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    Em meio a uma nevasca intensa, três jovens lutavam contra o frio enquanto atravessavam um desfiladeiro coberto por neve. 

    Eles eram quase idênticos, altura semelhante, pele bronzeada e cabelos arrepiados como pequenos espinhos. A trilha serpenteava por entre rochas cobertas de gelo, enquanto o vento produzia um som peculiar como se carregasse o barulho de uma besta ferida. Os jovens tremiam mas seus pés ainda pisavam no solo com a firmeza de uma estaca.

    Xan o irmão mais novo esfregava seu nariz inchado rapidamente com as palmas das mãos. Seus olhos varriam a paisagem com irritação crescente. Ele deu alguns socos em seu ombro para se manter concentrado, sua missão era mais importante, ele precisava ajudar seus irmãos mais velhos a conquistar seu lugar na seita. Nos últimos meses eles tiveram que superar seus limites para sobreviver à repressão das crianças da nobreza.

    As chances de ascensão eram raras e não poderiam ser desperdiçadas.

    De repente, ele parou.

    “Ei!” apontou adiante com o braço esticado. “Aquilo ali, estão vendo?”

    Os dois garotos imediatamente voltaram os olhos para frente. Na encosta mais elevada, destacando-se entre a neve branca, surgiam várias estruturas pontiagudas com um brilho pálido. Tinham um tom levemente azulado, como se estivessem pulsando com algum tipo de energia oculta.

    “São cristais?” perguntou Zin, o mais velho. Havia um leve tremor de empolgação em sua voz. Eles finalmente teriam achado algo valioso naquele lugar?

    Eles se aproximaram em silêncio, cautelosos.

    Yen colocou seu dedo na superfície do cristal e então deslizou para baixo com sua unha. Devido a facilidade com que ele foi capaz de deixar uma marca naquilo ele negou com a cabeça.”Isso parece … algum tipo de gelo.” A textura era diferente, mais macio, mas ele não conseguia achar uma palavra melhor para descrever aquilo.

    Zin franziu a testa. “Então não vale nada?”

    “Não necessariamente,” respondeu Yen. “Pode ser raro. Talvez até um recurso para os alquimistas.”

    Eles se entreolharam por um instante, cogitando extrair as formações, quando um som os fez se virar.

    Passos.

    Vários.

    Subindo em direção a eles pela trilha, várias figuras apareceram diante deles em meio à ventania e à neve que cobria tudo como um manto. Cultivadores certamente. Alguns eram rostos familiares desagradáveis e outros completamente desconhecidos.

    “Vocês de novo?” Zin rosnou descontente ao reconhecê-los. “Não falamos para não nos incomodar novamente? A surra anterior não foi suficiente?”

    Luong, da Seita da Rocha Viva, lançou um olhar irônico para Yan Rui, da Seita do Lago da Serenidade.

    “O que você disse era verdade.” Luong disse para Rui. “Parece que esses plebeus não sabem o lugar deles.”

    Yen deu um passo à frente, os olhos estreitos fixando-se em Rui com desprezo. “Você não disse orgulhosamente que era de uma das cinco seitas mais poderosas de Zaguhan?”  Pronunciou em tom de zombaria.

    “Tsk.” Ele estalou sua língua com desprezo. 

    “Não foram capazes de derrotar a gente numa luta justa, então decidiram fugir com o rabo entre as pernas e chamar seus cachorros para te ajudar. Vocês me enojam. Vivem se escondendo atrás de títulos, linhagens e nomes. No fim, não são nada sem isso!”

    Yan Rui não se abalou. Seus olhos calmos encararam Yen por um segundo. Os lábios dele se curvaram um pouco para cima, então ele disse:

    “Pode reclamar o quanto quiser.”  Sua voz era fria, controlada. “Mas ninguém aqui dá ouvidos a ratos como vocês.”

    Ele ergueu o braço direito e balançou formando um X. Um rastro de essência azul cortou o espaço, e então, em um lampejo líquido, um chicote de água surgiu em sua mão.

    Com um movimento preciso e elegante ele balançou o chicote para frente que cruzou a distância entre eles e os trigêmeos em um instante. 

    Os irmãos saltaram para o lado, a ponta do chicote atingiu o solo criando uma cratera quase tão grande quanto uma pessoa.

    Zin estava sério, mas com os punhos cerrados, pronto para a luta.

    “Não percam tempo com palavras. Se eles vieram com reforços, então tragam tudo o que têm. Vamos esmagá-los de novo.”

    Yen respirou fundo, a neve se acumulando sobre seus ombros. Ele limpou a umidade da testa e murmurou:

    “Já que vieram nos provocar, é melhor estarem prontos para sangrar.”

    ***

    Tristan tentou esconder sua presença tanto quanto era possível.

    Com um olhar penetrante, o cão espiou a fenda por um tempo, imóvel, como se ainda tentasse farejar algo escondido entre as pedras. Então se virou bruscamente e correu montanha abaixo.

    Tristan ouviu o som das patas batendo no solo se afastar aos poucos, até que tudo voltou ao silêncio absoluto. Quando teve certeza de que o perigo imediato havia passado, ele se arrastou para fora da fenda com cautela. Espiou o terreno ao redor, atento a qualquer movimento ou cheiro estranho, mas a besta já não estava mais à vista.

    Ainda assim, seus músculos estavam tensos. Ele desceu a montanha com passos lentos, cada vez mais atento ao menor som. Seus olhos examinavam cada rocha, cada sombra, como se a qualquer momento outra criatura estranha pudesse surgir.

    O tempo passou e a paisagem ao redor permaneceu inalterada. Um cenário inóspito, dominado por pedras e um silêncio que começava a incomodá-lo. Só então Tristan percebeu um detalhe que havia ignorado antes: aquele lugar era silencioso demais.

    Sua testa franziu, diferente da floresta amaldiçoada ele ainda conseguia encontrar alguns insetos e pequenas criaturas aqui e ali, porém havia uma notável falta de animais de grande porte.

    ‘Isso não pode ser um bom sinal.’

    Continuou seguindo, cada vez mais apreensivo. O vento assobiava entre os desfiladeiros, agora ele estava atento aos menores sinais de vida.

    Foi então que algo estranho surgiu em sua visão. Uma silhueta no horizonte. A princípio, ele pensou que era outro jovem cultivador como ele, talvez um discípulo perdido na missão, mas à medida que se aproximava, percebeu que algo estava errado.

    A figura era do seu tamanho, mas seus movimentos não eram naturais, aquilo não andava… pulava. Cada salto fazia seu corpo parecer mais elástico e errático.

    Sua curiosidade havia sido atraída.

    ‘Acho que não é um humano…’ Ele não sabia se achava isso melhor ou pior.

    Rapidamente, ativou sua habilidade de ocultação. A essência fluiu por seu corpo e, como uma sombra se esgueirando pelas rochas, ele se agachou e começou a se aproximar. Utilizou as pedras e saliências para ocultar sua presença, avançando de forma precisa, sem emitir qualquer ruído.

    A criatura não parecia ter sentidos aguçados. Continuava pulando entre as pedras, distraída, como se nem mesmo percebesse que estava sendo observada.

    A cerca de dez metros de distância, Tristan finalmente conseguiu enxergá-la com clareza.

    ‘Uma lebre…?’

    Mas era uma lebre diferente de qualquer outra que já vira. Seu corpo era bípede, completamente sem pelos, e coberto por marcas escuras — runas esculpidas diretamente na carne! Assim como o cão anterior, a criatura também era um dos Marcados, ele havia achado outro.

    ‘Droga… passei dias na floresta sem encontrar nenhum deles, e agora encontro dois seguidos?’

    O padrão inquietante o fez refletir:

    ‘Será que essa é a região de origem deles?’

    Tristan olhou para a lebre e depois para a direção de onde estava a montanha mais alta, ele pensou no que deveria fazer. Seguir em frente tentando evitar o máximo que pudesse daquelas estranhas criaturas ou investigar e reunir  mais informações sobre eles antes de prosseguir.

    Tristan não precisou pensar por muito tempo, ele estava ansioso para descobrir o que esperava por ele naquele lugar, mas seguir assim não era seu estilo.

    ‘Não vou permitir espaço para variáveis que possam morder minha bunda mais tarde.’

    Ele ainda precisava confirmar que o núcleo fraco e o cilindro metálico eram uma característica comum entre aqueles seres, aquelas informações poderiam ser úteis. Tristan olhou para a lebre e estudou seu corpo. Ele julgou que a massa deles deveria ser semelhante, se aquela criatura realmente tivesse um núcleo fraco lidar com aquilo não levaria muito tempo. 

    Com a decisão tomada, Tristan concentrou sua essência nas pernas. Um brilho escuro percorreu seu corpo, e então ele disparou contra a lebre como uma flecha sombria.

    [Dark Blade]

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