Capítulo XXIV (24) - Inesperado
— Você está bem? — questionou-me Lingxin, a sinceridade no olhar.
Sorri, um pouco de sangue escorreu pela minha boca.
— Nada que Lefkó não possa consertar, não se preocupe. — Coloquei minha mão sobre o ombro dele, e dei um leve tapinha. — Apenas vença sua luta, tudo bem?
Ele assentiu, e caminhou até o centro da arena, onde um confiante Hua Yuling Renyan se posicionava na arena. Demonstrava uma atitude arrogante, como se a luta já fosse ganha. A plateia, que mal havia se recuperado do meu duelo, voltou a se inflamar em gritos e apostas.
Enquanto eu ia para o lado de fora, pronto para pegar um barco de volta para o continente, eu sentia o olhar suspeito dos guardas. Eles demonstravam uma atenção anormal para mim, era um peso meio desconfortável.
O comportamento deles me acendeu um alerta vermelho. Apesar de Hua Yuling Kai afirmar minha liberdade com o duelo, parecia que seus guardas estavam prontos para me prender a qualquer instante.
Estava pronto para ir embora. Atrás de mim, ouvi o juiz autorizar o início do duelo, não dei importância. O resultado daquela luta não tinha qualquer impacto direto na minha missão.
A verdade é que eu estava enganado. Aquilo mudaria tudo…
Primeiro veio o silêncio.
Um silêncio denso, toda a arena prendeu a respiração ao mesmo tempo. E então, os gritos explodiram, em um rugido coletivo de euforia. Algo espetacular havia acontecido.
Eu deveria olhar?
Devagar, virei o pescoço e, antes de tudo, olhei para os assentos de luxo. E logo percebi o olhar preocupado de Mei.unto com uma pequena lágrima que escorria pela sua maquiagem branca. Jiahao colocou a mão na cabeça, e um rosto preocupado difícil de esconder. Quanto a Song, seu queixo só não caiu porque ainda estava preso ao resto do corpo.
A cena diante de mim era clara: a luta terminara antes dos dez segundos.
Renyan flutuava no ar, a mão direita estendida, aberta, voltada para Lingxin.
Lingxin ainda estava de pé, todavia o chão sob ele era uma poça de sangue. Cambaleou, sem forças, e tombou logo em seguida.
— Golpe da Palma Verdadeira do Dragão… — comentou um dos guardas da família Hua Yuling, ao aproximar-se de mim. — Uma técnica secreta da nossa seita.
Virei-me, sem olhar novamente para o corpo de Lingxin. A multidão ainda vibrava, embriagada pela demonstração de poder.
— Como se importasse com o nome de uma coisa patética dessas — murmurei de volta, e retomei o caminho para a saída.
Era um tanto triste. O garoto parecia ser gentil, todavia, burrice mata.
Lingxin não soube esperar a hora de desafiar um oponente muito mais forte do que ele. Pagou o preço com sangue.
Sou um homem simples, não sinto pena de pessoas burras.
Continuei meu caminho, um pouco cabisbaixo, mas logo recuperei minha compostura. Eu tinha que ter foco, não podia resolver os problemas alheios. Meu acordo com Jiahao havia se encerrado, eu o paguei, e ele me ensinou sobre o básico de Daolong.
Os olhos dos guardas continuavam a me seguir, eu tentava pensar em outras coisas, e afastar a sensação de problema que parecia me estrangular. Era difícil.
Cheguei no portão, pronto para sair. Um pequeno corredor, no qual haviam dois guardas na minha frente, e dois atrás.
Guardas? Eles não pareciam muito com guardas.
As roupas denunciavam outra coisa. Vestiam longas túnicas amarelas, próprias dos cultivadores da seita Hua Yuling. Possuíam uma aparência senil, barbas grisalhas, olhos fundos e um ar de autoridade que dispensava apresentação.
— Senhor Nasha Lyu… — O ancião na minha frente dirigiu-se a mim.
— É Nyrzyr! — respondi, com ênfase em cada sílaba. — Meu nome é Thomas Nyrzyr. Nem é tão difícil, vocês não são o Cebolinha.
— Venha conosco, por favor. — Um deles, atrás de mim, colocou a mão no meu ombro.
Não era um bom sinal. Alguma coisa acontecera nos bastidores. Eu tinha que sair da ilha o mais rápido possível.
— O senhor Kai disse que eu estava liberado para partir.
— Sua acusação de homicídio foi retirada — o ancião confirmou. — Mas não é por isso que pedimos sua presença.
— Pois bem. — Girei o ombro e afastei a mão que me tocara. — Não tenho mais nada a tratar.
— O senhor está sendo preso por falsificação de moedas. — Um terceiro aproximou-se; a voz dele não tentava disfarçar a hostilidade.
— Falsificação? Isso é um mal-entendido.
Argumentei sem esperança, estava claro que eles não me deixariam sair. Eu só queria ganhar um pouco de tempo para pensar em alguma coisa, meu grande medo era de não ter tempo de reagir para sacar uma carta.
— Jiahao nos contou tudo. — Um dos anciãos tentou pousar a mão em meu casaco de novo.
Segurei o pulso dele com firmeza e empurrei para longe.
— Mantenha suas mãos longe de mim. — A voz saiu seca.
Jiahao? Então era ele? Não era tanta loucura assim imaginar que ele faria isso. Colocar Hai Zi para tentar me roubar, e como deu errado, Lingxin saiu como herói da história, e aumentar minha confiança nele.
Mas por que me ensinar cultivo? Na verdade, será que ele tentou, de fato, me ensinar algo? Minha incapacidade de cultivar era real ou apenas uma desculpa dele? Talvez nunca tenha passado de um teste, ou uma armadilha. Talvez ele acreditasse que eu morreria para o tigre, e me enviou para lá só para ver se eu servia a algum propósito.
Soltei um longo suspiro, ainda não era o momento de pensar naquilo. Eu tinha que sair daquela situação, pegar as minhas coisas, e embarcar no navio para o Mar do Dragão.
— Não tente resistir — falaram eles.
Sorri debochado para eles. Eu iria aproveitar cada momento da adrenalina viciante que eu iria obter com aquela luta.
— Lefkó! — gritei, ao abrir a parte de cima do meu casaco.
A cobra saltou tão rápido, que não deu tempo de resposta para eles. Ela se enrolou no pescoço dele, e mordeu sua jugular. O alvoroço criou uma abertura na formação deles. Aproveitei o instante. Girei o corpo e empurrei dois anciãos para o lado, para me dar espaço para fuga.
O quarto reagiu com um soco embainhado por uma luz azulada; antes que o punho atingisse meu rosto, seu braço ficou rígido no ar. Lefkó, rápida, havia subido em seu corpo e enrolado em seu braço. Sem hesitar, chutei-o nas partes baixas. Ele caiu; com a mão esquerda sobre a virilha.
Levantei a mão para Lefkó subir nas minhas costas; a cobra agarrou-se e escorregou para dentro do casaco. E comecei a correr sem destino.
Agora eu tinha que encontrar uma saída daquela ilha, e bem rápido.
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