Capítulo 97 - Milagres e Sacrifícios (5)
Todos os cultivadores de Zaguhan ergueram os olhos atônitos ao verem uma imensa maré de neve branca descer da montanha como uma fera enfurecida.
Não havia para onde correr, nem como se esconder. A força da natureza era implacável. Tudo o que podiam fazer era reforçar seus corpos com essência e rezar aos espíritos.
A avalanche os atingiu em cheio, varrendo-os montanha abaixo como se fossem meras formigas. A neve os arrastou por dezenas de metros até que, enfim, tudo cessou.
Minutos se passaram.
Um dos primeiros a emergir, cavando para fora da espessa camada de neve, foi Shan Luong. Seu físico impressionante havia resistido ao impacto, até ele mesmo ficou surpreso com o desempenho do seu corpo, embora ele nunca tenha sido testado de forma tão intensa assim antes, e estivesse em seu limite, ele estava bem. Logo em seguida, outros discípulos da Seita da Rocha Viva também começaram a surgir, com uma exceção notável: Laoyin Yuse, nocauteado por Xan durante a batalha, continuava desaparecido.
Laoyin Piao, seu irmão mais novo, começou a escavar desesperadamente, cavando em vários pontos em busca de seu parente.
Jin apareceu logo depois, seguido pelos discípulos da Seita do Lago da Serenidade. Sua constituição especial lhes deu maior resistência ao frio e à pressão, e se não fosse pela força limitada, talvez tivessem sido os primeiros a sair.
Lamentos e gemidos preencheram o ar.
Chen Bo, da Seita da Espada Voadora, ergueu-se com dificuldade. As pernas bambas, o corpo tremendo. Havia usado cada gota de essência para sobreviver. Mesmo cambaleando, ele se arrastou em busca de seus companheiros.
Liang Wei já estava com um braço para fora da neve, então encontrar ele não havia levado muito tempo, Chen Bo se aproximou e ajudou ele a sair. O garoto estava pálido como um fantasma, nunca havia sentido a morte antes, sua respiração se acalmou aos poucos.
As gêmeas Xiao, por outro lado, ainda não haviam sido encontradas. Não havia sinal delas. Liang Wei e Chen Bo começaram a cavar com urgência em vários lugares, tentaram usar sua audição aprimorada e outros sentidos. Após algum tempo, localizaram as duas crianças, inconscientes, cobertas por hematomas e quase congeladas. Apesar do estado grave, ainda estavam vivas — um pequeno milagre, talvez os espíritos estivessem sendo gentis com eles.
“Elas conseguiram resistir… por pouco,” murmurou Chen Bo, aliviado.
Restava apenas mais um membro da seita para ser encontrado.
Mei Lian.
A busca por ela levou mais tempo. Quando finalmente a localizaram, ela estava muito distante dos demais. Seu corpo parecia o de uma boneca quebrada — membros torcidos em ângulos impossíveis, o pescoço quase arrancado. A cena era brutal.
Diante do corpo inerte, seus companheiros caíram em silêncio.
Liang Wei, com sangue escorrendo da boca devido aos dentes quebrados por Yen, sentiu o ódio pelos trigêmeos crescer em seu peito. Não havia espaço para outra emoção.
E quanto aos trigêmeos do Aço Sangrento?
Nenhum sinal deles. Talvez tivessem morrido na avalanche? Poucos acreditavam nisso. Se os cultivadores da Terra haviam resistido, por que aqueles com corpos como aço teriam perecido?
O humor entre os sobreviventes era sombrio — derrotados, feridos e traumatizados.
Enquanto Laoyin Piao ainda revirava a neve em busca do irmão, algo estranho aconteceu. A terra começou a tremer.
Tremor. Tremor.
O chão vibrou, cada vez mais forte. Do solo, emergiram criaturas em forma de minhocas gigantes feitas de rocha e terra, que se enroscaram nos discípulos, aprisionando-os.
“Isto é obra de vocês?!” gritou Yan Rui, furioso, olhando para os discípulos da Seita da Rocha Viva.
Mas então, seus olhos se arregalaram ao ver que até mesmo Shan Luong e os demais estavam sendo capturados.
“Não fizemos nada!” gritaram os cultivadores da Terra, tão confusos quanto os outros.
O solo sob os pés de todos amoleceu. Lentamente, começaram a afundar. Tentaram resistir, canalizar essência, atacar… tudo em vão. Aquele poder era superior — energia vital densa preenchia toda a área.
Em poucos segundos, todos os discípulos haviam desaparecido dentro da terra.
***
Apontando a mão contra a perna da lebre como se empunhasse uma lança, Tristan cortou a coxa da criatura com precisão cirúrgica. A lâmina de Escuridão atravessou a carne como se fosse manteiga, e o sangue roxo espirrou, mas não tanto quanto ele esperava. Ele evitara deliberadamente os pontos vitais. Queria ver como a criatura reagiria. Estava mais interessado em observar o comportamento do que em matá-la de imediato.
O medo brilhou por um instante nos olhos animalescos da criatura. Tristan pensou que ela fugiria. Mas então, como se tivesse batido contra uma parede invisível, seu corpo congelou. Em seguida, com um movimento brusco, ela girou e voltou-se para ele com uma expressão animalesca de raiva.
A besta avançou em direção a Tristan que desviou com facilidade.
‘Essa coisa não parece ser capaz de controlar sua essência.’
Tristan achou isso estranho, diferente dos humanos que precisavam estudar e treinar, ele sabia que as bestas mágicas com núcleo aprendiam a usar seus poderes por instinto.
‘Talvez isso não tenha um núcleo?’
Ele continuou a desviar dos ataques da lebre, examinando seu comportamento ele começou achar aquele ser cada vez mais estranho.
Seus movimentos paravam por alguns segundos abruptamente.
Obviamente havia algo errado.
Loucura? Alguma doença? Essas foram algumas das possibilidades que passaram pela cabeça dele.
Tristan olhou minuciosamente para cada detalhe da lebre, não parecia haver nada fora do comum além de seu tamanho anormal e as runas em seu corpo.
‘Espera…’ Ele finalmente notou algo a mais.
‘Esses olhos são… normais?’
Monstros normalmente eram tão insanos que muitos praticavam até mesmo canibalismo para aumentar seus poderes, isso muitas vezes causava um desvio de energia que ficava refletido por meio de um brilho peculiar nos olhos.
Porém, tudo o que havia nos olhos daquele ser era o conflito.
Mesmo quando atacava ele, ele não sentia intenção assassina.
Como se seu corpo e mente estivessem fora de sintonia.
A lebre avançou novamente. Tentou acertá-lo com uma das patas traseiras, rápidas e fortes, projetando seu corpo como um estilingue. Mas, para Tristan, os movimentos eram lentos, quase em câmera lenta.
O ataque falhou, mas a criatura não recuou. Tentou novamente. Dessa vez, com sua boca aberta, dentes longos e tortos brilhando sob a luz fraca. Ela avançou como se quisesse morder sua cabeça.
‘Nada … não sinto nenhuma intenção nesses ataques.’
Ele franziu a testa, com a mão revestida por Escuridão novamente ele cortou um pedaço do braço da lebre.
Seu oponente não pareceu se importar nem um pouco com isso, e tentou morder ele de novo. No entanto, por um breve instante, Tristan percebeu algo, os olhos da criatura haviam reagido a seu golpe.
‘Curioso,’ pensou Tristan, inclinando levemente o corpo para trás, evitando os dentes por uma margem estreita. ‘Isso sente dor, mas seu corpo continua …’
Tristan pensou em algo.
Ergueu a mão direita, puxando mais a essência de seu núcleo. A Escuridão da lâmina que envolvia seus dedos ficou mais densa, mais viva. Quando olhou nos olhos da criatura, por um segundo, viu-os tremer, medo provavelmente.
Tristan não hesitou. Num movimento rápido e limpo, perfurou o peito da lebre com sua lâmina preta. A carne se abriu com um som seco, e a criatura tombou no chão.
Silêncio.
A lebre não emitiu som algum, nenhum grito, nenhum gemido. Seu corpo caiu de lado, imóvel. Não tremia, não se debatia. Não parecia que um ser vivo havia morrido, era mais como se ele tivesse tirado as pilhas de um brinquedo. Tristan se abaixou e observou o brilho da vida desaparecer lentamente de seus olhos.
Agora, seus olhos pareciam estranhamente calmos e pacíficos, como se a morte fosse um alívio. A paz para uma vida de tormento, algo que Tristan era incapaz de entender, pelo menos de forma definitiva.
E então, por um instante aterrorizante, ele se viu deitado ali, no lugar da lebre.
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