Capítulo XXIX (29) - Tick, Tick
— Boom… — murmurei, ao finalizar a contagem com um estalar suave dos dedos.
O ancião tentou conjurar uma barreira, como havia feito antes.
Todavia, o meu novo ataque era diferente.
O corpo dele inflou por um instante, e então depois, simplesmente explodiu. Um clarão interno o consumiu de dentro para fora, e o velho se fragmentou em partículas incandescentes que se dispersaram ao vento noturno.
Não houve gritos, reclamações ou xingamentos.
Apenas o silêncio absoluto da noite. Cortado pelo barulho do canto de uma coruja.
Estavam atordoados demais para terem qualquer reação.
— Vamos lá, nós ainda não acabamos aqui. —- Eu gargalhei, ao estralar os dedos enquanto fechava os punhos.
— Renyan… — O ancião engoliu em seco. — Fuja, conte para o seu pai, e peça reforços da capital…
— Ancião Xiao! — Renyan protestou, a espada tremia na sua mão. Não de medo, mas de ódio e pura raiva. — Eu não vou abandonar vocês! Esse demônio…
— Obedeça — o velho o interrompeu, sem elevar a voz. — Ou o clã inteiro cairá conosco.
O segundo ancião caminhou para o lado dele, ambos formando uma linha vacilante. As mãos deles se ergueram em posição de combate. A postura era firme, todavia os olhos entregavam a verdade. Eram dois cadáveres moribundos, sem perspectivas de esperança, prestes a encontrar o criador.
Renyan gritou, ao golpear o chão com a espada com toda a sua ira. A terra rachou com a força do jovem.
— Obedeça! — Xiao pressionou, agora com urgência verdadeira. — Subestimamos nosso inimigo. Vamos ganhar tempo para você… só isso. Vá!
Renyan hesitou. A mandíbula dele travou, e ele rangeu os dedos.
Ele decidiu obedecer, e deu um passo para trás.
E nesse exato momento, os dois anciões avançaram.
Eu sorri, em uma reflexão interna.
Cavaleiro de Paus.
A segunda técnica da carta era bem simples, e nem por isso deixava de ser forte.
Implantar bombas ao tocar em um objeto. Quantas eu quisesse. E depois detoná-las todas de uma vez. A fraqueza parecia óbvia: alcance limitado.
E sim, isso era verdade.
Mas havia outra desvantagem mais irritante ainda. Era o intervalo de ativação.
Dois minutos inteiros até que as bombas recém-colocadas pudessem explodir. Dois minutos em que a habilidade ficava completamente inativa. Eu estava indefeso, e teria que contar apenas com os meus reflexos para sobreviver.
Numa reflexão mais aprofundada, eu devia ter esperado mais alguns segundos antes de ativar a habilidade no primeiro ancião. Poderia ter colocado bombas em todos os três de uma vez, e os explodido juntos.
O primeiro dos dois anciões restantes, aquele que havia ordenado que Renyan fugisse, me lançou um olhar firme, cheio de orgulho, e cuspiu no chão antes de falar:
— Não sei qual era o seu plano… mas a seita Hua Yuling jamais deixaria sua cidade cair sem lutar.
Ele avançou com tudo. Os punhos dele brilharam com uma luz dourada, intensa o suficiente para cegar qualquer cultivador comum.
Eu já sabia que aquelas palmas gigantes feitas de Qi não tinham efeito algum contra mim. Por quê? Ainda não fazia ideia. Mas socos carregados de Qi, isso eu não tinha interesse em testar se eu era mesmo invulnerável.
Desviei sem hesitar. Lancei meu corpo para a esquerda, ao sentir a pressão do ar quando o golpe de direita dele rasgou o espaço onde meu abdômen estava um momento antes.
Abri a boca para provocá-lo. Para a minha tristeza, não tive a chance. Uma esfera metálica presa a uma corrente surgiu de repente, com um forte zunido em minha direção.
Joguei o corpo para trás, e caí de costas no chão. A corrente passou sobre mim como um chicote mortal.
Rolei e me levantei rápido para responder ao próximo ataque do primeiro ancião.
Dessa vez, não consegui desviar, fui obrigado a erguer os cotovelos e bloquear o soco.
Meu braço quase cedeu com o impacto. Aqueles punhos dourados eram mais do que luzes brilhantes.
Deslizei um pouco pela terra, tamanho o impacto.
— Ele não é tão forte assim… — falou o segundo ancião, atrás do ancião Xiao. Ele segurava um martelo meteoro, as correntes rangiam enquanto ele girava a arma um tanto confiante.
— Não diga isso ainda, irmão… — repreendeu Xiao, sem tirar os olhos de mim. Queixo erguido, ele continuou: — Você matou muitos dos nossos com uma única técnica, claramente proibida. Mas agora não consegue desviar de dois velhos do segundo reino? Você definitivamente não é humano. Deve estar usando alguma trapaça, algo que só cultivadores demoníacos possuem!
Mais uma vez eu tinha que ouvir aquela ladainha. Que falasse o quanto quisesse.
Eu só precisava de mais um minuto para reativar o Cavaleiro de Paus.
— Dois velhos? — questionei em um tom irônico, enquanto colocava a mão direita no antebraço esquerdo para avaliar sua integridade. — Tenham mais respeito com vocês mesmo…
Eles não se deram ao trabalho de me responder.
Atacaram ao mesmo tempo.
De um lado, os punhos brilhantes, do outro, a cabeça do martelo meteoro do outro.
Qual seria minha próxima escolha?
Desviar, ou tentar um contra-ataque? Talvez eu pudesse tentar colocar as bombas neles nessa janela, e quando desse o tempo correto, explodi-los e ir atrás de Renyan.
Sim, era isso.
Eu tinha tomado a minha decisão.
Imprudente, mas seria um tanto divertido.
Segurei a mão do ancião Xiao. E descobri que aquela luz não era só visual. Sua mão era quente, como ferro em brasa.
— Quê? — exclamei, ao afastar minha mão para trás, surpreso com o fato.
— Então você é lixo? — O ancião não pode de se contentar com a minha expressão.
Ignorei. Meu foco estava no segundo ancião, que já girava o martelo meteoro com força suficiente para um ataque. Porém, em vez de eu me afastar, avancei na direção dele.
Era um movimento imprudente, e sem o impacto veio seco e violento. O martelo acertou minhas costelas direitas, e meu corpo entortou com o golpe. Não senti uma grande dor. Adrenalina demais, problemas de menos. Aproveitei o movimento e agarrei a corrente com força, e arrastei o velho para mim.
Ele cambaleou para frente, e a corrente, ainda em movimento com o giro anterior, se contorceu, ao enrolar o braço dele. O ancião, desesperado, tentou um cruzado de esquerda. Lento. Previsível. Inclinei a cabeça, passei ao lado do punho e coloquei a mão nas costas dele. Um toque curto, preciso.
Empurrei-o para frente, e ele caiu de cara no chão, soltando um grunhido abafado.
— Opa… — murmurei, e coloquei a mão na região do impacto.
Uma costela? Não, deveriam ser duas, talvez três.
Três costelas quebradas.
Eles não me deram espaço para pensar sobre aquilo.
O primeiro ancião, Xiao, tentou o mesmo ataque uma segunda vez. Todavia, eu havia aprendido a lição. Em vez de segurar a mão dele, eu a afastei para o lado, o que me deu a oportunidade de tentar uma ponteira nele, um golpe de ataque frontal com a ponta do pé. Ele segurou meu pé antes de acertá-lo violentamente.
Se não fosse pelas costelas quebradas, talvez eu até tentasse dar uma chave de perna nele.
Usei minhas mãos para empurrá-lo para trás, agora sim. As bombas estavam ativadas em ambos. Agora eu só tinha que esperar o tempo correr.
— E… — ergui as mãos, e com os dedos fiz o gesto de pistolas, enquanto um sorriso inconsequente nascia no meu rosto. — Talvez eu seja mesmo um covarde.
Girei o corpo e disparei em corrida, não para longe, mas no rastro de Renyan.
— Aonde você pensa que vai?! — rugiu Xiao, achando que eu fugia com o rabo entre as pernas.
— Ganhando tempo! — respondi sem olhar para trás, ao fazer um joia no ar.
Correr com as costelas fraturadas era uma péssima ideia. Mesmo assim, era melhor correr deles, esperar a segunda ativação do Cavaleiro de Paus, e então trocar para uma carta de regeneração.
A floresta era escura demais. As copas fechadas deixavam a lua quase inútil. Eu avançava, guiado mais pelo instinto que pela visão, e desviava de galhos e raízes do jeito que dava. Se não fosse pelo casaco, eu teria sido ferido com vários arranhões no braço e no corpo.
Foi então que uma silhueta cruzou meu caminho.
Rápida. Familiar.
Meu cérebro levou um segundo inteiro para processar aquilo, e quando processou, meus pés travaram no mesmo instante.
Eu parei. A figura também parou.
De costas para ele, virei lentamente a cabeça por cima do ombro.
A luz filtrada da lua delineou exatamente um rosto que eu não esperava que me cruzasse durante a corrida na floresta.
— Você não devia estar fugindo? — perguntei, e apontei casualmente para ele, apesar do latejar nas costelas.
Renyan arfava, a espada firme nas mãos, e o olhar carregado de algo mais profundo que ódio. Era orgulho ferido, teimosia, e talvez um toque de estupidez heroica.
Porque, sério…
Por que diabos Renyan estava voltando?
Ele tinha perdido o juízo?
— Eu… — Ele tentou falar, mas a própria respiração o atrapalhou. — Eu não deixaria dois anciões morrerem enquanto eu fugia.
Ah. Então era isso.
Coloquei as duas mãos no rosto, agoniado de ver aquilo. Eu só ria da situação por que não havia sido comigo.
— Parabéns — falei, ao bater palmas devagar. — Burrice realmente mata.
Antes que Renyan pudesse levantar sua espada para mim, os dois anciãos chegaram.
— Por que você voltou?! — gritou o que girava o martelo meteoro.
— Eu disse para ir embora! — rosnou Xiao, inconformado.
— Eu não consegui… não podia deixar vocês! — Renyan murmurou, cabisbaixo sob a bronca.
— Eu lhe dei uma ordem!
Tossi para chamar a atenção deles, antes que começassem uma discussão frívola.
— Eu ainda estou aqui… — Gesticulei com as mãos, ao me preparar para a contagem regressiva.
Os três se viraram ao mesmo tempo.
— Você! — rugiu Xiao. — Demônio! Vai morrer agora!
A luz dourada subiu pelas mãos dele, e iluminou a floresta escura como uma forte lanterna.
— Seu tempo expirou — declarei, sorrindo ao começar a contagem com a mão direita. — Tick, tick…
— Cuidado! Ele vai usar sua trapaça demoníaca novamente!
Em uma reação sincronizada, os dois saltaram para trás, e subiram para galhos altos. Eles pensavam que podiam sair do meu alcance.
Eu apenas sorri, e fechei os punhos como quem aperta um gatilho invisível.
— Boom.

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