Capítulo 26 – Patria potestas – parte 5
Já se passaram boas horas desde o momento em que cheguei ao palácio. E mesmo assim nenhum sinal de Lucius.
Eu fiquei por um bom tempo na frente do pórtico e nada. Mesmo se ele estivesse atrasado já era para ter chegado. Mesmo que ele tenha feito alguma outra rota mais demorada ainda… Não é possível que sua reabilitação demandou tanto tempo assim.
Isso me deixa inquieto. Não somente eu, deixa todos preocupados e ansiosos com a situação.
Os nobres que estão no palácio já estão entediados e igualmente inquietos.
Não importa o quanto de música tu toques, o quanto de comida tu ofereças, o quanto de conversas tu fales ou o quanto de mulheres bonitas tu tenhas para mostrar. Esperar por tanto tempo algo é extremamente aperreante.
E aqui na sala reservada aos Conflagratus, o cenário não é diferente. Há uma aura de preocupação e tédio palpável.
Por sinal, Alma e Quinta até mesmo saíram daqui. Foram para a capital passear e zaranzar, ver se encontravam algo mais interessante ao momento do que ficar a esperar por alguém.
Flavia tentou impedi-las, mas no final acabou a ceder e a deixá-las ir. Em uma situação normal isso seria impossível, mas ao considerar que elas «se comportaram» por tanto tempo e mesmo assim Lucius não chegou…
E apesar delas terem saído, elas voltaram antes mesmo de Lucius chegar.
Cecilia conversa com Flavia no momento, provavelmente a tentar acalmá-la. Flavia parece estar desesperada. Lucius, meu pai, também.
A atitude de um patriarca que reflete a situação, o total desespero da situação iminente…
Lucia e Valentina saíram também, mas no caso ainda permanecem no palácio. Se eu não me engano, elas foram conversar no jardim.
Eu também não tenho o que fazer, já saí e esperei no portão, já conversei com outros nobres, já conversei com Beatrix e Milan. Fiz tudo isso e mesmo assim o tédio permanece.
Se eu soubesse que iria ser tão demorado teria pegado algum livro na biblioteca antes de vir para cá.
Eu mandei uma carta para os Primus,mas se Lucius nem dar notícias ficará um clima estranho.
— Uááa! — um bocejo-mor do reino dos bocejos se manifesta.
Esta noite eu dormi bem, tive minhas 8 horas de sono como de costume. E mesmo assim o sono ainda me ataca. Tédio e sono são parceiros de longa data. Mesmo que eu ainda esteja inquieto.
Não vai ter problema algum eu dar uma descansada agora, não? Dormir é uma das melhores formas de passar o tempo…
Eu me ajeito no sofá, fecho os olhos e começo a dormir.
Espero que as cousas já tenham se ajeitado quando eu acordar.
— Aurelius! Aurelius! IRMÃO! ACORDA! — ouço uma voz chamar pelo o meu nome enquanto me balança pelo braço.
Quem me acorda é a Cecilia. Acho que não dormi por muito tempo, uma meia-hora no máximo. Por que tamanha algazarra para acordar-me então?
— Um mensageiro chegou, ele diz que é uma mensagem importante para todos os Conflagratus — Cecilia me conta ao atestar que eu estou de fato acordado, diz tudo isso sem o tom tão alegre que ela geralmente tem. Acho que até mesmo ela se sente cansada e entediada às vezes.
Mensagem importante? Se eu fosse apostar, seria que haverá o cancelamento do evento de hoje, pois nem sei se há mais tempo para realizá-lo.
O rito de patriarca não é algo tão simples ao ponto de ser realizado em instantes, é algo metódico, tradicional e simbólico.
Ele começa com a chegada célebre acompanhada de músicas, cavalos e outras cousas. A terminar com um discurso dotado de brio do futuro patriarca para todos os presentes, a fazer com que reconheçam sua capacidade e compreendam totalmente a sua mente.
Mas a ter se passado tanto tempo assim, não sei se iriam quebrar o protocolo para descartar os passos e apenas realizar o discurso final de qualquer forma.
Escolher entre a vergonha de cancelar um evento após ter chamado diversos nobres influentes e que definitivamente não comparecerão novamente na possível próxima realização…
Ou escolher a vergonha de quebrar a moda, quebrar os passos do rito dum… bom, dum RITUAL.
De quaisquer formas o dia de hoje já foi um desastre, não há nada pior para nós que possa acontecer mais.
É isso que acontece quando algo importante é feito no capricho de um único só ser. Era óbvio que alguma cousa de errado aconteceria. Talvez isso seja um capricho dos deuses contra a nossa Domus.
Levanto-me do sofá e vou, com a companhia de Cecilia, para o centro da sala onde o mensageiro se encontra.
— Senhores e senhoras, eu peço perdão por adentrar vosso recinto e privá-los de suas intimidades — o mensageiro começa a discursar com toda sua formalidade em prática.
— Todos os marqueses e marquesas de Conflagratus se encontram no exato momento a cá? Reitero: é uma notícia de extrema importância para todos dessa ilustre Domus.
Lucia e Valentina não se encontram aqui, talvez no quintal ou no jardim dos fundos no palácio? Lucius está sentado a tomar vinho, mas não aparenta dar nenhuma atenção para o mensageiro. Será que ele simplesmente já aceitou o fracasso do rito?
— Cecilia, querida, tu poderias ir chamar as tuas irmãs a fazer um favor? Elas estão no quintal — Flavia demanda um favor a Cecilia e confirma a minha suspeita da localização das minhas irmãs.
— Tuuudo beem! — Cecilia responde, aparentemente ela já retomou o estado de emoção típico dela.
— Ai, ai… espero que seja a notícia a dizer que podemos ir para a casa, não aguento mais esperar aqui. Quero ir logo para casa relaxar no banho, jogar latrúnculo e dormir! — Quinta se aproxima de mim e diz seus desejos.
— Água e comida não queres? — pergunto a ela em um tom jocoso.
— Agora não.
Cecilia aparece com Lucia e Valentina atrás delas, finalmente todos os Conflagratus estão presentes.
Ao ver que todos estão presentes o mensageiro se ajeita, pega da sua bolsa uma carta para pronunciar a tão aguardada mensagem.
— … ! — o mensageiro não diz nada verbalmente, contudo sua expressão diz tudo: total espanto.
Todos nós percebemos sua reação. Até mesmo Lucius que estava a pouco importar-se levanta da cadeira e deixa a taça de vinho ao lado.
— O que há? — pergunta Flavia.
O mensageiro nada responde novamente, engole sua própria saliva e ajeita seu colarinho. Ele irá finalmente falar.
— Bom…. éeee…, sim, sim… F-Foi… — o mensageiro titubeia e gagueja.
— Caham… Foi reportado há algumas horas por alguns viajantes o descobrimento de uma carruagem destruída perto da estrada principal que liga a província de Conflagratus com a capital real. A carruagem aparentava ter sido atacada por feras mágicas de grande porte.
— Adjunto com a carruagem quebrada havia corpos de soldados, corpos esses que também apresentavam as mais diversas marcas por parte de monstros. A indicar que foram atacados pelas feras mágicas anteriormente citadas.
— Não obstante, também foi reportada a presença de um corpo vestido com vestes nobres e valiosas, junto com outros pertences…
Todos na sala começam a compreender o que aconteceu. A expressão despreocupada e confusa começa a ser substituída por uma face de angústia.
O mensageiro então para por um momento, como se não quisesse contar o resto da notícia. Ele olha para baixo e hesita, mas no final lê o resto da mensagem:
— Lucius Conflagratus Avitus, o primogênito da Domus Conflagratus… está morto.
— O-O q-quê?! — Flavia pergunta a tremer inteira, a não compreender a situação.
Ela imediatamente arregala os olhos e se torna pálida, sua cara é de choque. Olha para todos nós com os olhos a lacrimejar.
— Isso… é sério?! — Lucia pergunta descrente.
O mensageiro confirma com uma leve balançada de cabeça.
— N-Não, não pode ser… E-E-Eu… Lucius? O meu filho? Não, não, não… — Flavia balbucia e perde a força nas pernas.
Cecilia e Valentina a pegam antes dela cair no chão e a ajudam a sentar-se em uma cadeira. Elas também apresentam um olhar assustado, sem compreender a situação.
— C-Calma, mãe… calma, calma. E-Espera, n-não. Não é assim… — Cecilia diz a sentar ao lado de Flavia.
— Deuses… — Quinta diz enquanto começa a lentamente chorar.
Quinta talvez fosse a mais próxima de Lucius entre nós, ambos passavam bons tempos a divertir-se com jogos. E é por isso que ela é a segunda que mais sente o baque da notícia.
— Como assim monstros? Aquela área não tem monstros ou feras alguns, só pode ser um engano! — Alma protesta.
— SIM! Isso não faz sentido, deve ter sido um engano — Valentina acrescenta.
Há sentido no que elas dizem.

— Eu sinto muito, mas… é isso que a mensagem diz. Eu sei que vocês todos devem estar a passar por um momento horrível que eu nunca poderia imaginar, mas ele irá para um lugar melhor com os deuses agora.
— LUGAR MELHOR? MAS QUE DESGRAÇA DE LUGAR MELHOR É ESSE? COMO QUE É MELHOR A MORTE? COMO. A MORTE??? TU NÃO SABES O QUE ESTÁS A FALAR! — Flavia estoura em cólera pura, mas uma peculiar cólera triste. Seus olhos vazam águas salgadas na medida em que respira.
Essa é a primeira vez que a vejo gritar e expressar-se tão convictamente sobre algo e consigo compreender o porquê.
Quando alguém ente querido morre, quando uma pessoa próxima que tu se importas morre é algo trágico. Não há nada para pensar no momento além da sua própria tristeza.
E nesse momento não há nada que alguém possa dizer que confortará e será gentil para a pessoa que sofreu a perda. Principalmente frases com falsas empatias como «Eu sei o que tu estás a passar agora.» ou «Ele está com os deuses agora.».
Isso só a fará sentir mais raiva de si mesma e do mundo como um todo. «Eles me tomaram algo precioso, é culpa deles. É tudo culpa deles!». Quem é «Eles»? Bom, alguém no plural que deve tomar a responsabilidade pelo fato.
— E EU QUERO QUE TODOS ESSES MALDITOS DEUSES PEREÇAM NESTE MOMENTO, ISSO É TUDO CULPA DELES! EU NÃO ACEITO ISSO.
— Calma, mãe. Calma — Lucia diz para Flavia.
— Valentina, vá pegar um copo de água agora — Lucia ordena.
— C-Certo.
Lucia aparenta ser a que mais calma está na situação, talvez por ser a mais velha e experiente na vida ela sabe lidar com esse tipo de cenário melhor do que todos?
Ou talvez ela esteja apenas a restringir os próprios sentimentos no momento…
— Desculpa-nos, rapaz. Ela… é difícil o momento. Não leva isso a mal. Nem eu estou a entender algo no momento… — Cecilia diz com Flavia em seus braços a chorar. Ela também está com os olhos marejados, mas não chorou.
— N-Não, eu que me desculpo. Não devia ter dito o que eu disse. Desculpe-me, realmente, mil desculpas. Irei retirar-me, desculpe-me — o mensageiro ressentido pela situação e por suas palavras foge da sala. O ambiente é desconfortável a ele.
— Mãe! Olha aqui, um copo de água com açúcar. Tome, por favor — Valentina chega com um copo em suas mãos e oferece para Flavia.
Ao aproximar o copo perto de Flavia, o copo é brutalmente rebatido para longe com um tapa. A cair no chão e a espalhar água e pedaços de vidros por todo o tapete.
— EU NÃO QUERO ÁGUA! Eu só quero… — Flavia grita em prantos.
— Lucius… — com dor em sua voz ela cita o nome de seu primeiro filho.
— P-Pai! Fala alguma cousa! — Alma clama por ajuda na tentativa de anular o desespero da situação.
Pela primeira vez Lucius, o pai, é citado na conversa. Todos nós olhamos para ele, todavia isso faz com que nos surpreendemos com algo.
Lucius está sentado em sua cadeira, a balançar o vinho de sua taça em movimentos circulares a fim do cheiro de uvas preencher o seu espaço.
A indiferença dele nessa situação é assustadora e repugnante. Lucia se enfurece com a visão e vai em direção ao seu próprio pai.
— TU ENTENDES O QUE ACABOU DE ACONTECER AQUI? LUCIUS… ESTÁ MORTO! PARE DE TOMAR ESSA PORCARIA DE VINHO! — Lucia grita com seu próprio pai duma maneira fogosa. A segurar o seu braço ao ponto de fazê-lo ignorar o balanço do vinho no copo.
Todavia, mesmo assim, Lucius parece não ligar para nada. Não parece ligar para a morte de seu primogênito.
— PAI! — Quinta grita.
Um sentimento de revolta toma o coração de todos. Como que isso é possível? Neste momento, estar, calmo.
Flavia a ver a situação se levanta, a andar de maneira torta, sem norte, e vai para onde seu marido está.
Ela ainda está a chorar, mas agora ao menos possui a mínima força para manter-se de pé.
— PLAFT! — o som dum tapa ecoa por toda a sala.
A bochecha de Lucius toma uma cor carmesim.
Flavia deu um tapa na cara de seu próprio marido.
— Tu me… bateste? — Lucius pergunta calmamente à Flavia.
— Sim… Mereces… por que não reages? Por que não falas nada? Nosso filho acabou de… teu filho, meu filho, MEU.
Lucius então deixa sua taça na bancada e olha para a cara de Flavia. Ele finalmente sai de seu transe.
— HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! — uma risada é escutada por todos, Lucius ri sinistramente.
Ninguém consegue compreender o que está a acontecer, porque ele está a rir em uma situação tão desesperadora.
— Eu sabia que isso ia acontecer, eu sabia, eu sabia, eu sabia…
— Isso é tudo minha culpa, minha culpa, minha culpa…
— Eu sabia que não era hora, eu sabia que não era. Lucius não estava preparado para ser o patriarca, não era a hora para ele ser, não, não era, não era… — com lamento em cada uma de suas palavras Lucius age.
Flavia se assusta com o reagir de Lucius e se afasta dele. Lucia que também estava ao seu lado repete o movimento.
Era falsa a ideia de que Lucius estava fora de seu transe. O seu transe acabara de começar.
— Este é o meu castigo, meu pecado. Isso é tudo minha culpa, isso é tudo porque eu fui querer satisfazer meu capricho — Lucius começa a repetir palavras, a sussurrá-las de maneira clara.
— Mas, mesmo assim, eu não esperava esse desfecho. Lucius está morto? M-Morto? HAHAHAHAhahaha…
— Tudo está acabado, tudo. Meu filho morreu, morreu, está morto. Agora tudo está acabado, tudo, tudo.
— O que será dos Conflagratus agora? O que será deste evento agora? Nossa imagem… Lucia, essa informação, alguém além de nós sabe? — no breve instante em que ele recupera a sua racionalidade, Lucius pergunta.
— Em um momento como este tu estás a pensar no teu status e riqueza? — irritada com a fala de seu pai, Lucia reclama.
— Se alguém sabe eu não sei, mas irão saber em breve…Não tem como esconder isso — Quinta afirma.
— Quinta?! — Lucia olha para sua irmã mais nova com desprezo em seu olhar.
— Lucia, acalme-se. Mesmo que parece desumano, é a verdade. Agora que Lucius se foi estamos em uma situação delicada — Valentia coloca sua mão no ombro de sua irmã.
— Eu mesma não estou a compreender o que estás a ocorrer… — Valentina termina.
— Delicada?! — Lucia remarca.
—Lucia, minha filha, tu não entenderias… — Lucius retoma a sua ideia.
— Como eu «não entenderei» se tu não explicas nada?!
— A morte de Lucius será o estopim… o estopim para uma guerra de proporção nacional. Isto não é uma situação apenas sobre a gente.
— Guerra?! Como assim guerra? — Cecilia espantada pergunta.
— Agora faz sentido… Cecilia, tu não percebeste que o ambiente aqui estava muito arisco e agitado? — Valentina pergunta.
— Eu meio que percebi ou não, sei lá! Mas o motivo era «guerra»? Eu pensei que era algo relacionado ao próprio rito estar atrasado — Cecilia responde.
— Pois agora sabemos o motivo. Quando eu conversava com alguns dos nobres, principalmente de casas menores, eles demonstravam um nítido desconforto — Valentina exemplifica a situação.
Finalmente o assunto relacionado à guerra é revelado para todos.
— Mas, mesmo assim, por quê? Como que a morte do Lucius vai fazer uma guerra ocorrer?! — Quinta encucada com a nova informação pergunta.
— Acredito que deva ser relacionado à estranheza da situação. O futuro patriarca dos Conflagratus morrer na véspera do seu rito… Vai virar um problema e justificativa para uma guerra — Valentina tenta explicar.
— E agora? Pai, o que fazemos? — Cecilia pergunta para Lucius na espera de receber alguma solução.
— Hehehehe… agora nós choramos e aceitamos a decadência — a solução que Lucius propõe é desesperadora.
—Não, não. Mas espera. Qual é o objetivo deles? Talvez posemos dalguma forma negociar para evitar um desfecho trágico — Valentina pergunta.
— Eles devem querer a quebra dos benefícios relacionado a sermos marqueses, um enfraquecimento de nossa casa em suma — Lucia, agora um pouco mais calma, responde.
— Diria que é isso mesmo, Lucia — Lucius confirma a tese de Lucia.
— Certo, então podemos negociar isso dalguma forma, não? Pai, se a cerimônia não acontecer tu ainda serás o patriarca, tu podes dialogar com eles e a casa real — Valentina argumenta a tentar alcançar um pedaço de esperança.
— Não… eu não posso — Lucius trata de quebrar por vez o pequeno pedaço de esperança que Valentina buscava.
— Por quê?! Como assim?!
— Eu formalizei o pedido de minha aposentadoria e retirada do posto de patriarca dos Conflagratus. E o pedido para Lucius ser o próximo patriarca também foi feito, o rito de hoje apenas consuma tal fato.
— E isso não é algo que possa ser desfeito, de forma alguma não pode ser desfeito.
— De forma alguma? Tu não podes conversar com a casa real e pedir ajuda? Ou os Marinus? Eu sei que eles poderiam ajudar-nos.
— Valentina, eles nem sequer compareceram no evento de hoje. Eles sabem o que irá acontecer e estão lenientes com isso. Deve ser algo benéfico para eles também, não ter mais uma casa com tamanha liberdade como a nossa.
— E-E se a gente oferecer o nosso título de marqueses para evitar a guerra e nos tornamos duques ou condes? Isso não pode estar a acontecer, é um pesadelo! — Quinta diz apavorada.
— Isso seria um sonho, Quinta. O objeto inicial era rebaixar-nos da posição de marqueses, mas ao considerar a crise que acabamos de descobrir… eles nunca aceitariam negociar esses termos conosco, estamos claramente em uma posição inferior agora — Lucius explica a quebrar quaisquer vestígios de esperança no local.
— Como assim «posição inferior»?! Nós ainda somos marqueses! Os mais fortes do Império! Ainda temos muita posses e bens, como?! Simplesmente não pode ser! — com revolta nítida em relação à situação, Alma nega e nega.
— Do que adianta tudo isso se nem sequer temos um patriarca mais? — com uma simples frase, Lucia apaga o ímpeto de revolta da Alma.
— Por favor, pai! Faze alguma cousa! — Quinta demanda, a tentar dalguma forma sair de seu pesadelo.
— Fazer o quê? Quinta. Eu te disse, foi meu erro, meu pecado… Eu não posso fazer nada, perdi meus próprios direitos…
— Realmente não há nada que possamos fazer? — Lucia pergunta.
A situação é desesperadora. Nada aparenta ser uma possível solução, o que podemos fazer? É só aceitar agora o cruel destino? No final não passamos de marionetes em um mundo moldado pelo acaso?
Ao olhar para o rosto de todos no local é apenas isso que podemos concluir.
Humanos são assim. Suas emoções são ditadas por aspectos externos e internos de forma concomitante.
Recebemos sinais, símbolos, formas e então utilizamos de nossa capacidade mental para analisá-los e extrair a verdadeira informação que ele contém.
No passar de um segundo tudo muda, tudo pode mudar. O que chamamos de «destino» se concretiza e toma forma, a atuar de maneira inegável em nossa volta. E é isso que nos faz o odiar, talvez não só «nós», mas «todos nós».
E assim com a análise feita podemos adotar quaisquer tipos de comportamentos que são apropriados para a situação problema. Medo. Tédio. Amor. Angústia. Raiva. Nojo. Vergonha. Alegria. Tristeza. O que for cabível ao momento será o que chamaremos de postura.
Mas…
Qual comportamento é apropriado para essa situação? Eu estou a fazê-lo corretamente?
O comportamento certo desta ocasião é a lamúria? É aceitar o fracasso sem fazer nada? É chorar incondicionalmente?
Eu não aceito isso. Eu realmente não aceito isso. Eu nunca irei aceitar isso, não importa o quê. Essa é a minha responsabilidade, minha, somente minha.
Respiro e expiro algumas vezes a fim de tomar controle de minhas emoções no momento.
— Há algo que possamos fazer. Não, há algo que nós iremos fazer — eu interrompo o fluxo lamurioso da conversa a dizer palavras confiantes.
Todos olham para mim com olhares intrigados. Olhares cheios de esperança, mas concomitantemente amedrontados.
Eu preciso demonstrar extrema segurança e certeza nas minhas frases. Pois se assim eu não fazer, ninguém estará proposto a apoiar-me em minha ideia.
— Eu preciso que vós confieis em mim e ouçais o que tenho a dizer — eu digo a procurar fazer contato visual com todos, mas principalmente com a Quinta.
Quinta é a mais desesperada nessa situação, a que tem mais medo de perder seu status. Logo, ela será a maior apoiadora da minha causa que poderá salvá-la de sua queda.
— Diga. Não é como se nós tivéssemos outra opção agora… — Lucia comenta.
— Diga, Aurelius, diga! — Quinta se aproxima de mim com atenção.
— Eu tinha a informação da existência duma possível revolta dos nobres da capital contra nós. Foi esse o tema da, bom, conversa que eu tive com… Lucius — citar o nome dele assim cria um ambiente de empatia em todos.
— Eu disse para Lucius que ele deveria ser firme nesse assunto e não demonstrar fraquezas para os nobres, pois como as serpentes que são, atacariam.
— Tu sabias? — Lucia pergunta.
— Sim, eu descobri ao conversar com pessoas na capital no mesmo dia em questão.
— Então é por isso que houve briga… — Flavia comenta em tom baixo.
— Por isso eu fui implicante e talvez essa minha implicância que tenha feito o Lucius irritar-se comigo, a dizer isso agora eu sinto um arrependimento… — eu digo com um decréscimo em minha voz.
— Não diga isso, filho, tu não fizeste nada de errado — Flavia, mesmo que ainda triste, me consola.
— Sim, mãe. Isso não tem nada a ver com… ninguém esperava que… isso fosse acontecer… — Cecilia reafirma o que Flavia disse.
— Talvez vós estejais certas. Mas, eu ainda sinto culpa por isso. Eu exigi algo que eu não deveria. E quero dalguma forma concertar convosco o meu erro agora. É minha responsabilidade.
— E onde queres chegar com isso? Aurelius — Valentina me questiona.
— Não serei mentiroso ou falso, e eu entenderei se não quiserdes seguir meu plano. Pois é algo que definitivamente é benéfico para mim. Se é que podemos dizer que há benefício neste momento — eu anuncio de antemão a verdade.
— Eu quero tornar-me patriarca. Eu sei quem são os nobres revoltosos e sei como controlá-los. Por isso eu digo: confiai em mim.
Eu faço meu pedido. Como reagirão?
Todos começam a pensar, olham um para o outro e esboçam caras e bocas. Mas ninguém fala nada.
Eles devem calcular o risco. Oferecer-me o Patria potestas em troca de uma pequena parcela de esperança. Até que ponto isso é válido?
— Eu confio em ti, Aurelius — Quinta quebra o silêncio, é a primeira a apoiar.
— Até mesmo porque não há mais ninguém para confiar-se nessa situação…
— Eu também confio, Aurelius. Mas como tu pretendes controlar tais nobres? — Lucia me pergunta.
— De qual maneira nós controlamos um louco animal raivoso? — eu digo seriamente.
A reação de Lucia e de todos é de espanto. Eles compreendem o que eu digo, eles se assustam com o que eu digo, mas sei que neste momento eles aceitarão o que eu digo.
— Aurelius… — meu pai reage.
Será que ele irá opor-se a mim? Afinal, eu estou a tentar fazer algo que mudará a vida de todos da família. É quase como um capricho meu toda essa ideia.
— Tu tens certeza? Tu sabes que não é uma situação tão simples que podes simplesmente usar força bruta para obter o que queres, não sabes?
— É claro. Eu conheço alguns dos nobres que farão a possível revolta, sei exatamente o que poderia prejudicá-los ou o que pode convencê-los ao contrário — de maneira imperativa eu digo meu pensamento.
— Não sou algum bruto não pensante que age apenas pela força, tenho razão.
— Faça o que quiseres então. Eu só quero que isso tudo acabe logo — recebo o aval de meu próprio pai.
Cecilia reage. Ela se aproxima de mim e me abraça a chorar.
— A-Aurelius, por favor, não faças nenhuma loucura. Não agora. Não quero mais sentir o que eu estou a sentir agora — Cecilia se agarra em mim com força.
— Cecilia. Eu já disse isso mais duma vez hoje. Confia em mim — a abraço de volta a demonstrar segurança, passo a mão em seus longos cabelos.
— E se não der certo? Tu já pensaste nisso? — Alma me intriga com uma questão válida.
E se eu não conseguir parar a revolta? E se tudo der errado? E se houver uma guerra e todos nós morrermos?
Eu poderia dizer várias cousas para a Alma agora, palavras que confortem ou que demonstram esperança. Palavras animadas com significados calmos e bonitos.
Ou até mesmo palavras mentirosas que escondem a verdade. Só que não é isso que eu quero, realmente não é. Eu não quero esconder a verdade e eu sei exatamente o que devo dizer.
— Não irá, Alma. Não irá. E se der… Si vis pacem, para bellum.
— Uh… Certo, certo… Irei aceitar a tua resposta, estou contigo nesta! — Alma se conforma.
Ainda preciso da confirmação de duas pessoas, duas mulheres. Flavia e Valentina.
Flavia aparenta ser a mais pensativa sobre tudo o que eu disse. Ou talvez o estado de luto que ela se encontra a proíba de dizer quaisquer cousas neste momento.
Valentina está sentada ao seu lado, a esperar o que sua mãe irá dizer.
— Aurelius, melhor não. Tu não sabes o que estás a fazer — Flavia nega a minha proposta.
A primeira pessoa a contrariar-me é justamente Flavia. É-me uma surpresa ao mesmo tempo em que não é.
— Eu sei que tu és forte, mas nem tudo nessa vida consegue ser resolvido com a força de um punho. E mesmo que consiga, à qual custo será realizado? É melhor estarmos juntos do que mortos — Flavia pondera o que realmente irá acontecer.
O quão disposto alguém está para moldar a história em seu bel-prazer? O quanto alguém está disposto de sacrificar para moldar a história em seu bel-prazer?
Eu daria a minha vida por isso. Eu não quero ficar sentado enquanto o acaso maléfico vem até mim.
— O custo pode existir ou não, admito. Mas a questão não é essa. O que eu proponho é uma tentativa de confronto por influência, demonstrar que não estamos abalados ou fragilizados para sermos uma presa fácil.
— Agora, se não fazermos nada… será um atestado que estamos a esperar a nossa decadência e morte assim como um boi na fila de abate — digo enquanto faço um sinal de corte em meu próprio pescoço.
— M-Mas… isso pode ser uma guerra, justamente o que esses nobres tanto querem… O que acabou de acontecer! Quem me diz que não foram eles que orquestraram isso? Não é loucura pensar que eles são os responsáveis pela morte do teu irmão! Eu não quero mais que ninguém seja morto de nossa família — Flavia ainda nega a veracidade da morte de Lucius.
Foram os nobres insurgentes que mataram o Lucius? É uma possibilidade que não pode ser descartada, mas se for verdade é justamente por isso que eu devo agir.
— Se foram eles que fizeram tal barbárie, por que parariam agora? A morte de apenas um de nós será o suficiente para satisfazer seus fetiches absurdos? Não, não será. Nunca em minha vida eu desejarei uma guerra, por mais justa que ela seja, mas nunca em minha vida eu fugirei duma guerra, por mais injusta que ela também seja — afirmo com certeza.
— E eu sei que não irei morrer, ninguém da nossa família irá morrer — aperto os meus punhos e afirmo.
— Mãe, o que o Aurelius falou faz sentido. Apenas os deuses sabem o que pode acontecer caso a gente não resista e nos entregue a eles. Talvez aconteçam mais tragédias do que se tentarmos contornar a desgraça de hoje.
— O que temos de opção é apenas isso: acreditar nele — Valentina afirma a sua posição.
Flavia não se conforma, mas acaba por ceder e acena fracamente com a cabeça.
Finalmente todos me dão a garantia de agir e eu me torno de vez a esperança de todos deste recinto. Tudo sobre o futuro agora se encontra em minhas mãos…
— Agora, o que iremos fazer? Aurelius — Lucia pede por instruções.
— Iremos simplesmente continuar com o rito, ou melhor, finalizá-lo duma vez. Discursarei para todos.
Todos se surpreendem.
— Ora? Só isso? — Lucia fala com surpresa em sua voz.
— Por que a surpresa?
— Bom, pelo jeito que tu falaste eu pensei que irias fazer algo diferente e grande. Mas só irás ignorar a tradição e adiantar o rito.
— Às vezes os problemas mais complexos possuem as soluções mais simples.
E não há vergonha alguma nisso.
— Cecilia, Alma e Quinta. Eu quero que vós reunais todos os nobres que estão espalhados pelo palácio em frente ao palanque. Façam-nos sentar e esperar, por favor.
— Certo! — Irei fazer, mas não garanto nada… — Uhum — elas respondem em sequência.
— Lucia, faça o mesmo. Mas com os nobres que estão no quintal e arredores. Valentina arrume poções de quintessência para mim, umas 3 poções já estão de bom tamanho. Deve ter em alguma loja por perto.
— Certo — Lucia responde.
— Vou nem perguntar porque demônios tu queres poções de quintessência… — Valentina pontua.
— Pai. Flavia. Sentai na primeira fileira de antemão e dizei para todos, que são importantes a vós, para não sentar nas extremidades. Garantir a dignidade do evento é importante.
A ouvir-me eles acenam e se direcionam para ir.
Agora tudo o que resta é de minha responsabilidade, eu preciso garantir que meu plano seja concretizado, pois se não todas as minhas palavras fortes e confiantes de há pouco se mostrarão falsas.
Mas, ao ignorar isso, dar ordens deste jeito…
Isto é ruim…
Eu poderia viciar-me nisso…
É uma sensação boa.
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