Capítulo 5 – Homens precisam de amigos por perto, mulheres: também – parte 1
Ao andar em direção à escada no final do corredor eu consigo ver a figura da Beatrix. E seria impossível de não vê-la, seus longuíssimos e belos cabelos castanhos em tom ruivo chamam a atenção de quaisquer uns.
Ela tem a sua mão no corrimão da escada, a observar algo, suas unhas esmeraldas, com exceção da alva unha do seu dedo anelar, batem no corrimão em sequência a produzir um som eloquente.
Impaciente? Irritada? Não, não. Apenas a observar a Valeria em seu deslocamento diário diante à biblioteca. Uma atitude típica, por ambas as partes, de fato.
Se bem que podemos dizer que Beatrix está realmente irritada, observar a Valeria para ela é um grande motivo de irritação diária…
— Ugh. Essa garota… — resmunga Beatrix.
— O que há? — comento ao ouvir suas queixas.
Beatrix se vira a mim, ela se queda brevemente espantada. Não obstante que a minha presença não a interrompe de expor a continuação da sua crítica.
Uma mulher que não tem medo de expor sua opinião, gostos e desgostos. Isso é bom ou ruim? Deixo-vos responder, aqueles que isto lê.

— Quando ela não está a ser educada pelas tutoras do palácio, ela está enfurnada naquela biblioteca.
— Não me recordo de nenhuma vez sequer onde ela interagiu, ou melhor, eu sei que ela é incapaz de fazer isso. Não me recordo dela sequer tentar interagir comigo, com as tuas irmãs e principalmente contigo — Beatrix a critica severamente.
— Não acho que isso seja algo necessariamente ruim. Cada um tem seu próprio jeito, não achas? — tento acalmar a fera vestida de carmesim.
— Tu és muito leniente com ela, Aurelius.
Leniente? Não, não diria isso. Apenas sei que livros podem ser extremamente úteis e importantes para a evolução dalguém. Não somente livros, uma boa educação em geral é algo lúcido.
Mas, Valeria… Valeria vive no palácio desde quando ela tinha 10 anos. Ela foi entregue por seus pais a fim de ser completamente educada nas artes nobres no nível dum marquês.
E eu devo afirmar que faz sentido o que eles fizeram. O que nós podemos proporcionar a ela é muito maior do que meros condes poderiam oferecer para a sua única e amada filha.
O título de «Marquês» não é superior hierarquicamente ao título de «Conde» apenas por uma questão de capricho entre nobres, a distância efetiva é um total outro mundo.
Magia, etiqueta, música e todas as outras demais artes liberais. Podemos proporcioná-las em níveis equiparado aos níveis de educação de príncipes e princesas, contudo é infeliz dizer que ela nunca demonstrou muita proficiência em nenhuma dessas artes.
Principalmente na arte mágica, a dádiva mais importante que uma pessoa deve ter é indubitavelmente a sua capacidade mágica.
Em um mundo onde a magia é o principal parâmetro entre humanos e nações para definir superioridade e submissão, Valeria é fraca. Torna-se, assim, submissa para todos.
Se não fosse o suficiente ela ter por natureza um elemento inferior, a sua proficiência com o elemento Terra é quase nula.
Alegro-me em dizer, como uma consolação, seus poemas e prosas me são deveras agradáveis. É uma consequência da sua eterna estadia na biblioteca e sua paixão por livros. Um dom artístico do qual ela pode dizer orgulhosamente que possui.
Já a Beatrix por cá vive há muito mais tempo, desde quando ela nasceu para dizer de modo mais justo. Ser uma verna advinda da casa de Vulpinus é o motivo.
«Verna». Um tipo especial de escravidão chamada de «Contractus» e feita entre nobres: um de alta hierarquia nobiliárquica e outro de baixa hierarquia nobiliárquica a fins estratégicos e políticos.
É benéfico a ambos, um recebe serviços de pessoas competentes e outro recebe proteção contra abusos de casas maiores.
A despeito de oficialmente ser considerado um espécime de escravidão, na realidade é mais como um simples acordo de proporções monumentais e tempo indefinido.
Os Vulpinus não são os únicos vernae que servem a nossa casa. Há vários outros, doutras casas, que também possuem um contrato conosco, a trabalhar no palácio ou em outras posses de nossa família.
A factual diferença é que os Vulpinus são como um «conselheiro» para nós, enquanto as outras casas trabalham em cousas mais simples e sem impacto. Tal como as diversas empregadas e servos que são vistos por todo o palácio.
De certa forma é possível dizer que os Vulpinus estão aos Conflagratus da mesma forma que os Marinus estão aos Primus. É uma relação longínqua e harmoniosa.
A família da Beatrix é uma Domus de viscondes, um nível baixo de nobreza, então para eles se tornarem nossos vernae é um ótimo negócio. Eles não teriam muitas oportunidades na vida doutro jeito.
Todavia, apesar do que eu disse, diferentemente da Valeria, Beatrix é o que chamamos de nobre exemplar. Ela soube aproveitar cada segundo da sua educação marquesa.
Um domínio sublime de magias do elemento Aqua, um porte e presença esbelta, domínio da pintura, caligrafia, magia, música e quaisquer outras artes que tu possas pensar.
O contraste entre as duas, esse contraste tão severo, é o motivo do desprezo perfeito que a Beatrix sente? Provável. Ter raiva por alguém «menos capacitado» ocupar uma posição superior a tua é uma natureza humana simples.
Eu realmente sei o que devo fazer sobre isso, mas será que devo? Tomar partido de situações sem pensar muito previamente é estupidez.
Seria agradável a todos que a Beatrix tratasse a Valeria de forma mais amigável, contudo eu não posso obrigá-la a realizar isso contra a própria vontade. Mesmo por ser a Beatrix minha verna e a Valeria a minha noiva.
Relações humanas… tão complicadas, desde o passado há pensadores que tentam decifrá-las e nem por isso conseguimos entender de nós mesmos. Enfim.
— Vamos, esqueça isso, Beatrix, é bobagem. Agora, onde está o teu irmão? Quero conversar com ele.
— No campo de treinamento a treinar suas habilidades com lança, oras. Onde mais ele poderia estar? — Beatrix ri gentilmente, a ter a sua mão a tampar sua boca, como se tivesse escutado algo bobo.
E talvez tenha sido bobo mesmo, onde mais ele poderia estar? Ele vive nesse bendito campo de treinamento.
— Desde que ele voltou do Instituo Magia ele parece estar mais focado ainda em batalhas — Beatrix complementa enquanto repousa seus braços ao corrimão.
— Era de se esperar. O ambiente de lá deve ser algo bem diferenciado, acredito que qualquer um ficaria como ele ao menos um pouco. Obrigado, Beatrix — despeço-me dela e finalmente começo a descer a escada.
Beatrix sorri e acena para mim, a trocar sua despedida comigo. Só que diferentemente de mim, ela aparenta querer continuar um pouco mais ali. Pensar sobre a vida? Talvez.
O campo não é tão longe donde estou, então não preciso ter pressa alguma para isso. Uma breve caminhada é o suficiente para isso.
— No campo de treinamento, é? — comento sozinho.
Eu compreendo. Afinal, já passei bons tempos a treinar da mesma forma. Só que tu não precisas ser nenhum aficionado de magias, batalhas ou treinamentos para compreender isso também.
Apenas imagina tu aprenderes diversas cousas relacionadas à magia, cousas que outrora nunca pensaste como possível ou nem sequer as imaginaste, todavia agora tudo isso se torna real.
E mais: estás cercado de diversos outros magos talentosos que estão a competir pelas glórias futuras que o mundo pode oferecer.
Quem não sentiria um espírito competitivo surgir do próprio âmago? Além de quem se encontra morto, apenas amantes do pecado da preguiça. — O Instituo Magia é realmente, realmente, diferenciado…
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