Capítulo XIV - Câmara Subterrânea
Eu estava no grande salão no interior do templo. Estátuas despedaçadas cobriam o chão, e o teto era sustentado por antigas colunas de pedra, rachadas em diversos pontos, como se a estrutura estivesse a um passo do colapso.
No centro do salão, havia uma abertura no chão. Através dela, uma tênue fresta de luz revelava o que parecia ser um caminho abaixo. A escadaria era ampla, talhada diretamente na rocha, e conduzia a um corredor subterrâneo mergulhado na penumbra.
Desci os degraus com cautela, o ar tornar-se mais frio e úmido, e uma brisa gelada percorria o corredor. As paredes estavam cobertas por símbolos e gravuras coloridas, a maioria apagada pelo tempo, engolida pelo mofo e pelas raízes. A primeira vista, não demonstrei interesse nelas, até que uma em particular chamou minha atenção.
Ela retratava um jovem sentado à beira de um lago, segurando uma grande esfera azulada e luminosa. Seus olhos estavam fechados, em meditação serena. Atrás dele, o sol irradiava luz sobre as águas calmas, enquanto, ao longe, uma tempestade se aproximava, carregada de trovões.
Na gravura seguinte, o mesmo jovem enfrentava múltiplos adversários. A esfera agora flutuava diante dele, e emitia um brilho tão intenso que cegava seus oponentes, representados em posturas de desespero.
Continuei adiante, porém não consegui levar a história adiante. Os painéis seguintes estavam quase todos destruídos pelo tempo. Suas formas estavam distorcidas, apagadas, irreconhecíveis. Somente o último deles havia sobrevido, embora de forma bem decrépita.
Ali, o jovem havia envelhecido. Um senhor de aparência serena, ainda segurava a esfera brilhante. Sentado em um trono esculpido no topo de uma escadaria cerimonial, acariciava a cabeça de um tigre branco que repousava ao seu lado. Acima dele, um dragão chinês dourado voava em círculos.
Virei-me em direção à saída, convencido de que os raios que atravessavam a escuridão vinham do sol.
Eu estava enganado.
Adentrei uma imensa câmara subterrânea. O teto se perdia na escuridão, elevado a dezenas de metros acima de mim. E foi lá, no alto, que percebi a verdadeira fonte da luz: uma esfera flutuante, envolta por uma intensa luminosidade dourada, irradiando calor e brilho como um pequeno sol preso entre as rochas.
Fiquei paralisado por um instante, impressionado. Ela estava tão distante, inalcançável para qualquer humano.
Meus olhos percorreram então o interior da câmara. Vegetação densa brotava pelas paredes, trepadeiras e flores coloridas que desafiavam a escuridão do subsolo. Um lago de águas paradas dominava quase toda a extensão do local, suas margens borradas por lama e raízes.
Do outro lado, uma pequena passagem esculpida na rocha parecia indicar a saída. Para alcançá-la, havia apenas um caminho: uma estreita faixa de pedra de formação hexagonal, como se tivesse surgido naturalmente do fundo do lago.
Andava com cautela, já que o caminho era estreito, e eu não queria cair na água. Era uma água suja, barrenta, e eu não tinha a mínima ideia de quão fundo aquilo era.
Eu estava no meio do caminho, quando percebi a água se mover. Uma pequena onda que se espalhou pela superfície do lago.
Era o que eu temia, havia algo escondido por debaixo daquela água barrenta.
Apressei o passo, a mão no bolso em busca da carta adequada para a situação.
Antes que eu pudesse agir, um imenso tentáculo surgiu da água. O membro gigante avançou contra minhas costas.
Me joguei no chão num movimento instintivo, e deslizei sobre a pedra úmida. O golpe passou por cima de mim como um chicote gigante, e deslocou o ar com um zumbido. Olhei para trás, apenas para ver um segundo tentáculo que se aproximava pela lateral. Não tive tempo para pensar, apenas me levantei de um salto e corri o mais rápido que pude pela trilha estreita de pedra.
Mais tentáculos surgiram, eles chicoteavam o ar e espirravam água em todas as direções. Eram enormes, viscosos, e qualquer um deles poderia me esmagar com facilidade.
Eu não tinha tempo para procurar uma carta, então peguei uma delas aleatoriamente, com a esperança de encontrar alguma útil para aquela situação.
Dois tentáculos avançaram ao mesmo tempo, cruzando o ar como guilhotinas. Não havia escapatória.
Olhei para a minha mão, eu não tinha escolha, tinha que ser aquela carta.
— Oito de Paus! — gritei, sem hesitar.
Imediatamente, algo dentro de mim se partiu. Meu corpo dissolveu-se em um turbilhão de luzes. Eu já não era humano, não exatamente. Minha forma física desapareceu, foi substituída por uma silhueta translúcida composta por centenas de vaga-lumes dourados, que pulsavam em harmonia.
Os tentáculos atravessaram meu corpo espectral, sem encontrar resistência. Nada além de vento e brilho.
Eu já não corria sobre a trilha de pedra. Eu flutuava, meu corpo não encontrava mais o obstáculo da gravidade.
Levei a mão ao ombro, e foi então que percebi. Lefkó já não estava comigo.
Ela se debatia lá embaixo, na agitada água escura, sem conseguir nadar de volta para a superfície.
— Thomas! Não me abandone aqui! — gritou ela, enquanto serpenteava na água agitada.
Encarei a minha mão, não era uma mão humana, era apenas uma silhueta, formada por uma centena de vaga-lumes brilhantes.
‘Oito de paus’, a carta que contém o poder uma vez chamado de “Vaga-Lumes da Perdição”, uma carta poderosa que facilmente poderia ser incluída nos arcanos maiores.
Estendi uma mão em direção ao lago. Centenas de insetos-luz desprenderam-se de mim, e avançaram em enxame contra o tentáculo mais próximo, aquele que ameaçava Lefkó.
O impacto foi imediato. Uma explosão de luz atravessou a câmara subterrânea, e o tentáculo se partiu em mil pedaços. A carne voou pelos ares e caiu como uma chuva sobre toda a caverna.
Deixei escapar um leve sorriso, apenas para ser quebrado pelo meu excesso de confiança. Abri a boca, espantado pela visão.
Uma silhueta emergiu da água.
Para a minha surpresa, não era um polvo, não era uma lula ou qualquer outro cefalópode.
Era uma figura humanoide, parcialmente coberta por algas. Sua pele era azulada, com textura semelhante à de anfíbios, com longos cabelos negros que ocultavam o rosto. Os inúmeros tentáculos serpenteavam ao redor de seu corpo, e não estavam diretamente conectados a silhueta. Flutuavam como se fossem extensões de sua vontade.
A criatura virou seu rosto para mim, e emitiu um grande grito agudo que fez a caverna inteira tremer.
— Que merda é essa? — gritei para Lefkó, que ainda lutava contra a água.
— É um humano! — Ela quase engasgava com a água.
Balancei o braço, e enviei uma centena de vaga-lumes contra a criatura. A silhueta rapidamente emergiu para debaixo da água, e escapou da onda de choque da explosão.
Percebi então, que seria impossível a atingir na água com o poder daquela carta. Eu tinha que forjar um outro plano. Minha mente pensava em mil e uma soluções, e eu descartava a todas em sequência. Até que minha linha de raciocino foi cortada.
— Thomas! Seu ingrato! Me ajuda! — gritava Lefkó, ao começar a ser envolvida pelos tentáculos.
Aquilo acabou sendo útil. E foi nesse instante que a ideia certa finalmente surgiu.
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