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    É noite. Uma fresca noite de primavera.

     Depois dos agitados eventos de hoje, a noite veio para acalmar-nos.

     Minha família ainda irá ficar na capital por mais um tempo, então eu me despedi e saí primeiro que eles. Percorrer o caminho de carruagem será demorado. O que me resta é entreter-me com minhas reflexões.

     Eu começo a relembrar os eventos de hoje. Cansativos, extremamente cansativos. Estressantes, extremamente estressantes.

     E a pensar mais minuciosamente, não são os acontecimentos apenas de hoje. Isso data de um bom tempo atrás, semanas atrás.

     Burgueses se inclinam a dizer que a vida dum nobre é fácil. É só viver de formalidades e realizar política que tu irás ter uma vida ganha…

     Talvez eles estejam certos ao falar isso sobre a maioria dos nobres, não que burgueses sejam seres admiráveis, não, não são. Ter dinheiro não te faz nada além de rico.

     E a maioria dos nobres atuais é aburguesada, pouco importa realizar atos e feitos verdadeiros. Vivem ociosos, mas sem a criatividade do ócio.

     É por isso que podemos perceber um crescimento de baronatos por todo o Império. Plebeus esforçados que possuem realizações são mais valorizados do que nobres de alto escalão que nada fazem além de administrar os próprios domínios… E isso é o correto.

     Só que eu não acredito que todos os nobres sejam assim, eu não acredito que eu seja assim. Eu me esforço, eu me doo, eu penso para e ajo para. Não quero ficar parado, não quero ser mais um.

     E é por isso que eu disse o que eu disse hoje. E é por isso que eu fiz o que fiz hoje. E é por isso que eu fiz tudo isso até esse momento.

     Eu começo a dar risada. Eu simplesmente não consigo parar de dar risada, minha barriga dói na medida em que eu rio cada vez mais forte.

     — A minha carta foi interessante? Princesa, kakaka.

     Mas tudo o que eu escrevi foi:

    «Para os Primus eu digo:

    Vossa presença é solicitada no palácio de Baco para prestigiar o rito de patriarca dos Conflagratus…»

      — E no final o que eu escrevi. E a merda que eu escrevi no final…

     «Lucius Conflagratus Avitus irá morrer hoje».

      — HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! DEUSES! QUE CASO!

     Foi uma aposta grotesca. Eu necessitava que a Princesa lesse essa carta, somente ela. Se algum servo curioso, ou até mesmo outro Primus a lesse eu acabaria de vez com a minha própria vida.

     Ou pior: se ela viesse e vesse que o que a carta disse era na verdade uma mentira, eu iria complicar-me igualmente caso isso acontecesse.

     Mas não foi isso que aconteceu.

     E durante essa viagem longa, por que não explicar tudo?

      E eu me lembro de tudo que eu preciso explicar. Sim, eu me lembro do que eu vi, lembro-me muito bem. Lembro-me do que eu senti.

     «Isso é grotesco. Grotesco, realmente grotesco.», suspirei enquanto observava a paisagem.

     «Não deveria, e não há motivos para, haver monstros de níveis tão altos perto da capital e do nosso território.»

     «Um bando de quimeras, um bando de quimeras.»

     Perguntava-me o que faziam aqui, caçar comida ou algo do gênero? Mas ainda é primavera, precocemente eu dizia. Mesmo que essa seja uma área alternativa, ainda é estranho.

     Um grupo de 4 magos Aurum, não… Um mago Amethystus, talvez, não conseguiria lidar com tantos assim de uma só vez.

     Foi-me dito apenas para verificar a área. Eu não tinha nenhuma obrigação pendente com o que eu vi aqui.

     Nesta vida tudo acontece por motivos.

     E isso pode parecer apenas um acontecimento casual, ou melhor, um raro acontecimento que pode acontecer com todos nós em nosso cotidiano.

     Uma história divertida que poderemos contar para nossos conhecidos, familiares, amigos. «Tu não irás acreditar no que eu vi ontem…» ou algo do gênero.

    E poderia ter sido apenas isso. Poderia, mas não foi. A informação que eu recebi naquele momento, o que eu vi naquele momento… OPORTUNIDADE.

     Os deuses me deram uma oportunidade e eu a agarrei com todas as minhas forças.

     Destino não é uma força imutável que dita cruelmente o que tu serás ou não serás. Destino nada mais é do que o resultado de nossas ações.

     E por ser o resultado de nossas ações, eu nunca iria aceitar a ascensão de Lucius como o patriarca da família, pois ele é fraco e inútil. O destino diz que apenas o primogênito tornar-se-á o patriarca? Então eu simplesmente irei mudar esse destino.

     Não há mundo onde eu aceite ser subordinado de Lucius. Apesar de suas falhas, nosso pai ainda tinha algumas virtudes e era respeitável, eu podia aturá-lo. Mas, Lucius? Não.

     Foi por um acaso, sim, um acaso, uma sorte, um dado lançado, uma fortuna, um evento que esses monstros apareceram por perto. Mas tudo o que eu posso fazer com eles não é acaso. Tudo que eu fiz com esses monstros foi fruto do meu raciocínio.

     Matar Lucius seria uma tarefa banal para mim, a diferença entre nossos poderes é descomunal. Mas isso, apesar de conceder-me o Patria potestas, não me concederia a total subordinação e reconhecimento das pessoas da minha família, dos outros nobres do Império.

     Eu seria visto como um usurpador, um maléfico sanguinário por poder, um desdito que trai a lei divina, um bastardo que derrama o sangue de seu sangue entre outras alcunhas pejorativas.

     Não tenho intenção alguma de tornar-se alguém indesejado e escorraçado por todos da minha monta.

     Portanto, Lucius precisava morrer duma maneira natural e sem nenhuma ligação com a minha existência.

     Eu não podia dar a chance de alguém sequer pensar que eu estava envolvido na morte, ou na possível morte, de Lucius. Ao menos que ninguém inconveniente saiba da minha ligação com a sua morte.

     E por acaso, monstros de níveis tão altos apareceram por perto de nossa casa. Monstros que atacam humanos independentes do que, quimeras. Então eu poderia matá-lo e dizer que foram as quimeras? Não, não. Só isso não faria a morte de Lucius ser algo natural.

     Apesar de um covarde, Lucius ainda é um Conflagratus. Sua proficiência em Ignis é invejável para a maioria das pessoas, dalguma forma ou outra ele consegui-lo-ia cuidar de quimeras.

     Ele não é afiliado no colégio dos aventureiros, assim como todos de nossa família, bom, todos menos eu, mas acredito que ele conseguiria obter facilmente a qualificação de Amethystus. Além do fato dele ter estudado no Instituo Magia e ter obtido boas notas.

     Logo, não seria plausível dizer que quimeras, mesmo a ser quimeras, conseguiriam ter matado o futuro patriarca dos Conflagratus. Ainda mais porque ele estaria acompanhado de outros soldados comuns que o ajudariam nesse possível embate.

     E eu não poderia contratar alguém para matá-lo ou algo do tipo, seria extremamente suspeito. Até poderia ter usado a desculpa de nobres insurgentes que planejaram a sua morte, mas isso no final seria facilmente traçável para a minha pessoa. E mesmo que não fosse, isso não me garantiria o Patria potestas também.

     Todavia… eu poderia montar uma arapuca com essas quimeras. E foi exatamente o que eu fiz.

     As quimeras estavam perto de nosso território e da capital em geral, mas não é como se elas estivessem exatamente no caminho que percorremos.

     Até mesmo porque se elas estivessem, teriam sido percebidas facilmente por outros aventureiros que passam por aquele caminho e seriam eliminadas muito antes do rito acontecer em si.

     Suas partes de corpos, seu pelo, sua carne são todos valiosos. Além da experiência em combate obtida ao lutar contra tais monstros.

     Então, como eu poderia fazer Lucius ir direto para a minha armadilha? Dizer «Meu querido irmão! Tu poderias passar por este lugar aqui que é TOTALMENTE NÃO SUSPEITO E SEGURO para dalguma forma morrer?! Eu adoraria isso.» não funcionaria.

     Um testemunho falso.

      «Agora, deixe-me contar algo: nas estradas principais que ligam a província de Conflagratus com a capital está a ser realizado um evento peculiar, verifiquei isso eu mesmo hoje de manhã, havia rastros de monstros de altos níveis pelas redondezas. Quimeras.»

     Nas estradas principais? Não, não, elas estavam em rotas mais curtas nas quais ninguém usa, geralmente, por ser mais inóspita e menos humanizada do que as estradas principais. É um dos motivos de ser possível a aparição de quimeras lá.

     Eu as descobri porque aprecio a exploração de regiões, de lugares, a fim de descobrir segredos, masmorras ou informações úteis para a minha pessoa. Saber a geografia local é extremamente importa para realizar as melhores medidas possíveis.

     E por isso eu sabia que ninguém iria para lá, quase impossível, então eu facilmente poderia utilizar o local duma maneira segura.

     Com o meu testemunho falso eu fiz com que o Collegium Audacis procurasse interver nas estradas principais para quem ninguém use. É uma responsabilidade deles, mas curiosamente é algo que eles têm tamanha dificuldade para realizar.

     O Império é um território gigante e receber o aval da capital não é tão rápido e simples, é como uma negociação entre dois futuros parceiros no âmbito de negócios econômicos. Levaria um custoso e agradável tempo.

     Em condições normais eles fariam uma verificação do lugar para saber o quão perigoso era a situação. E se fizessem, descobririam que quimera alguma estaria lá.

     Em condições normais… Eu sou um marquês, mais que isso, eu sou um Conflagratus, minha palavra é tida como sinônimo da verdade e levada a sério sempre. E com eu a enfatizar o quão urgente era, eles não teriam tempo de realizar uma verificação do lugar.

     Então com uma simples denúncia, de alguém de renome como um marquês que está sempre a reportar e a fazer missões no colégio, eu tinha certeza que eles acatariam o meu pedido. E que, portanto, as estradas ficariam interditadas por um grande período.

     Tempo suficiente para que eu armasse a minha armadilha.

     Contudo, o meu plano ainda não estava completo, eu precisava fazer mais e garantir mais ainda o meu destino.

     Como dito, Lucius provavelmente não morreria por «meras» quimeras. Não em condições normais.

     Eu precisava dele enfraquecido, eu precisava dele dalguma forma machucado e fraco.

     E com a conversa que eu tive com Serena eu obtive uma ideia, justificável, para conversar sobre com ele: a guerra.

     Eu já sabia que ela estava para acontecer duma forma ou outra, mas somente eu tinha essa confirmação. Lucius merecia saber essa informação, não é mesmo? Então foi isso que eu fiz.

     Eu realizei um debate, uma série de diálogos com Lucius. Mas não somente isso, eu fiz questão de acordá-lo de seu sono, a começar o meu plano de irritá-lo, e usar de extrema ironia e provocação para irritá-lo mais e mais.

     Isso o deixaria propenso a realizar atos com base em suas emoções, não razão. Atos irracionais que o colocariam numa situação não desejável.

     E ao mesmo tempo em que eu usava de ironia, eu o preocupava com o futuro. A dar nuances e dicas de que algo poderia acontecer, que esse algo seria a sua culpa.

     Eu fiz questão de reforçar a ideia de que uma guerra aconteceria por sua culpa, para atiçá-lo mais e mais. Pô-lo num calabouço de culpa era a minha melhor arma.

     Até mesmo o meu andar para fora de seu quarto, para o campo de treinamento foi algo planejado. Eu queria reforçá-lo visualmente da ideia de luta, intriga, sangue.

     Devo admitir: eu não esperava que fosse ele o primeiro a atacar-me, o plano que eu tinha em minha cabeça era o de acuá-lo mais e mais, batê-lo psicologicamente mais e mais ao ponto dele ficar sem opções a não ser lutar.

     Felizmente disso não precisei, ele fez o favor de atacar-me primeiro e ainda justificar a ideia de que eu era o coitado da situação, que fui agredido primeiro e nada fiz de errado.

     «Eu conversei com Lucius e ele ficou bravo com o que eu disse, então me atacou.»

     «E-Ele te atacou?! Ó deuses!», disse a Flavia espantada.

     A reação da Flavia foi perfeita, justamente o que eu queria, por isso ao saber que ela queria conversar comigo eu fui ao encontro dela imediatamente.

     Eu sabia que ela iria espalhar a ideia de que eu fui o coitado nessa situação. Até mesmo porque, por algum motivo, essa mulher tem um afeto inimaginável por mim.

     Com ele a atacar-me o resto foi fácil, eu só precisei exaustá-lo ao por utilização de magia ao ponto de que ele sofresse um dano severo. E foi exatamente isso que aconteceu, a desmaiar e a ficar inativo por dias.

     Depois que um mago desmaia por exaustão ele se torna um espécime de criança grande, pode-se dizer assim, ficará mentalmente afetado e fisicamente destruído.

     Não seria mentira dizer que o Lucius pós-exaustão poderia ser morto até mesmo por um bando de limos atrevidos que comumente vemos em esgotos.

     E eu acertei a sorte grande sem querer.

     Lucius sempre foi meio antissocial, a não querer pessoas por perto por diversos motivos. Mas ele a querer ou não, ele estaria acompanhado por diversas pessoas no caminho ao seu rito. Isso poderia atrapalhar levemente o meu plano.

     Eu sabia que as quimeras estavam próximas em relação ao tempo em que ele estaria apenas com os soldados, no máximo, no pior dos casos, com os músicos e clérigos em conjunto.

     Se elas atacassem no primeiro instante, perfeito. Mas se fosse ao segundo instante talvez o plano tivesse dado errado por uma mínima possibilidade. Algum músico forte em magias é quase impossível de existir, isso é conto de fadas, mas não posso descartar a mínima possibilidade disso existir.

     E clérigos, apesar de que os que iriam acompanhá-lo seriam de baixo nível, sabem magias de cura e proteção. Definitivamente eles iriam tentar salvar Lucius, apesar de que eu creio que seria em vão.

     Só que depois de acordar Lucius foi irredutível: ele iria realizar o percurso apenas com os soldados comuns. Ou seja, facilitaria o ataque dos fofos monstros.

     O último problema seria a proximidade da carruagem de Lucius com as outras possíveis carruagens de nós, Conflagratus.

     Mesmo que seja fato de que Lucius necessariamente iria sair depois, esse «depois» não impediria uma proximidade em questão de tempo e espaço entre as carruagens.

     Eu não podia negar a possibilidade de que no momento de ataque das quimeras o Lucius solicitasse ajuda, algum sinal mágico ou um soldado enviado, para as carruagens na frente.

     Ou até mesmo algum item mágico obtido numa masmorra capaz de comunicar-se rapidamente ou algo do gênero. Eu precisava impossibilitar isso de acontecer.

     Mas como? Tempo. Eu precisava de tempo.

     A solução foi simples, eu fiz questão de enrolar e gastar tempo ao conversar com Lucius, fazê-lo que fique preso por um bom tempo em um só lugar. E qual é a melhor maneira para isso?

     Ao falar de assuntos reflexivos e introspectivos como filosofia, religião e essas cousas.

     Não as desprezo, definitivamente não. Mas sei que elas são ótimas artimanhas para fazer alguém pensar em algo e gastar um bom tempo nisso.

     Simples perguntas como: «O que é a vida?», «Por que os deuses permitem isso?» podem fazer homens ficarem parados por dias em um só lugar a refletir.

     E ao realizar essas perguntas eu pude prender Lucius em minha teia vigorada pela ação do tempo.

     Eu havia realizado todos os passos de maneira metódica, a tentar o máximo amenizar os riscos e dar-me a certeza da vitória.

     Contudo, meu plano ainda possuía falhas, havia riscos de que ele possa dar errado. Variáveis que eu não podia controlar. Mesmo com todos os meus cálculos ainda era uma aposta.

     Itens mágicos são extremamente caros e raros, ainda mais itens com habilidades e utilizações extremamente não convencionais. Se por acaso Lucius tivesse algum item de teletransporte, por exemplo, todo o meu plano teria sido fútil…

     Então, para eu finalmente saber o resultado de minha aposta eu só precisava esperar. Esperar o resultado. Como uma mulher que se despediu de seu homem após ele ir para a guerra.

     A minha adrenalina e anseio então tomou conta de meu corpo, era como se eu estivesse no meio de uma batalha que decidiria meu futuro.

     Eu fiquei a esperar, a esperar e a esperar. Por muito tempo não consegui sair do pórtico do palácio, a olhar e a observar se a imagem de Lucius, ou de alguém relacionado, iria aparecer.

     Ele não aparecia, por quê? Não sei. Só me restava esperar enquanto eu era tomado por emoções indescritíveis.

     E com o tempo a percorrer eu fui a acalmar-me, lentamente, mas ainda permanecia inquieto. Ninguém irá realmente aparecer? Eu pensava.

     Após muito tempo a esperar eu resolvi voltar e ir para a sala descansar. Eu estava exausto sem nem ter feito nada que requeresse energia, apenas por aguardar pacientemente algo.

     Deve ser por isso que eu consegui dormir, mesmo que eu tenha dormido perfeitamente na última noite e ao estar, naquele momento, com resquícios de adrenalina no meu corpo. Minha mente estava lentamente a cair num estado de repouso.

     Então, quando Cecilia me acordou e disse que um mensageiro havia chegado eu senti meu coração pulsar forte. Eu finalmente descobriria o resultado das minhas ações, eu descobriria o meu destino.

     E o mensageiro chegou com o tão aguardado resultado. Quando eu vi o seu jeito desconfortável eu já comecei a alegar-me.

     «Lucius Conflagratus Avitus, o primogênito da Domus Conflagratus… está morto.»

     Ao ouvir isso eu pude confirmar: eu venci, como sempre.

     Quando todos ouviram tal desdita notícia todos se chocaram, entraram em lutos e negações sobre a realidade. Embora eu não.

     Eu estava em êxtase, era como se eu recebesse uma carga de prazer diretamente em meu cérebro, todavia não podia demonstrar nada no momento. Tratei de calar-me e esconder a minha presença no local. Nada disse, nada demonstrei, nada reagi. Não somente por isso, apesar da vitória momentânea o meu plano ainda não havia acabado.

     Com Lucius morto isso não me garantia o Patria potestas no exato momento. Meu pai ainda poderia dalguma forma recuperar o título ou essa posição de patriarca ficar vaga. Vários eventos não favoráveis poderiam ocorrer.

     Então ficar calado, esconder a minha presença no momento também era parte do plano: eu deixaria todos no momento caírem em total desamparo e medo. Temer cada futuro, e possível, último segundo de seus status quo.

     Eles iriam chorar, gritar, espernear e teorizar possíveis soluções. A tentar dalguma forma fugir do que parece ser inevitável. E isso era bom, era-me bom.

     Pois quanto mais eles se desesperarem e perderem as esperanças, mais eu poderia assumir o papel de herói nessa situação.

     Humanos necessitam de heróis. Eles precisam dalguém que possa salvá-los gloriosamente num momento de tensão e pavor. E eles tendem a ouvir os planos do herói com avinco, sem questionar ou pensar nas falhas.

     Afinal, mesmo o mais estúpido dos planos se torna crível quando tu não tens outros alguns.

     Então, naquele momento em que os ouvia, ouvia seus desesperos, eu só precisava esperar o momento certo em que eles percam de vez suas esperanças e dar o bote. Tornar-me-ei vossos heróis, família, é por isso que eu esperava com um sorriso por debaixo de minha máscara.

      «Por favor, pai! Faze alguma cousa!», Quinta demandou, a tentar dalguma forma sair de seu pesadelo.

     «Fazer o quê? Quinta. Eu te disse, foi meu erro, meu pecado… Eu não posso fazer nada, perdi meus próprios direitos…»

     «Realmente não há nada que possamos fazer?», Lucia perguntou.

     «Há algo que possamos fazer. Não, há algo que nós iremos fazer.», eu interrompi o fluxo da conversa a dizer palavras confiantes.

     A partir daí foi relativamente fácil. Eu havia me tornado herói. Todos ali me ouviam e me confiavam o próprio destino.

     Flavia, não sei se intencionalmente ou não, até tentou se opor a mim. Mas de nada adiantou.

     Depois disso eu apenas atuei, seja ao passar confiança para todos, dizer blefes como «Eu sei quem são os nobres revoltosos», fingir empatia, arrependimento na ocasião ou ao discursar de maneira extremamente emotiva.

     Fazer um plano, seguir os passos do plano que fizeste e vê-lo iludir perfeitamente como tu imaginaste…

     Eu sinto meu corpo aquecer-se, meu rosto fica avermelhado, meu falo enrijece.

      — Que sensação boa…

     Adoraria ter um vinho aqui comigo, desfrutá-lo. Mas tudo o que me resta no momento é uma paisagem bucólica e calma que observo pela janela.

     E eu não quero bucolismo, eu quero ainda mais, mais e mais! Tudo! Mais! Desde pequeno o que motiva é o eterno movimento, esse ciclo que nunca fugiremos, o impiedoso passar do tempo.

     Essa minha eterna luta contra Chronos, o deus menor do tempo, é o meu motivo de vida. Provar o meu valor sempre e sempre. Avançar sempre e sempre. Conquistar sempre e sempre.

     Só que devo tomar-me como satisfeito nesse momento, não posse ser aflito. Foi apenas a minha primeira peça teatral.

     A minha primeira peça teatral humanista se termina, a clamar por mais.  E podes ter certeza que muito mais eu ainda farei.

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