jiahao passou a mão no rosto, frustrado com a minha falta de disciplina.

    — A pílula não vai funcionar direito se você dorme no meio do processo.

    — Então vamos desistir disso tudo, meditar é um saco, não tem outra técnica melhor? — Outro bocejo escapou, mais longo que o anterior.

    Ele permaneceu em silêncio por um instante, olhando para mim como se ponderasse algo sério demais para se dizer em voz alta. Então, suspirou, sem tirar a mão da testa.

    — Posso forçar a abertura dos seus meridianos. Mas vai doer. Muito. E se o seu corpo não estiver pronto… pode colapsar. Sangue pelos olhos, convulsões, talvez falência de órgãos.

    — Eu aguento sem nenhum problema — retruquei, debochado.

    — Se o seu corpo não estiver preparado, você vai morrer.

    — Apenas faça.

    Jiahao me encarou por um longo tempo. E finalmente, ele assentiu com a cabeça, e concordou em forçar meus meridianos.

    — Muito bem. Tire a camisa. Sente-se com as costas voltadas para mim.

    Ergui uma sobrancelha, desconfiado.

    — Que tipo de método é esse?

    — Vou canalizar meu Qi através da palma da mão e forçar a abertura dos seus meridianos principais. É uma técnica direta, mas arriscada.

    — Por ora… vou confiar em você.

    Retirei o casaco, depois a camisa, dobrando ambas e deixando sobre uma rocha próxima. Permaneci sentado, numa respiração controlada, para acalmar a mente.

    Senti a mão de Jiahao tocar a base do meu pescoço. Era quente como uma pedra deixada ao sol por horas. O calor espalhou-se lentamente por minha nuca e ombros, desconfortável, mas não insuportável.

    Esperei.

    Nada além da pressão daquela mão firme e calorosa.

    Mais segundos se passaram. Depois um minuto.

    — Não está doendo? — indagou ele, um tanto confuso sobre a minha falta de reação.

    — Não sinto nada.

    — Como assim? Nada? — Jiahao retirou sua mão.

    Virei me para trás, e observei seus olhos arregalados.

    — Vamos tentar de novo — disse ele, a voz um tanto fraca.

    — Certo… — murmurei, e fechei os olhos novamente.

    Ele colocou a mão novamente nas minhas costas.

    Não houve mudança.

    — Não entendo. No mínimo, você deveria sentir o Qi fluir pelos seus meridianos. — Jiahao encarou sua mão, ela brilhava com uma pequena luz amarelada.

    — E então? Qual é o diagnóstico final? — Me levantei, e coloquei a camisa de volta.

    — Deixe-me tentar uma coisa. — Ele respirou fundo e se colocou em posição de luta. 

    Imediatamente senti uma mudança na atmosfera. O ar ficou mais denso, e a brisa aumentou, os longos cabelos dele começaram a balançar. Sua pele foi tomada um leve brilho, como se refletisse a luz do sol.

    Ele levantou o punho, e começou a fazer um lento movimento de soco. A liberação de energia foi intensa. O punho de Jiahao avançou lentamente pelo ar, mas a energia ao redor reagiu como se ele tivesse desferido um golpe devastador. A pressão empurrou as folhas do chão, agitou os galhos das árvores e criou ondas na superfície do riacho.

    Porém, eu me mantive imóvel.

    — Como se sente? — Ele levantou o outro punho, pronto para repetir o movimento.

    — Com fome.

    Ele ignorou meu comentário, e preparou seu segundo golpe. Consegui sentir no ar que a força foi diferente, mais forte, mais densa. Tão intensa que os galhos das árvores balançavam com a brisa, e as folhas caídas começaram a girar ao redor de Jiahao em espirais, como se orbitassem um pequeno vórtice.

    O som causado pelo golpe no ar foi seco e alto, como o rugido de um trovão. A cachoeira pareceu hesitar em seu fluxo, e por um instante, a água foi lançada em diversas direções. A rocha onde eu estava em pé se partiu ao meio com um estalo seco.

    E ainda assim, não senti dor. Nem mesmo um desconforto.

    Firmei os pés. Um pouco da poeira levantada caiu sobre meus ombros, mas só isso.

    — Tenho que admitir — falei ao coçar a cabeça, ao observar o ambiente lentamente se acalmar. — Isso é bastante impressionante.

    Jiahao me encarava fixamente. Eu conseguia sentir a dúvida no brilho dos seus olhos, a hesitação no franzir de sua testa, o medo contido que se revelava em pequenos tremores nos dedos. Mas ele não disse nada. Apenas se manteve imóvel, ainda em posição de combate.

    Então, fechou os olhos, juntou as palmas das mãos e começou a entoar um cântico baixo, profundo, inaudível para os meus ouvidos blasfemos.

    Pisquei para confirmar minha visão, duas vezes. Esfreguei os olhos, eu não estava louco. Eu podia ver dois Jiahao à minha frente agora.

    O primeiro, imóvel, de olhos fechados e mãos unidas.

    O segundo, a poucos metros, me encarava com uma expressão assassina e segurava um bastão de madeira nas mãos.

    O tempo desacelerou. Tudo aconteceu em uma fração congelada de segundo.

    O segundo Jiahao avançou.

    Por puro reflexo, ergui o braço esquerdo e segurei o bastão antes que ele me atingisse. Ao mesmo tempo, já preparava um gancho de direita. Ele arregalou os olhos, surpreso com a minha reação, e saltou para trás.

    Jiahao abriu a boca, perplexo com a minha velocidade. E pulou para trás para desviar do meu golpe.

    — Como…? — Ele recuou dois passos, as palavras sem confiança. — Você não deveria me ver. Pelo menos, não ainda.

    O outro Jiahao, o que entoava os cânticos, havia desaparecido no ar no mesmo instante que o segundo Jiahao me atacou com o bastão.

    — Técnica interessante. Qual o nome? — perguntei. Técnicas secretas sempre me despertavam a curiosidade.

    — É uma técnica básica para cultivadores do Segundo Reino. — Ele parecia incomodado em dizer aquilo. — Duplicar o seu corpo por meio de uma ilusão. Uma miragem.

    Se aquilo fosse verdade, então armas de fogo seriam inúteis contra os cultivadores de Daolong. Com essa técnica, eles desviariam facilmente dos nossos projéteis. A ideia me incomodava, mas eu precisava confirmar. Precisava de mais informações.

    — Como funciona exatamente? — Comecei a minha rodada de perguntas. — Antes do ataque, notei que você fez um movimento estranho com as mãos. Uma espécie de gesto ritual.

    — Isso mesmo, essa técnica requer recitação oral para funcionar adequadamente.

    Isso me tranquilizou um pouco. Se eu acertasse o gatilho antes da recitação dos cânticos sagrados, meu inimigo não teria chance contra mim.

    Mas Jiahao mudou rapidamente o seu tom. Seu semblante ficou sério, como se estivesse se preparando para um interrogatório.

    — Agora, eu tenho perguntas para você. — Ele cruzou os braços, os olhos cravados em mim. — Quem é você? De verdade?

    — Apenas um viajante — respondi ao dar de ombros. — Um viajante curioso para aprender melhor sobre o mundo.

    — Não. — Ele balançou a cabeça lentamente. — Sua resposta não é o bastante. Você é incapaz de cultivar, pelo menos até a abertura dos seus meridianos. E sem uma abertura dos meridianos, é impossível refinar seu dantian. Mas mesmo assim, você foi capaz de suportar meus golpes.

    — Legal.

    — Legal? Essa é a sua resposta? — Ele bufou, impaciente. — Siga-me, temos um teste a fazer.

    — Antes quero um café da manhã decente.

    — Um cultivador não cede aos desejos humanos, um cultivador… — Jiahao preparou-se para um discurso.

    — Não sou um cultivador — interrompi, ao caminhar até a minha mochila e procurar pelas minhas barras de cereais.

    Ele balançou a cabeça, descontente, e ficou em silêncio.

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