Capítulo 36 - Os nobres da província de Conflagratus - parte 2
Sem muita demora, chegamos ao sul da província dos Conflagratus. É aqui onde fica os domínios dos Mollicellus.
Um servo abre a porta da raeda, «Amo Conflagratus, chegamos», e eu saio tranquilamente para a entrada da cidade. O Milan e a Beatrix saem também, após retirar as suas armas que estavam guardadas no chão.
A haver nós desembarcados, dou a ordem de despiste ao cocheiro.
Devido à extensa atividade mineradora por essa região, o desenvolvimento urbano é distinto de outras partes da província. Talvez ao mesmo nível da região onde está o palácio dos Conflagratus e da região mais ao norte onde há alguns portos marítimos de importância.
Consigo atestar centenas de pessoas a deslocar-se para todo onde e por todo onde. Uma cidade mineradora nunca para, afinal. Todavia, a minha tranquilidade para analisar esse panorama dura por pouco tempo, rapidamente eu sou reconhecido no local:
— Deuses! É o novo patriarca dos Conflagratus! — um homem qualquer, plebeu, grita a me ver.
Com apenas essa frase, todos no local se viram imediatamente para mim. Plebeus, nobres, crianças, velhos, homens e mulheres.
— Conflagratus! É um Conflagratus! — ouço várias vozes a repetir essa frase e outras parecidas.
Cada vez mais pessoas se aproximam de mim. Beatrix se irrita com isso, mas apenas fica calada de braços cruzados atrás de mim. Se a opinião dela de pessoas da nobreza, até mesmo da alta, é muitas vezes negativas, não preciso dizer o que ela pensa de meros campesinos, preciso?
— Senhor Conflagratus! Por favor, aceite essa cesta de maçãs! — uma velha diz para mim.
— Parabéns por virar o patriarca, senhor Conflagratus! — um homem me parabeniza.
— Quando eu crescer, eu quero virar um Conflagratus igual ao senhor, senhor! — sem saber muito bem o significado das palavras que acabara de dizer, um pequeno garoto fala comigo.
Quiçá, tu que vejas isso, quiçá para ti isso seja estranho. O modo que me recebem e estimam como se eu fosse um gladiador famoso por todo o Império.
Mas, na verdade, é realmente como se eu fosse um. Todo nobre da alta aristocracia, em fato, é quase como um.
Todo ser deste mundo, humano ou não, possui a capacidade de usar magia. Contudo, apenas 50% das pessoas sabem em fato utilizar de seu poder mágico.
Já que para usar magia é necessário aprendê-la dalguma forma, com ela nascer ou ela receber como um dote, muitas pessoas nunca conseguem desenvolver realmente sua capacidade de utilizar magia de forma efetiva.
Por que eu digo isso? Porque isso limita a existência dum nobre em uma porcentagem de 50% apenas. Já que nem todo mago é um nobre, mas todo nobre é necessariamente um mago.
E a compor tal porcentagem, também há meros aventureiros sem nenhuma ascendência nobre. A nobreza, apesar de tão poderosa, é realmente uma minoria.
Há níveis de baixa nobreza como barões, viscondes e condes que já são uma parcela pequena no mundo. São tratados com admiração e respeito por todos. Então, nobres da alta nobreza como marqueses, duques e príncipes são tratados de forma mais díspar ainda.
Talvez essa seja a única vez na vida que eles verão um nobre da alta nobreza tão de perto, ainda mais o nobre que exerce o papel de proconsul da exata província em que vivem.
Conjuro mentalmente um feitiço, Basic-Ignis: [Labareda], e aponto minha mão direita para o céu enquanto o lanço.
Uma grande chama vermelha sai da palma da minha mão a fazer com que faíscas mais que pequenas caíam em minha volta. Tudo isso que eu faço é um pequeno espetáculo para todos que me recebem no momento.
Apesar de ser uma magia do nível mais básico, todos ao redor se tomam duma face maravilhada ao ver uma chama tão grande ser lançada constantemente para o céu numa altura considerável. Seus olhos brilham na medida em que a chameja acontece.
Cesso o feitiço e começo a ouvir aplausos para a minha pessoa. Como é bom ser adorado…
— Obrigado, povo de Conflagratus! Obrigado! — faço uma pose em agradecimento — Adoraria ficar mais um pouco, mas me respondam: o patriarca dos Mollicellus se encontra?
— Encontro-me sim, marquês de Conflagratus. A que devo o prazer da tua visita? — antes que qualquer um pudesse responder-me, Didacus, o patriarca dos Mollicellus, apresenta-se a mim.
— Ora, que surpresa, Didacus. Não esperava encontrá-lo tão cedo, muito menos que tu vieste a mim por primeiro.
— Recebi uma mensagem a dizer que uma charrete especial com uma bandeira listrada estava ao centro da cidade. E quando vi uma chama impecável a avançar no ar, sabia que um Conflagratus aqui está — Didacus diz, a realizar uma vênia para mim com seu corpo — Conflagratus e Ignis são sinônimos conhecidos por todos neste Império — e complementa sua frase com uma bajula.
— Vejo que estás devidamente prudente com o que acontece na cidade, Didacus. É uma boa característica.
— Sinto-me profundamente honrado por receber teu elogio, proconsul da província de Conflagratus e patriarca dos Conflagratus — a fazer questão de utilizar toda a formalidade possível, Didacus novamente me reverencia.
Hilário…
Didacus é um homem velho, na casa dos 60 anos eu estimo, que há muito tempo participa da vida aristocrática e estabelece acordos formais com várias outras Domus, inclusive a minha. De certa forma, ele me lembra do meu pai.
Por eu ser um marquês desde o meu primeiro dia de vida, e ele um visconde, sempre houve um respeito e formalidade dele a mim. Mesmo que ele tenha mais que o triplo da minha idade.
Todavia, era um tipo de formalidade bem simplório. Nas raras ocasiões em que nos encontramos no passado, o tratamento dotava dum pouco de informalidade por eu ser praticamente uma criança na época.
Só que isso não é mais o caso. Apesar de eu ser um homem de apenas 18 anos, eu também sou o patriarca duma das Domus mais relevantes do Império e também o líder geral da província de Conflagratus: um proconsul.
A diferença entre nós é duma proporção grotesca que ele é limitado a condescender para isso e humilhar-se para mim.
Observar um homem a degradar-se em cada oportunidade possível, numa desgraçada tentativa de adquirir um pouco de caridade ao tentar ao menos atravessar a camada mais pilosa do seu superior a fim de receber benefícios…
Tão patético. Tão jocoso. Tão realista. Tão, tão, TÃO!
Decadente.
— Enfim, Didacus, eu gostaria de realizar uma vistoria pela região e, após isso, tratar sobre outros assuntos em maneira mais particular contigo. Podemos? — reprimo-me dos meus pensamentos internos e volto ao real foco de estar aqui.
— Definitivamente, marquês de Conflagratus. Sei que não é o suficiente para servir a tua pessoa, mas me permita levá-lo em minha própria charrete particular.
A ter isso como dito, Didacus se distância para trás e faz sinais a chamar por alguém. Imediatamente uma charrete começa a direcionar-se para ele.
— O jeito que ele falou contigo, Aurelius, ele parece ter aceitado rapidamente a realidade — ainda de braços cruzados, Beatrix se põe ao meu lado e comenta.
— O que tu queres dizer? Beatrix — a fingir candura, eu retruco.
— Ele não teve problema nenhum em reconhecer que tu és o novo patriarca dos Conflagratus e submeter-se a ti. É um homem inteligente, sabe que isso é o melhor para ele e a sua família.
— Ele não é o patriarca dos Mollicellus à toa, Beatrix. É um homem de idade bem atento ao que acontece em sua volta — viso nos olhos esverdeados da Beatrix e finalizo.
Até mesmo porque alguém não astuto num meio onde os mais diversos predadores esperam pacientemente por uma única oportunidade não duraria nada…
A charrete completa o percurso para nós e se coloca ao meu lado. «Entre, por favor, marquês de Conflagratus» é dito pelo Didacus e eu atendo ao seu pedido.
Finalmente haverá um avanço e uma aproximação entre nossos interesses.
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