Capítulo 94 - Milagres e Sacrifícios (2)
Os jovens discípulos da Seita da Espada Voadora não conseguiam esconder as expressões sombrias em seus rostos. Os inimigos cultivadores da Terra ainda os perseguiam por trás, enquanto membros de uma das seitas mais poderosas de Zaguhan estavam agora bem na frente deles.
Três figuras, de vestes longas azul-claro bordadas com belos padrões ondulados e detalhados, descansavam em um tronco caído. Eles exalavam uma aura refinada e nobre. Mas o que mais chamava a atenção era o estado deles: os trajes rasgados, manchas de sangue no tecido e o cansaço visível em seus olhos.
“Eles estão feridos”, murmurou Xiao Mei, observando com atenção.
O que estava sentado no meio deles era um jovem de fisionomia destacada, longos cabelos amarelos, traços delicados e olhos afiados como lâminas de gelo. Ao seu lado, havia uma jovem garota de cabelos ondulados, com um braço enfaixado de maneira improvisada, e, por último, um homem esguio que respirava com dificuldade.
Os três à frente notaram a presença deles e viraram seus rostos na direção deles.
O jovem de cabelos amarelos olhou para eles de cima a baixo, então disse:
“Vocês são da Seita da Espada Voadora, não são? Estou surpreso que vocês conseguiram chegar tão longe.”
Sua voz continha um tom calmo peculiar que era agradável aos ouvidos de todos, mascarando suas palavras ácidas.
Antes que pudessem continuar o diálogo, o som de passos pesados na neve irrompeu. Os quatro discípulos da Terra, que antes perseguiam os cultivadores do Vento, surgiram bufando como touros, prontos para a investida final.
O cultivador da Água virou seu rosto e viu o novo grupo de pessoas. Eles eram altos e tinham corpos robustos. Ele olhou para eles com a testa levemente franzida, incapaz de reconhecer de qual seita pertenciam. Porém, vendo seus rostos congelados e o temor diante deles, ele assumiu que suas origens deveriam ser ordinárias.
“Aproximem-se! Estão com medo de algo?”, ele disse, com um meio sorriso que deixou sua aparência ainda mais encantadora.
Os cultivadores da Terra e do Vento se entreolharam com desconfiança, mas chegaram a um acordo silencioso de adiar suas desavenças.
O discípulo do Lago da Serenidade se levantou e falou:
“Acho que todos nós estamos aqui pelo mesmo objetivo, mas temo informar a vocês que não serão capazes de ir muito além disso.”
Os dois grupos ficaram apreensivos, suando frio. Um dos cultivadores da Terra apressadamente falou:
“Espere!”
Após inclinar seu corpo com uma reverência, ele continuou:
“Eu me chamo Luong, da família Shan. Acredito que um conflito entre nós não seja necessário. Eu reconheço a posição e a importância da sua seita para nossa cidade. Estou ciente de que vocês são mais dignos de possuir aquele tesouro do que nós.”
O cultivador da Água concordou com a cabeça:
“Você está certo. Mas eu não estava me referindo a nós, e sim àqueles que fizeram isso conosco.”
Ele gesticulou em direção às suas feridas e às de seus companheiros.
“Vocês não serão capazes de passar por eles.”
“Vocês encontraram algum perigo no caminho?”, Tu Zhen, um dos companheiros de Luong, perguntou, preocupado.
“Algo assim. Acho que deveríamos nos apresentar primeiro.” Ele levantou seu braço direito e apontou para seus companheiros. “Esses são meus amigos Fei Lin e Du Jiang, e eu sou Rui, da família Yan.”
‘Famílias Fei, Du e Yan.’ A citação daquelas famílias importantes fez os outros sentirem um desconforto crescente.
“Como vocês, também viemos aqui em busca das ervas mágicas. Mas, no meio do caminho, cruzamos com outro grupo. Eles se intitulavam As Três Lâminas do Aço Sangrento. Afirmaram que todas as ervas seriam deles.”
“Guerreiros do Metal? De que seita eles pertencem?”, Xiao Mei perguntou. Por aquela alcunha, ela só poderia associá-los aos poderosos cultivadores do Metal, reconhecidos por serem um dos tipos mais poderosos e difíceis de derrotar.
Mei relembrou o que sabia sobre eles:
‘Mestres no ataque e na defesa, seus punhos são como martelos e seu corpo como um escudo.’
O rosto de Yan Rui ficou sério com a pergunta dela.
Quem respondeu foi sua companheira Fei Lin. Os lábios finos e rosados dela se curvaram em desgosto: “Nenhuma seita importante, eles são apenas plebeus.”
“Impossível!”, exclamou Luong. “Você está dizendo que meros plebeus foram capazes de derrotar vocês? Membros de uma das grandes seitas de Zaguhan? Como isso é possível?”
O outro membro da Seita do Lago da Serenidade, Du Jiang, deu de ombros. “Talvez tenham sido abençoados no nascimento. Eles eram bem mais jovens que nós, mas lutavam com a força de uma besta. Nossos ataques mal arranharam suas peles. Já derrotamos muitos cultivadores do Metal no passado, mas aqueles garotos… eram diferentes.”
Uma careta feia apareceu no rosto de Luong. Ele se recusava a acreditar que aqueles que ele considerava como sendo menos que um rato poderiam ter a ousadia de subjugar aqueles com sangue nobre. Não importava o quão forte fosse um plebeu, ele deveria abaixar sua cabeça diante daqueles que estavam no topo da hierarquia da cidade — isso era de conhecimento comum.
Aquelas palavras fizeram um rosto aparecer na mente de Xiao Mei. Ela se lembrou de Zhou Yue, sua colega de quarto. Vinda de uma família de fazendeiros comuns, seu talento logo cedo havia chamado a atenção dos mestres de sua seita. Muitos agora diziam que ela poderia ser um daqueles gênios que surgiam a cada mil anos.
“Sinto que vocês têm suas desavenças, mas a verdade é que sozinhos nenhum de nós será capaz de alcançar o prêmio enquanto os trigêmeos permanecerem vivos”, falou Yan Rui.
“O que você sugere?”, Mei perguntou com a sobrancelha levantada.
“Unamos nossas forças. Vento, Terra e Água contra o Metal. A única maneira de superá-los… é juntos. Vamos lutar contra essa ameaça que desafia a ordem e o orgulho da nobreza de Zaguhan.”
***
Tristan estava em um relevo mais baixo, por isso o frio não era tão intenso quanto antes. O sol brilhava no seu ponto mais alto no céu, incomodando seus olhos como sempre. Logo, ele avistou uma enorme fenda entre montanhas que precisaria atravessar para continuar seu caminho. O lugar era um pouco estreito, porém, alguém pequeno como ele conseguiria atravessar sem problemas.
Após alguns minutos, ele viu o outro lado. Quando saiu da fenda, no horizonte à sua frente algo se destacava — a maior montanha da região estava cada vez mais próxima. Ele conseguia ver qual caminho percorrer para atingir seu objetivo. Mais algumas horas e ele descobriria os segredos daquele lugar.
Como sempre, no alto daquele pico, a névoa branca misteriosa marcava sua presença. Ele encarou aquilo por um tempo com atenção, como se isso fosse se transformar em algo a qualquer momento.
Então, um barulho vindo de longe, mas se aproximando rapidamente, tirou-o de seus devaneios.
Tristan virou seu rosto para baixo. Alguma coisa estava subindo!
E, pelo som dos passos, deveria ser algo pesado. Sem demora, ele caminhou para trás, de volta à fenda. O som chegava cada vez mais perto. Tristan encostou suas costas na parede, tentando esconder seu corpo entre as rochas daquele lugar. Usando sua habilidade de ocultação para cobrir seu corpo com escuridão, ele só manteve uma pequena parte de seu rosto para fora, tentando ver a fonte daquele barulho.
Um instante depois, a luz que entrava pela fenda foi coberta — uma cabeça gigante apareceu. Pele rosada e enrugada, rosto canino, sem nenhum pelo.
‘Droga’, ele reclamou em sua mente. ‘De novo aquele maldito?’ Sua primeira hipótese era que aquilo poderia ser a mesma besta que tentou matá-lo um tempo atrás.
Tristan observava a criatura com cautela para não ser detectado.
O cão estava com seu focinho próximo ao chão, farejando por algo. Sua respiração era bem alta e fazia a poeira no solo voar e as pedras ao redor rolarem.
Com o canto do olho, ele examinou a criatura e notou linhas de formatos estranhos na pele do cão. As linhas eram feitas por cicatrizes que formavam a aparência de símbolos aparentemente estranhos, mas que ele reconheceu imediatamente.
‘Runas!’, Tristan pensou. ‘Essa coisa deve ser um dos Marcados.’
Por um instante, ele pensou se poderia enfrentar aquela criatura, mas então rapidamente descartou a ideia. Mesmo que isso fosse como a centopeia e tivesse um núcleo fraco, a diferença entre os corpos deles era enorme. Ele sabia que poderia ser esmagado com apenas um golpe.
A criatura levantou sua cabeça, e Tristan escondeu ainda mais seu corpo, pressionando-o contra a parede rochosa.
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