Capítulo 101 - Milagres e Sacrifícios (9)
Essas coisas podiam não sentir dor ou cansaço, mas ainda tinham um corpo biológico vivo.
Essa era a única esperança de Tristan. Os Marcados haviam o perseguido por quilômetros, como bestas incansáveis. Mas ao contrário dele, seus corpos não eram banhados pela essência da Luz. Por mais que fossem resistentes, ele acreditava que seus músculos já estavam no limite.
A ravina ao seu redor era estreita. As paredes, formadas por rochas escarpadas e irregulares, pareciam derretidas, como se o terreno tivesse sido cortado por uma lâmina.
Tristan olhou para frente e, ao avistar as feras se aproximando, bufou.
O número deles agora havia aumentado para vinte.
Seu aperto no cabo da espada ficou mais firme. Só tinha um plano: economizar o máximo de essência da Escuridão possível, antes da chegada dos monstros maiores.
Mas, diante daquela quantidade absurda de oponentes, o plano soava como uma piada.
‘Uhm… talvez eu consiga matar o carneiro e o gato-das-neves se economizar energia agora.’ Pensou, rangendo os dentes. ‘Mas para isso, preciso eliminar todos esses macacos sem gastar nada.’
Sabia que era impossível. Mas não podia se dar ao luxo de desistir.
O primeiro Marcado saltou em sua direção. Um macaco de olhos mortos, pele cinzenta e braços desproporcionais. Sua boca escancarada exibia presas sujas e rachadas. Para os olhos atentos de Tristan, os movimentos da criatura eram lentos demais.
Ele girou o corpo, evitou o golpe do macaco e, com uma estocada precisa, perfurou sua garganta. O sangue roxo espirrou, e o cadáver caiu pesado no chão. Tristan o empurrou para o lado.
A força física dos monstros era muito superior à dele, ele só poderia contar com seu talento com a espada para sobreviver.
Três outros já se aproximavam. Eles hesitaram por um instante, encarando a lâmina de Tristan manchada com sangue, talvez uma demonstração de seus verdadeiros desejos. Mas esse brilho desapareceu logo. Voltaram a avançar como bonecos obedecendo um comando silencioso.
Tristan correu pelas pedras, usando a geografia da ravina para se esconder. Deslizou por entre fendas, contornando uma rocha maior e então surgiu atrás de um dos Marcados. Com um salto, usou a força das pernas para se impulsionar e cortar o tendão da perna da criatura. O corte foi profundo.
A fera se virou, sem emitir som ou expressão. Tentou se equilibrar, mas caiu de lado. Tristan se lançou sobre ela e, com um movimento limpo, rasgou sua barriga. O cheiro podre de suas entranhas se espalhou.
Os outros dois vieram correndo. Um tentou esmagá-lo com um braço, o outro com um chute. Tristan dançou entre os golpes, desviando com a precisão de um espadachim experiente, embora fosse apenas um amador. Tudo isso não seria possível sem as mudanças que o cultivo da Escuridão causou em seus sentidos.
Quando teve espaço, cortou o joelho de um deles e, em seguida, cravou a lâmina entre suas costelas. Girou o corpo, desviou da investida do segundo, cortou-lhe o braço e saltou contra seu peito, perfurando-lhe o coração.
A calmaria durou apenas dois segundos.
Clang!
Um som metálico ecoou. Tristan pulou para o lado por instinto. Uma corrente grossa cortou o ar onde ele estava um instante antes.
Levantando os olhos, viu que cinco macacos vinham em sua direção — todos armados com correntes e cordas. Mais atrás, uma nova leva se aproximava.
Tristan rosnou baixinho.
‘Eles querem me capturar…’
Durante a luta, ele havia notado: os ataques eram direcionados para seus membros, e não para matar. Eles queriam imobilizá-lo.
‘Assim como fizeram com o gato-das-neves…’
A simples ideia de ser acorrentado e entregue àquele feiticeiro fez seu estômago embrulhar.
Nunca! Jamais permitiria aquilo.
Os macacos balançavam suas correntes com força, tentando enlaçar suas pernas e braços. Ele recuava, desviava, girava, mas os movimentos começavam a pesar. Sua respiração ficou irregular, sua visão embaçava nos cantos.
Ele estava ficando lento.
Aquele era seu limite. Estava prestes a circular pelo seu corpo a essência de Escuridão que ele queria tanto guardar.
Ele não havia enfrentado nem dez deles, as coisas não estavam saindo como o planejado.
Um dos macacos avançou por trás de uma rocha, e Tristan cortou sua coxa, mas neste momento foi atingido.
Um dos macacos que ele julgava morto — aquele que ele havia degolado no início — se levantou como um cadáver teimoso, olhos vazios. Em suas mãos, uma pedra grande.
Antes que Tristan pudesse reagir, a pedra voou, acertando sua cabeça com um crack.
Sua mandíbula se deslocou, o som foi horrível. Tristan foi arremessado para trás como uma boneca de pano e colidiu violentamente contra uma rocha. O impacto fez seu corpo inteiro gritar de dor. Sangue escorria da boca, e sua visão piscava.
‘Como?…’
Ele achou que estava perdido.
Mas então.
Algo pesado caiu do céu como um raio.
Um velho conhecido: o cão rúnico.
A criatura colossal aterrissou entre ele e os inimigos. Tristan arregalou os olhos.
Ele de novo.
Se soubesse que eles dois se encontrariam assim novamente, Tristan teria feito de tudo para matá-lo em seus encontros anteriores, infelizmente ele não poderia voltar no tempo.
‘Ele… está aqui pra terminar o trabalho?’
Mas não. Surpreendentemente. O cão passou correndo ao seu lado e, com suas patas gigantescas, esmagou três macacos de uma vez. Um quarto foi mordido e lançado longe como um brinquedo quebrado.
‘Ele está me ajudando?’
A dúvida relampejou, mas a resposta estava ali, diante de seus olhos. O cão rúnico não hesitou. Ele se movia com graça e brutalidade, enfrentando os Marcados com uma fúria brutal. Em pouco tempo, a maioria deles estava caída, quebrada ou morta.
Um Marcado havia matado outros Marcados, Tristan não conseguia entender nada daquela situação.
Mas o perigo ainda não havia passado.
As duas maiores bestas estavam ali agora: o carneiro e o gato-das-neves gigantes. Tristan engoliu seco. Nem ele, nem o cão, conseguiriam enfrentar os dois juntos.
Tristan colocou sua mandíbula de volta no lugar.
O cão rosnou, virou-se para Tristan que ficou em alerta.
Porém, o Marcado o agarrou com suas presas, com cuidado surpreendente para algo tão grande. Depois, começou a correr.
Tristan olhou para trás e viu: o gato-das-neves estava quase os alcançando, aquilo desviava dos obstáculos no caminho com pulos altos. Enquanto o carneiro estava um passo atrás quebrando tudo que aparecia em seu caminho sem nenhuma preocupação com o dano que seu corpo sofria com o impacto.
O cão correu pela ravina por um tempo quando Tristan viu algo à sua frente.
Uma centopeia gigante!
O monstro se aproximou para atacar e de alguma forma aquilo era ainda mais rápido que o gato-das-neves.
O caminho estava bloqueado.
‘Droga.’
Não sabia mais o que fazer.
Tristan olhou tudo à sua volta. Então ele viu, atrás da centopeia:
A névoa.
Mas não era como antes. Agora, a névoa branca estava cercada por um aro de chamas douradas.
O brilho dourado era diferente de qualquer coisa que ele já tinha visto. Não era apenas luz. Era um fogo faminto. Quando ele focou seu olhar na chama, sentiu um calafrio subir por sua espinha. Era como se aquilo quisesse devorá-lo.
Tristan olhou para a centopeia à sua frente, para as duas bestas gigantes vindo por trás assim como o restante dos macacos, e para a névoa rodeada por chamas ameaçadoras.
Qual era o mais perigoso?
Ele não acreditava em sua própria escolha, hesitante, Tristan apontou o dedo para a névoa.
“Lá!”
O cão hesitou e negou com a cabeça.
Tristan ficou surpreso pela criatura ter entendido seu gesto.
“Não temos outra opção!”
O cão rosnou, hesitante. Mas ao ver o gato das neves a um braço de distância, ele obedeceu.
Com um impulso, o Marcado desviou do ataque da centopeia, e correu para o lado.
“Evite as chamas!” Tristan gritou.
O cão junto com Tristan pulou dentro da névoa.
E o mundo se tornou branco.
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