Índice de Capítulo

    De madrugada eu sou subitamente acordado por batidas em minha porta. Quem seria a essa hora? É impossível de palpitar tal cenário, meu pai? Mas por quê?

     Bom, não há motivo de tanto aguardo assim. Eu posso simplesmente abrir a porta e saciar minha curiosidade.

     Levanto-me de minha cama, procuro minhas pantufas com meus pés no meio do escuro total. Em vão, não as encontro. Decido ir até a porta descalço mesmo.

     Ao abrir a porta tenho uma incomum e negativa surpresa.

     —… Aurelius…— com uma decepção nítida em minha voz eu digo.

     —Há algo que precisa ser conversado.

     —Mas nessa hor-

    —Há algo que precisa ser conversado — Aurelius me interrompe brutalmente.

     —O que há para ser conversado?!— irritado eu pergunto.

     —O futuro.

     Eu não estou a entender nada. Quem é que acorda uma pessoa no meio da madrugada para falar em charadas? Isso é algum tipo de jogo?

     Se for, eu não quero jogá-lo. Preciso dormir, relaxar e descansar. Minha cabeça já tem besteiras e lorotas o suficiente para tirar-me a atenção da decisiva próxima semana.

     Só que… é o Aurelius, ele não me acordaria e faria essa brincadeira sem nenhum motivo. Não posso culpar-me não conseguir deixar de ficar curioso: Futuro? Algo? Conte-me logo, oras!

     Ofereço-o um assento no canapé vermelho encostado na parede e ofereço a mim mesmo o assento na poltrona ao lado de minha cama. O foco da luz vem da prateada Lua, aprecio dormir a ser abençoado por ela, mas neste momento ela cria um cenário sinistro.

     A luz advinda do luar atravessa os vidros de minha janela e é de todas as veras que ela está a atingir até a meia altura do canapé.

     Aurelius está sentado com o talão de sua perna direita em cima de seu joelho esquerdo. As suas lustradas botas de couro neste momento absorvem e refletem a luz, curiosamente, afinal, são feitas em perfeito tom ébano.

     Seus membros inferiores são tudo o que eu consigo ver no momento, isso me deixa inquieto.

     — …

     — …?

     Já se foi 1 minuto para o relógio contar desde que o Aurelius passou pela porta, mas ele nada disse. É como se este momento fosse alguma espécime de negociação surpresa ou combate mental, eu preciso falar algo?

     Eu não irei falar nada, ele que veio conversar comigo! Mas e se for algo que eu queira saber? Que me é importante? E se for uma notícia trágica?

     Pensamentos ruins tomam a minha cabeça e começo a ficar nervoso, para evitar mais estresse eu mesmo quebro o voto de silêncio que há pouco declarei. E ao considerar o contexto, sei sobre o que eu tenho que falar:

     —Rito de patriarca, não é?

     —É importante… — eu tento continuar.

     Aurelius não reage a nenhuma de minhas frases, não é sobre isso? Mas sobre o que seria então? Não, não, se ele não nega significa que ao menos algo sobre o que eu falei há. É o único assunto que consigo pensar que Aurelius viria conversar comigo.

     Não me recordo doutra vez na qual ele conversou comigo por quaisquer motivos banais da vida. Ainda mais no meio da madrugada…

     —Eu me preparei para esse momento desde a primeira vez em que descobri que ele ocorreria, mas nunca pensei que eu teria esse sonho realizado tão precocemente.— tento novamente começar a conversa.

     —Nosso pai parece preocupado com esse assunto, mais do que eu. Hahaha…

     —Tu estás preocupado? —Aurelius finalmente se propõe a conversar comigo.

     —Estou, é claro que eu estou, quem não estaria nessa situação? É o momento mais importante que pode acontecer numa família.

     —A partir do momento em que a criança nobre começa a visualizar os pormenores do mundo aristocrático ela começa a preparar-se para isso.

     —Então por que estás preocupado? Não era para tu estares preparado também?— sem nenhuma fantasia trajada, mas com a voz jocosa dum bobo ele diz.

     Ele… foi irônico. Ele me acordou no meio da madrugada para caçoar de minha pessoa. É isso? Irrita-me, só posso dizer isso, irrita-me verdadeiramente.

     Ainda assim eu tenho que aturar isso, pois seria imprudente ignorar a bandeira acionada. Eu sei que o meu futuro é guardado como direito, mas não posso deixar-me levar por isso.

     —Preparei-me, é claro que eu me preparei, mas não importa o preparo, ainda é algo imprevisível. Eu aceito o destino e o amo, pois sem ele eu não conseguiria viver de todas as formas — retruco calmamente, não deixarei o Aurelius ter o que quer que ele queira aqui.

     —No final são sempre as vontades dos deuses a ser cumpridas das mais diversas formas, resta-nos nelas estarmos —finalizo meu pensamento.

     —Destino, huh, é o «Destino» que moldou a tua existência a ser assim?

     —Não sei se posso dizer que foi apenas ele, mas definitivamente ele tem seu papel.

     —Não se lembras da história de Cain e Abel? A existência deles no mundo foi moldada por um destino, um dado lançado, uma fortuna, uma sorte. Era só um deles não ter sido puxado primeiro que tudo seria diferente, só isso — eu comento.

     —Uma história é apenas uma história, não achas?— diz ele.

     —Não se sabe nem se os dois de fato existiram —Aurelius conclui.

     —É uma lenda, mas tem seu valor. Mesmo que a história nunca tenha acontecido, a moral por trás é inegável.

     E eu me apego a essa moral com todas as minhas forças. E eu preciso apegar-me a essa moral com todas as minhas forças ou se não…

     —Mas e quanto aos casos onde o destino não se fez por valor? Não é impossível nomear irmãos, por puro exemplo, que das mais diversas formas roubaram o destino doutro. Não necessariamente o direito do patriarca, mas dalguma forma ainda houve o roubo.

     «Não necessariamente o direito do patriarca, mas dalguma forma ainda houve o roubo.», tu falas sobre ti mesmo? Aurelius. E que tipo de exemplo é esse que tu me dás? Não me digas…

     —É como eu disse, não sei se ele é tudo, mas ele exerce influência inegavelmente.

     —Isso é típico da covardia, do comportamento de covardes — Aurelius pontua enquanto solta uma pequena risada.

     Covardia, covardes, eu. Essas palavras, quantas vezes eu já as ouvi? Eu sei disso, eu realmente sei, mas…

     —E O QUE… tu queres dizer com isso?  

     Por um momento eu quase deixo transparecer, mas no final consigo controlar as minhas emoções.

     —Alegar a existência de algo só quando me convém. Dizer que algo acontece só quando me convém. É um festival de negações e afirmações estúpidas que covardes adoram viver sobre.

     —Não só covardes, eu diria. Quaisquer inferiores no geral. —a bater solenemente suas palmas Aurelius afirma.

     —Por exemplo, no teu caso, foi convencional para ti o nascimento de 5 mulheres em sequência. Lucia, Valentina, Cecilia, Quinta e Alma, 5 belas garotas que nada poderiam fazer para alterar o teu destino.

    —Que bom! Não é? Meu querido irmão. Mas vamos apenas imaginar que após você um homem nascesse, será que o teu tão amado destino ainda seria válido?—em tom irônico novamente ele me questiona

     Essa extrema ironia e jocosidade parece ser algum tipo de estratégia do Aurelius, eu percebi isso. Não posso deixar-me levar por provocações bobas assim.

     E o que ele diz pode parecer um simples exercício de mente, mas eu reconheço a ideia por trás. Sempre agradeci aos deuses por ter tido tantas irmãs, não irmãos. Por mais fortes que elas sejam, nada poderiam fazer contra mim.

     Claro, uma delas por ódio ou inveja poderia acabar com a minha vida, tentar roubar para si o meu destino, só que isso não aconteceria. Mesmo que ela me matasse, seria morta em sequência. Não há um destino onde ela consiga safar-se ao mesmo tempo em que obtém o direito do patriarca.

     Ou melhor: é impossível para uma mulher obter o título de patriarca, não faria nem sentido algum atentado por parte delas. O próprio nome já diz, «patriarca».

     Mas e se meu destino fosse uma luta com um homem? E se eu precisasse disputar o destino com um homem? Se ele me matasse o direito dele seria, nada e ninguém tentariam impedi-lo nisso. Pois seria considerado justo, mesmo que feito do jeito mais torpe possível.

     E é por isso que eu agradeço o destino por estar onde eu estou, pois eu não confiaria em mim. Eu não consigo confiar em mim mesmo…

     A resposta para o que Aurelius perguntou é simples: eu não teria o meu destino.

     —É… sim, eu reconheço isso. Ao menos agora eu reconheço.

     —Embora não haja sentido pensar nisso, não quero viver no «E se» até mesmo em meu devaneio. Não tenho o luxo de pensar em algo que nunca será possível de acontecer — palavras vazias são ditas por mim na tentativa de alegrar-me.

     — «Nunca será possível de acontecer»? HAHAHAHA! —de repenteAurelius ri freneticamente enquanto cobre sua face com uma de suas mãos.

     Não consigo ver nada na situação, mas consigo escutá-lo em bom som. Ademais: consigo senti-lo em total sensação, isso tudo para mim é como uma provação contra um demônio.

     —… ?

     —O-O que estás a insinuar? Aurelius

     Não. Não, não, não me diga… Então era sobre isso, é por isso que ele veio aqui. Não, não. Não é possível. Não é? Por favor, diga para mim que isso não é possível.

     Ele não iria insinuar comigo mesmo a possibilidade dum roubo. Roubar-me? Ele iria? Eu… não sei, eu realmente não sei, eu não sei porcaria alguma sobre o Aurelius!. Essa conversa foi todo um prelúdio para ele justificar os futuros atos? Um anúncio dum desafio?

     Aquele sentimento de antigamente, mas de muito outrora mesmo, de quando eu ainda era uma criança, começou a fluir de maneira recente em minha mente. Toda aquela vivência, todos os sonhos que já tive sobre isso. A exata mesma angústia profunda que eu senti, a exata mesma tristeza que eu senti.

     Sinto-me jovem em 11 anos novamente. E novamente eu perderia algo para o Aurelius.

     Raiva toma conta de meu corpo e eu avanço diante ao Aurelius. De perto, finalmente, vejo a sua feição. E isso me assusta completamente.

     Aurelius possui uma bizarra face serena que é totalmente desconexa ao que conversávamos. A face dele era desconexa à tensão do momento. É como se para ele tudo isso não passasse duma brincadeira, dalgo corriqueiro.

     Então era isso que a luz da lua não conseguiu mostrar-me? Ver isso me irrita ainda mais, a fazer com que, então, eu o pegue pelo colarinho. A murmurar ódio, desgraça e xingamentos, mas nenhum deles se transforma em palavras.

     —AURELIUS, TU NÃO IRÁS, EU NÃO… EU NÃO DEIXAIREI!

     —Ora?— com uma calma perfeita e eclesiástica ele se expressa.

     —«ORA?!»

     —Estás certo de que sou eu quem deve escutar tais promessas chulas?

     Novamente, eu não entendo o que está a acontecer. Não consigo compreender o que Aurelius quer dizer.

     Aurelius ri novamente, solta-se das minhas mãos e anda para fora do quarto, como se nada houvesse acontecido. Minha única alternativa é segui-lo, mas antes disso eu troco rapidamente as minhas roupas de cama para roupas convencionais.

     —Por que eu faria algo assim com meu querido irmão? Seria uma maldade sem-par.

     —Ser patriarca da família a matar seu próprio irmão? Que maldade! Que desumano! Eu não poderia! Não há nenhum bom motivo para realizar tais atos nefastos!o diabo irônico continua a pestear.

     —AURELIUS! — grito com ele na tentativa de fazê-lo parar.

     —Vejo que me conheces pouco, Lucius.

     Aurelius continua a andar, mas agora a descer a escadaria e a chegar ao rol de entrada. Ele anda despreocupadamente. Para ele nada que acontece aqui é realmente importante, é o que eu sinto no momento.

     —Por que eu gostaria de prender-me a um título inútil que no final apenas me manteria preso a essa província?

     —Não é isso que eu quero para mim, não é isso que o mundo reserva para mim.

     —CONTUDO…—Aurelius aponta com seu indicador para o céu prateado duma bela Lua cheia.

     Após isso, ele finalmente para de andar e se vira para mim. Já nos encontramos fora do palácio e sem percebermos estamos no pátio, perto do campo de treinamento.

     Espadas, lanças, pesos e todos outros tipos de armas estão em sua volta. Se o que ele quer é uma luta, então este é o lugar perfeito para isso.

    —A única existência capaz de mudar teu destino não é única, Lucius, não é apenas eu —ele continua.

     —Como assim?

     —Desta maneira: eu não sou o único homem neste mundo, igualmente, não sou o único que se beneficiaria de sua queda — Aurelius diz enquanto abre ambos os braços em direção ao céu, como se estivesse a receber alguma mensagem ou bênção da Lua.

     —Não sabes? Pobre Lucius…

     —Uma coalizão de nobres está a ser feita na capital. Ao exato momento em que tu ascenderes ao posto de patriarca dos Conflagratus, desencadear-se-á uma guerra sem proporções.

     Santo Humanitas…

     — Não, não, não pode ser… — lamento e nego ao ouvir.

     —É inevitável, milhares irão morrer. Não somente de nossa província, mas infelizmente da nação inteira. Civis, militares, magos e não magos, mulheres e crianças. Fortes e fracos.

     Ao ouvir suas palavras as minhas batidas perdem ritmo e potência. Suor desce por minha testa e minhas mãos esfriam. Minhas pernas perdem a força, eu sinto vontade de cair em total lamúria, mas eu ainda consigo manter-me em pé ao utilizar do resto de meu espírito. Isto é um pesadelo.

     Aurelius contou que meu pior pesadelo está prestes a acontecer. E ele contou tudo isso a rir, sossegado.

     —E sabes tu por que tudo isso? Lucius. Eles não concordam com a ideia e a existência de nossa família. Marqueses, a eles, não devem existir em tempos de paz.

     O que Aurelius diz faz sentido. Uma das maiores preocupações de nosso pai nesse momento era assegurar a posição da Domus Conflagratus como marqueses.

     Ele sempre me dizia o quão isso era importante e que ele iria ajudar-me a resolver essa pendência, que ele iria resolver essa questão dalgum jeito para mim.

     Mas… aparentemente ele não conseguiu. Não há melhor hora para nossos inimigos tomarem nossos privilégios do que agora. Não seria exagero que esse é um momento onde até mesmo o poder de nossa Domus seja minado.

     O motivo de tudo isso é simples: eu sei que sou fraco e eles também. Só que, só que, só que, só que…!

     —M-MAS ISSO NÃO É MINHA CULPA! NOSSO PAI DISSE QUE IRIA EVITAR ISSO, E-ELE DISSE!—retruco enquanto ando com minhas mãos enfiadas nos meus cabelos. Mesmo que eu tente controlar-me agora, é fútil.

     —Huh?

      Aurelius fecha a cara imediatamente ao ouvir-me.

     —Para ti o mundo se movimenta em tal engrenagem? Por acaso és uma criança necessitada de amparos e ajuda de seu papai?— eu sinto o desprezo na voz do Aurelius ferir-me.

     —Isto é patético. O pequeno e covarde Lucius que busca o seu papai para resolver seus problemas.

     —NÃO! TU ESTÁS ERRADO!

     Fraco, pequeno, covarde, inútil, descaído, baldio. Todas são palavras, adjetivos de minha existência, que apesar de ninguém nunca ter proferido, é o que seus olhos sempre me apresentavam. Desde sempre.

     Só que mesmo a ser isso a verdade, é uma verdade que eu não suporto, que eu não reconheço. Faz-me odiar.

     Ódio e tristeza permutados, eu já não me sinto bem, não posso dizer que eu estou em mim e são. Isso é tudo um pesadelo, não é? Não terá consequência alguma não importa o que eu faça aqui, não é? Por favor, diga-me que isso irá acabar quando eu acordar. Eu, eu… não consigo.

     —Estou eu errado? Mas que chacota, Lucius, tu és uma chacota diz Aurelius enquanto se aproxima de mim.

     —N-Não se aproxime, Aurelius!

     Mesmo que seja a verdade. Mesmo que seja a verdade…

     —Lembras tu da maneira em que iniciei nosso encontro? «Há algo que precisa ser conversado», mas por que eu disse isso?

     Mesmo que não seja tua culpa, Aurelius.

     —Porque eu te conheço, eu te vejo, eu te ouço, eu te observo — Aurelius dá pequenos passos em minha direção. A sua voz é cortante.

     Mesmo que não seja tua culpa, eu ainda te odeio. Eu te odeio odeio odeio odeio odeio odeio ODEIO! Todas as vezes que me compararam contigo, todas as vezes em que desprezaram por ti, todas as vezes que eu mesmo me inferiorizei diante a ti…

     E só consigo pensar em uma maneira de extrair meu ódio. Alguém precisa receber o meu ódio.

     Na medida em que Aurelius se aproxima lentamente, eu murmuro a conjuração dum feitiço.

     Minha mão clama pela quintessência em minha volta e eu a atendo. Os sentimentos em meu coração combustam em ódio e eu os atendo.

     A luz branca que há pouco se envolveu em minha mão agora rejeita a sua pureza cândida, transforma-se num elemento: seco, quente e vermelho. Ignis.

     Aurelius continua a aproximar-se, é como se ele não tivesse percebido o início de minha conjuração, ou se tivesse escolhido ignorá-la completamente… Ele nem sequer se importa com o meu poder mágico e isso é apenas mais um fator que alimenta o meu ódio.

     —E é exatamente por isso que eu sei o quão covarde e incompetente tu és. CO-VAR-DE!—Aurelius profere o que eu mais odeio a rir, ele faz questão de destacar uma palavra.

     Ao ouvir tais palavras o vermelho em minha mão se avermelha e brilha ainda mais. Eu sinto a chama queimar mais do que nunca. Tudo isso forma um círculo vermelho com a planificação de um tetraedro inscrito, os números divinos de I a VII em sua volta. É o círculo mágico do elemento de fogo.

     —AURELIUS! NÃO DÊ NEM MAIS UM PASSO!— exclamo em alto e bom som. Isto é uma ameaça.

     —Por quê?—cinicamente ele me pergunta.

     Ele continua a andar em minha direção, sinto-me encurralado mesmo a ser o único que prepara uma magia no momento. Por que eu me sinto assim?! Eu não tenho mais escolha, ele me obriga a isso, é tudo culpa dele! Fecho os meus olhos e brando:

    MEDIUS-IGNIS: [QUEIMAÇÃO]!

     Uma rajada de fogo ardente sai de minha mão direita. Quando reabro os meus olhos para ver o resultado de minha magia encontro Aurelius paralisado onde ele se encontrava na última vez que o vi.

     Eu o acertei? Sim, eu o acertei. A roupa em seu peitoral está chamuscada e apresenta um buraco, mas ele não apresenta nenhuma alteração em seu aspecto, em sua expressão.

     E ele… não desviou? Por quê? Ele podia facilmente fazer, mas mesmo assim não o fez.

     — É isso? Lucius…

     — … ?

     — É SÓ ISSO QUE TU TENS? LUCIUS. UMA MEDÍOCRE MAGIA DE NÍVEL INTERMEDIÁRIO? ÉS TU ALGUM TIPO DE MAGO INICIANTE? A MERDA DUMA CRIANÇA QUE ESTÁ A APRENDER MAGIA?! — inconformado Aurelius grita enquanto olha furiosamente em meus olhos. Seus olhos carmesins brilham como rubis.

     — E-Eu não… eu não queria machucá-lo gravemente!

     Aurelius ri incontrolavelmente após ouvir-me.

     — Lucius, Lucius, Lucius… Até mesmo nisso, Lucius, até mesmo no teu ataque feito por ódio tu és covarde. Não queria machucar-me? Então qual é o motivo de lançar uma magia? Magias ou matam ou protegem, sei que tu sabes isso. Todavia, até mesmo a tua intenção de matar era fraca e covarde. Justamente como a ti.

     Fraca e covarde. Fraca e covarde. Fraca e covarde. Fraca e covarde. Fraca e covarde. Fraca e covarde. Fraca e covarde. Fraca. E. Covarde.

     Neste momento eu me perco. Não é mais sobre ódio, amor ou medo. Muito menos sobre o rito de patriarca, os Conflagratus ou a guerra iminente. É só sobre mim e o Aurelius.

     Eu só quero fazer Aurelius sofrer como eu sofro.

     Preparo outra magia, desta vez de maior potência. Crio um círculo mágico maior do que o de outrora em minha frente. Meu alvo é o Aurelius parado a esperar a minha ação.

     Eu irei fazê-lo arrepender-se de todas as palavras que acabou de dizer.

     — PROVECTUS-IGNIS: [HÁLITO DRACÔNICO]!

     O corpo dum dragão em chamas aparece pelo meu chamado. Seu torso se assemelha ao torso duma cobra gigante, sem asas ou garras, pois ele é um wyrme. Carmesim perfeito é sua cor, horizontalmente ele avança ao seu ataque.

     Desta vez, se ele resolver aparar o ataque com seu próprio corpo, o dano será alto. É uma magia de nível provectus, afinal.

     O dragão avança, a alcançar uma distância risória de sua face. Já é impossível dele desviar.

     — Basic-Aer: [Sopro] — Aurelius diz suavemente um feitiço e um círculo amarelo com a planificação de um octaedro inscrito aparece em sua frente.

    Num simples ato de mágica, o dragão que avançava em linha reta subitamente sobe aos céus e explode. Mas o quê… mas o que aconteceu aqui?

     — N-Não, não é possível…

     Aurelius com uma magia de nível básico conseguiu anular um de meus feitiços mais fortes, mas esse não é o ato grotesco da situação. É algo além disso.

     «Aer», Aurelius usou um feitiço de um elemento que não é do cérvix de nossa casa. «Conflagratus e Ignis» são considerados sinônimos e não «Conflagratus e Aer». COMO? COMO? COMO?! Isso sequer faz sentido!

     Aquele amiguinho dele o ensinou? Sei que ele é especializado nesse elemento, mas mesmo assim! Não é matéria tão simples aprender um elemento novo. É algo que requer muito esforço e entendimento mágico de antemão.

     Não é possível que ele tenha aprendido outro elemento apenas assim, não é possível. Anciões passam muitas vezes a vida inteira para tentar aprender outro elemento e mesmo assim falham miseravelmente.

     Isso é algum sinal Divino? São os deuses a dizer-me o quão incompetente e fracassado eu sou, que eu devo simplesmente entregar o meu destino para o Aurelius? Mas. Que. Raiva. Eu. Sinto. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

     Começo a conjurar um feitiço de fortalecimento, sinto meu corpo pegar fogo e brilhar em vermelho, posteriormente conjuro mais dragões, pouco me importa agora se não é recomendável a um mago conjurar tantos feitiços Provectus duma vez só em um curto período de tempo.

     Eu só quero causar dor. Mesmo que isso custe minha capacidade de usar magia pelas próximas semanas.

     — MEDIUS-IGNIS: [INTRALUME II], PROVECTUS-IGNIS: [HÁLITO DRACÔNICO], PROVECTUS-IGNIS: [HÁLITO DRACÔNICO], PROVECTUS-IGNIS: [HÁLITO DRACÔNICO]!

     Solto mais 3 dragões, sinto-me zonzo por conta da quantidade de quintessência gasta em segundos.

     Aurelius habilmente desvia do primeiro dragão com um pequeno salto para o lado, contudo eu adicionei um atraso de tempo entre o primeiro e os últimos. Isso complicará as cousas para ele.

      — Basic-Aer: [Sopro]

     O mesmo feitiço e a mesma solução, mas desta vez o resultado é diferente. Aurelius desvia o trajeto do segundo dragão, contudo isso faz com que haja uma colisão entre os dois dragões que termina numa explosão de fogo.

     — Ah, inferno! — Aurelius se expressa.

     A explosão fez com que um corte de fogo atingisse o antebraço esquerdo de Aurelius, o corte não aparenta ser relativamente profundo, todavia sangue começa a vazar de suas veias.

     — Consegui… — celebro com uma animação contida.

     Ao menos um pouco, ao menos um pouco de sangue Aurelius derramou por ter me insultado. Isto é justiça!

     — Hahaha… Tu te divertiste, não? Agora é a minha vez, melhor proteger-se disso — Aurelius me avisa ao preparar seu feitiço.

     Merda.

     Imediatamente após seu aviso eu começo a conjurar um feitiço básico de proteção de æther. Um? Não, medo toma conta de minha mente e começo a incansavelmente a conjurar feitiços de proteções.

     Basic- Æther: Escudo, Basic- Æther: Escudo, Basic- Æther: Escudo. Não, eu sei, feitiços básicos não me protegerão agora, mas eu estou quase a perder a consciência devido ao uso excessivo de quintessência, não conseguirei fazer mais que isso…

     Em resposta a cadeia de feitiços o meu corpo brilha em um tom branco repetitivamente na medida em que eu os conjuro.

     Conjuro todos mentalmente para poupar tempo a sacrificar seu poder, mas deposito minha fé que a utilização de vários ao mesmo tempo me fornecerá uma maior proteção do que se eu tentasse conjurá-los verbalmente.

     Enquanto eu me preparava pude ver Aurelius com seu dedo indicador apontado para mim. Seu olhar era confiante e penetrava o meu corpo. A quintessência em sua volta se torna visível e concomitantemente toma a cor amarela como sua, era a prova viva que ele dominava o Aer.

     A levantar seu dedo para cima e depois a voltar para posição horizontal ele finalmente conjura seu feitiço.

    Basic-Aer: [Tiro aéreo].

     Uma pequena esfera amarela voa em minha direção, não há nada que eu possa fazer além de aceitar o meu destino. O disparo me atinge em cheio no meu peito. Caio frontalmente de cara ao chão de terra.

     E é isso que eu ganho por tentar fazer algo que não posso… É isso que eu ganho por desafiar alguém que é muito mais forte que eu. O irmão mais novo mais forte que o mais velho, que patético… Eu sou realmente patético…

     Mas… espera. Eu não senti nada, não senti dor alguma e muito menos um impacto. Eu só caí porq-

     — É, eu realmente ainda não sei usar feitiços Aer proficientemente assim. Preciso treinar mais. — Aurelius interrompe meu pensamento.

     — Ora? Estás a desmaiar? Deixe-me falar algo antes disso.

     Aurelius anda em minha direção e se agacha.

     — Dá-lo-ei a solução para isso tudo, Lucius. Como eu sou bonzinho! — ironicamente, até o último segundo, ele comenta sobre si mesmo.

     — A solução é: morte. Ou tu irás matar todos esses nobres revoltosos ou tu irás matar a si mesmo. Simplesmente assim.

     Aurelius me conta algo terrível, mas com uma voz calmíssima. É como se para ele a morte dum ou de vários fosse trivial, um evento qualquer.

     Aurelius se levanta, eu tento olhar para ele, mas já me encontro sem forças por tudo o que fiz há pouco. Eu pateticamente desmaio sozinho no pátio.  

    Se ao menos eu fosse mais forte…

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