Capítulo 67: Sais do sono e despedidas
Quando Tristan chegou à Seita da Espada Voadora, ele não começou o processo imediatamente; esperou até a meia-noite. Naquela hora, apenas os guardas estariam em vigília, e o restante da seita permaneceria em sono profundo.
Os discípulos do Primeiro Dao Voador raramente se viam em situações de risco extremo; seus treinamentos eram menos intensos, e eles não recebiam missões muito perigosas. Já os do Segundo Dao estavam ausentes, e, assim, o movimento nas instalações médicas seria mínimo.
Tristan imaginava que poderia realizar seus planos sem ser notado. Ele não queria dar explicações para as pessoas da seita sobre seu conhecimento; o risco de alguém pensar que isso poderia estar relacionado a artes malignas não era pequeno.
Sua primeira preocupação foi avaliar a condição de Yue e Jaeng. Ao inspecionar seus corpos, notou que as feridas dos dois estavam se curando a uma velocidade impressionante. As cicatrizes que marcavam suas peles haviam se tornado mais sutis, quase imperceptíveis.
“Isso deve ser efeito da magia de Luz dos curandeiros,” pensou, enquanto observava a recuperação. “O efeito da cura contínua parece ser mais eficiente do que o efeito imediato que vi anteriormente.”
Ele tocou na pele deles, notando que estava um pouco fria.
“O lado negativo,” refletiu, “é que esse processo deve ter exigido mais esforço dos corpos deles, que já estão muito enfraquecidos.”
Tristan pegou um dos jarros de sangue feitos pelo velho Moeh. O recipiente possuía um bico com um pequeno furo no topo, e ele prendeu cuidadosamente tubos no bico, ajustando-os com barbante para controlar o fluxo. A agulha foi firmemente conectada com cera e, com muita precisão, ele a inseriu nas veias dos dois em um instante.
Os jarros, então, foram pendurados de cabeça para baixo na parede do quarto. Tristan permaneceria ali até o amanhecer, para garantir que o processo seguisse sem interrupções. Ao final, guardaria e esconderia tudo, para evitar qualquer suspeita.
Antes do amanhecer, Tristan já havia saído do quarto médico; ainda havia muito sangue restando, então ele retornaria à meia-noite novamente.
Ele abriu sua bolsa e olhou para as flores azuis dentro. Era hora de trabalhar em um novo projeto.
Tristan desceu o monte e procurou um lugar um pouco afastado da seita para ter privacidade. Ele acendeu uma fogueira, depois jogou algumas pedras por cima do fogo para aquecê-las. Então, apagou o fogo, deixando apenas as brasas. Ele colocou as flores do sono em um pote e o pôs sobre as pedras para desidratá-las lentamente.
Ele deixou aquilo lá por algumas horas enquanto fazia outras coisas.
Quando retornou, pegou as flores secas e as esmagou em um pilão até que virassem um pó.
Ele colocou o pó em um recipiente de vidro resistente e adicionou um pouco do álcool mais puro que encontrou na Seita. Ficou mexendo a mistura vigorosamente. Se a biologia daquela planta tivesse alguma semelhança com as plantas da Terra, o álcool ajudaria a dissolver a substância principal responsável pelo efeito sonífero e inibidor de dor.
Tristan levou o recipiente de volta para a seita. Deixaria a solução descansar até o próximo dia e a mexeria ocasionalmente para maximizar a extração.
No segundo dia, Tristan verificou Yue; a pele do rosto dela havia recuperado parte de sua cor, mas ela ainda estava em sono profundo, o que diminuiu suas esperanças.
Mais tarde, ele pegou seu recipiente e despejou seu conteúdo em um pano de linho para separar a parte líquida da parte sólida, que eram os resíduos vegetais. Em seguida, adicionou vinagre à mistura; o vinagre, como uma solução ácida, ajudaria a converter a substância da flor em sais solúveis em água. Ele despejou vinagre o suficiente para cobrir o extrato alcoólico e misturou bem a solução.
Após algum tempo, ele colocou a solução em uma panela de aço e a colocou sobre um fogo suave, para aquecer lentamente.
Depois que todo o álcool evaporou, Tristan despejou o líquido azul em um pequeno recipiente de vidro e o deixou descansar por um tempo. Lentamente, viu a substância azul cristalizar em pequenos sais no fundo do pote.
No fim do processo, retirou o vinagre cuidadosamente, deixando apenas os sais azuis no fundo. Depois de coletar e secar, dividiu em três frascos de vidro pequenos, do tamanho de um polegar, e os selou.
Naquela noite, além de sangue, Tristan também injetou um pouco de soro fisiológico na veia deles para mantê-los hidratados.
Na manhã do terceiro dia, para sua surpresa, Yue e Jaeng finalmente acordaram.
Assim que eles foram examinados pelos curandeiros, Tristan os visitou imediatamente.
Atualmente, ele estava sentado na cama de Yue.
“Como você está se sentindo?” ele perguntou a ela.
“Me sinto um pouco lenta e cansada, mas acho que estou bem.” Ela suspirou. “Os curandeiros disseram que teremos que ficar em repouso pelas próximas semanas.”
“Bem, fique satisfeita por estar viva.” Ele se lembrou de como o corpo dela foi engolido pela maré de monstros; ela teve muita sorte por sobreviver dessa vez.
“Você tem algum outro sintoma? Tipo: febre, diarreia, enjoo, coceira em lugares estranhos?”
“Não? Por que eu deveria sentir algo assim?” ela disse, confusa.
Ele deu de ombros.
“Aproveitem o tempo de vocês se recuperando. Vejo vocês de novo no próximo mês, provavelmente,” Tristan disse enquanto se levantava da cama e ia em direção à porta.
“O quê? O que você quer dizer com isso? Para onde você está indo?” perguntou Yue.
“Coletar algumas ervas mágicas.” Tristan deu uma resposta breve.
Ele sentiu um pouco de diversão vendo as expressões de choque no rosto deles.
“Você vai para aquele lugar sozinho? Está louco?” Jaeng exclamou, achando as palavras de Tristan absurdas. “Mesmo que você chegue nos picos sozinho, aquele lugar deve virar um campo de batalha entre discípulos de várias seitas diferentes; nem você conseguiria lidar com tudo isso sozinho.”
“Ele tem razão, é muito arriscado. Por que você não espera que eu melhore para que eu possa ajudar você na viagem?” Yue perguntou.
“Você esqueceu o que a mestre Sheng disse? As ervas mágicas dos picos enevoados atingem seu auge de crescimento no outono e murcham no final dessa estação. Além disso, se eu demorar muito, pode ser que os outros discípulos peguem todas as ervas.”
Tristan decidiu ser gentil e deu essa resposta para ela, embora ele não gostasse de dar justificativas para suas ações.
“Você não precisa se preocupar; não é como se eu planejasse ir em uma missão suicida por algumas ervas estúpidas. Eu escolho bem minhas batalhas e conheço meus limites.”
Ele continuou andando para fora.
“Se a situação parecer muito difícil, eu não hesitarei em ir embora. É uma viagem de algumas semanas, mas, se essas ervas forem tão boas quanto ouvi dizer, meu nível de cultivo avançará em meses ou mais,” ele pensou em seus objetivos, que pareciam ser impossíveis de alcançar. “É um risco que vale a pena para mim.”
Vendo a convicção em seus olhos, Yue ficou calada, desistindo de tentar impedi-lo; ela apenas ficou olhando para ele, preocupada.
“Ei, Dusk, você poderia me fazer um favor?” Jaeng disse. “Se você puder dizer para minha família que eu acordei, ficarei muito agradecido.”
Tristan acenou e saiu pela porta.
Ele foi para a biblioteca da seita e pegou vários mapas com diferentes rotas. Traçando uma linha reta entre Zaguhan e a região dos picos, alguém com a velocidade de um artista marcial poderia chegar lá em cerca de três semanas.
Claro, viajar dessa forma não era algo possível fora dos grandes países. Monstros capazes de destruir cidades com um sopro vagavam por aquele mundo, e era preciso apenas azar para se deparar com um deles.
Subestimar o perigo dos monstros não era diferente de suicídio.
“Se não fosse pela cadeia de montanhas ao redor, uma cidade tão fraca quanto Zaguhan provavelmente já teria sido destruída há muito tempo.”
Ele e Yue já tinham decidido ir por uma direção, mas agora que estava sozinho e os outros discípulos já estavam muito à frente dele, ele achou que era melhor procurar por outro caminho.
“Se eu decidir ir pelas rotas mais seguras, pode ser que eu só chegue no final do outono.”
Tristan se perguntou o motivo de os mestres da seita não terem avisado antes para aumentar as chances de achar as ervas.
Praticamente todos os alunos do Segundo Dao das outras seitas partiram no mesmo momento. “Diferente de mim, que não fazia ideia de que esse tipo de coisa existia porque cheguei faz pouco tempo, as crianças de famílias nobres definitivamente sabiam desse evento anual. Mesmo assim, eles esperaram o início do outono.”
“Isso significa que aceitar que é preciso correr riscos para atingir um objetivo faz parte do ritual dessa gente maluca.”
Por um momento ele refletiu sobre a discrepância entre os costumes daquele lugar com o condado onde ele morava. ‘Tanto faz, eu deveria agradecer por essa cultura estranha. Se fosse no oeste, leste ou sul, eu nem teria chance de tocar nessas ervas.’
Ele lembrou que na região oeste,leste e sul os governantes tinham monopólio de todos os recursos naturais. ‘Espero que eles nunca saibam desse lugar, eles iriam cruzar a região central em um segundo caso ouvissem sobre uma região como os picos enevoados.’ Tristan começou a ler sobre as rotas mais arriscadas nos livros, e também pesquisou sobre as histórias daqueles lugares no seu Fragmento Divino.
Depois de comparar todas as alternativas, ele sentiu confiança em uma rota específica. A maioria dos problemas possíveis naquele caminho pareciam ter um risco razoável, ‘Com exceção dessa zona de perigo’, não havia avistamentos de monstros com poderes comparáveis a calamidades naquele lugar, mas o próprio ambiente poderia ser tão ruim quanto.
No entanto, Tristan tinha confiança que com suas habilidades ele poderia ter mais chances de sobrevivência naquele lugar. Com uma rota definida ele fez todos os preparativos para a viagem pegando tudo o que ele achou que seria necessário.
Antes de sair de Zaguhan, ele caminhou em direção ao local onde a família de Jaeng vivia para avisar que ele havia acordado.
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