Capítulo 108 - O destino oferecia sua resposta
As portas do elevador se abriram, e antes que eu desse meu primeiro passo, olhei para o meu reflexo no metal escovado da parede interna. Não era a mesma figura que eu reconhecia. Meu novo uniforme se ajustava ao meu corpo consoante uma concha, as placas sobrepostas acompanhavam os contornos do meu corpo estritamente.
Senti o relevo geométrico do colete com a ponta dos dedos, que dificultava a respiração. O tecido preto absorvia a luz e era suficientemente espesso para pesar nos ombros, mas maleável onde era necessário para lutar.
Respirei fundo dentro da máscara e a vibração abafada do filtro devolveu o som apenas para mim. Ajustei a luva na mão direita e avancei pelo corredor da garagem, ainda preso à estranheza de estar vestido com algo que parecia mais arma do que uniforme.
O espaço se abria como um grande pavilhão. A intensidade do som aumentava não por meio de vozes, mas por meio de movimentos e da vibração de corpos agrupados. Todas as pessoas vestiam o mesmo uniforme preto, confeccionado com costuras firmes, placas ajustadas e tiras cruzando os ombros e a cintura.
As viseiras escuras escondiam os rostos e deixavam à mostra apenas uma multidão de silhuetas inexpressivas, idênticas à minha.
O nó no meu estômago veio logo em seguida. A ideia de estar cercado por dezenas de pessoas idênticas, sem conseguir adivinhar o que se passava em suas mentes, me deixava inquieto. Fiquei me perguntando se todos já estavam acostumados a fazer parte de uma massa sem rosto. Quis saber se o desconforto se repetia por trás daquelas viseiras ou se eram apenas obediência e conformismo.
Provavelmente eu era o único estranho ali, o único que ainda conseguia enxergar diferenças onde a intenção era apagar tudo.
Dei mais um passo para tentar sincronizar minha respiração com a deles, embora o filtro sempre me trouxesse de volta à realidade.
Por mais que eu olhasse para aquelas formas iguais, sentia que a escolha não era deles. Também não era minha. A uniformidade não era convidativa, mas impositiva. Se estávamos todos ali, não era porque compartilhávamos um desejo em comum, mas porque alguém havia decidido que nossos desejos individuais não importavam.
Voltei a puxar a luva, mesmo sabendo que isso não serviria de nada, era apenas uma forma de me lembrar, ainda que minimamente, continuava a controlar alguma coisa. Ajustar um pormenor da fantasia que anulava todo o resto era talvez a única liberdade que me restava.
Continuei com os olhos perdidos no ambiente. As luzes brilhantes piscavam periodicamente em meio às placas de metal, projetando sombras rápidas. Algumas pessoas batiam os pés irritadiças no chão, enquanto outras estalavam os dedos contra as coxas para manter o corpo em movimento ou liberar a tensão. Um sujeito alto passava a mão pela alça do colete, abrindo e fechando o zíper repetidamente.
Ninguém dizia nada. Ou, pelo menos, quase ninguém. Duas pessoas perto da parede conversavam baixinho e acenavam com mais clareza do que falavam. Uma delas ajustou a viseira para depois incliná-la em minha direção por alguns segundos, antes de voltar a se virar para o companheiro.
Era difícil dizer se eles estavam falando sobre mim ou se o meu nome apenas havia passado pela cabeça deles.
Cruzei os braços e encostei as costas na coluna mais próxima. A superfície fria pressionava a armadura do meu uniforme. Mesmo tentando relaxar, não tinha como me sentir confortável ali.
Admiti para mim mesmo que todos os outros provavelmente estavam esperando pela mesma coisa que eu, seja algum sinal ou ordem que fizesse valer a pena ficar ali parado.
Esperar não era um intervalo, mas parte do processo. A obediência começava com a imobilidade.
Olhei para quem estava ao meu lado, de pé, com os braços esticados ao longo do corpo. Estava estranhamente rígido para estar apenas à espera. Inclinando a cabeça para mais perto, falei em voz baixa, mas de forma direta:
— Quanto tempo a gente vai ficar aqui parado?
— Até mandarem.
Direto e sem detalhes. Voltei os olhos para frente, mas a pergunta continuou latejando dentro de mim.
“Até mandarem o quê?”
Atrás de mim, ouvi um estalo. Virei levemente o pescoço. Uma pessoa baixa havia batido o joelho contra a parede.
— Vai rir mais alto, otário? — Ela ajeitou a arma curta presa na cintura.
— Sempre delicada, princesa.
Ela levantou o dedo do meio. O gesto falou por si. Ele não se deu por satisfeito e soltou outra gargalhada mais alta.
— Continua rindo que eu enfio essa arma no teu rabo no treino.
Aquilo arrancou de mim um pensamento rápido:
“Treino?”
A provocação se prolongava atrás de mim, mas a palavra que escapara da boca dela ficou presa na minha cabeça. Batia na minha memória como uma ponta solta que Nancy evitava quando eu fazia perguntas.
Olhei para as linhas desbotadas pintadas no chão de concreto da garagem para tentar montar esse quebra-cabeça. Que treinamento era esse e para que serviria? Controle? Soldados? Ficha de carne? Eram tantas dúvidas, e ninguém queria esclarecê-las.
“Eu já participei de uma missão e só agora que vão me colocar pra treinar de verdade.”
O ruído metálico do elevador interrompeu meus pensamentos. Ao se abrirem, todos se viraram para a entrada. Nicholas fez sua entrada com uma autoridade que dispensava palavras. Todos se afastaram para formar um corredor pelo qual ele passou. Era como se a presença de Nicholas tivesse alterado o peso do ambiente ao assumir uma densidade diferente.
Levei mais tempo do que o aceitável para compreender a situação. Fiquei paralisado pela indecisão. Minhas pernas não obedeciam e meu corpo se recusava a reagir. Somente quando percebi que estava fora de sincronia com a formação fui capaz de engolir em seco e me arrastar para o lado, entrando na fila.
Minha mente corria mais rápido do que os meus pés. Se existia um programa de treinamento, Nicholas estava no centro dele, sem dúvida. Acho que era por isso que todos o olhavam envolta de respeito, medo e reverência.
Eu queria perguntar a alguém para descobrir a verdade, mas a mesma força que me empurrou para fora do caminho agora me segurava.
“Não era ele que odiava atrasos? Ou… Ah, é, Nancy me pressionou mesmo.”
Ele não precisava de um uniforme sofisticado para causar boa impressão. A roupa de compressão preta delineava músculos treinados em combate real mais do que em exercícios de academia, com uma calça militar. O tecido camuflado escuro que cobria seu rosto permitia ver apenas seus olhos âmbar intimidantes.
Quando parou no centro, retirou o pano que cobria sua boca, revelando seu maxilar marcado por uma cicatriz.
— Meu nome é Nicholas Andrew. Sou um Agente de Campo de classe Veterano. Fui designado para treinar vocês, preparar cada um para entrar em lugares onde nada funciona como aqui dentro. Não vou dourar palavras nem fingir que esse processo vai ser fácil. Vocês foram escolhidos porque ainda podem ser moldados. O que não presta será descartado, o que resiste se tornará útil.
Suas palavras eram desconfortáveis em sua sinceridade, que não tinha a intenção de assustar ninguém, mas que estava imbuída de uma convicção inquietante.
— Muitos aqui acham que sabem atirar, correr, sobreviver a uma noite longa, mas não entendem o que significa estar diante de algo que deseja rasgar sua mente tanto quanto sua carne.
Seus olhos encontraram nas viseiras algumas das pessoas presentes, demorando-se em um rosto ou outro sem um pingo de simpatia, apenas a observação objetiva de alguém avaliando a resistência.
— Não falo apenas de Mephistos — continuou —, falo de situações que desmoronam qualquer convicção. O treino que terão comigo não é para fortalecer músculos, é para quebrar a mente fraca e expor quem ainda pode se levantar.
Todos prenderam a respiração, ainda que ninguém tenha demonstrado qualquer reação. Dava para sentir o impacto daquelas palavras tão bem escolhidas, como se cada uma tivesse sido selecionada para causar uma impressão duradoura.
— Alguns de vocês vão me odiar antes do fim da semana. Outros vão implorar para que eu os deixe em paz. E só uns poucos vão entender que todo esse processo é o único motivo para saírem vivos do outro lado. Se acham que estou exagerando, que sou só mais um veterano com mania de grandeza, esperem o primeiro exercício. As máscaras caem rápido quando o corpo e a mente são despidos.
Ele parou, respirou fundo e colocou as mãos na cintura.
— A verdade é que não me importo com vocês. Eu me importo com a função que vão cumprir. Pessoas falham. Funções não.
Parecia que Nicholas falava mais sobre apagar qualquer traço de humanidade em prol da utilidade do que sobre treinamento.
Meu estômago se contraiu. Aquela apresentação não tinha nada de comum. Seria como olhar para um homem que não precisava provar sua força, pois sua própria existência já era prova do que ele foi capaz de suportar.
Um braço ergueu-se por trás do grupo. Nicholas virou-se lentamente para ver quem era.
— Pode falar.
— Ahem… — Pigarreou. — Senhor… é verdade que o senhor e a agente Emilly ainda estão brigados? Desde aquela missão… do garoto que morreu… vocês nunca mais se falaram.
As palavras pairaram no ar, sobrecarregadas por um peso insólito. Um clima de expectativa tomou conta do ambiente. O olhar de Nicholas intensificou-se, mas ele não respondeu. O fato de não responder não foi uma omissão, e sim uma escolha consciente.
— Seu nome.
— L-Lauren, senhor.
— Volte pro seu lugar, Lauren.
Não disse mais nada. Após encerrar a conversa de forma tão abrupta que os outros ficaram sem palavras, ele não ofereceu nenhuma explicação ou reação. Com isso, a tensão se espalhou pelo ambiente. Eu podia sentir o desconforto do grupo ao observar um veterano que se recusava a ceder ou se curvar diante de velhas feridas.
Nicholas recolocou o pano sobre o rosto, marcando o fim da sua apresentação.
A pergunta do recruta ficou sem resposta e não saiu da minha cabeça. A história do garoto morto continuou na sombra projetada por aquele homem. O que ele não queria confirmar?
A porta da garagem deslizou para cima, revelando a escuridão cortada pelos faróis alinhados de caminhões militares. O brilho das lâmpadas refletiu no piso e o cheiro de óleo queimado se misturou ao ar abafado da máscara.
Nicholas apontou para os veículos e todos compreenderam.
Segui os outros. Conforme nos aproximávamos do caminhão, era possível sentir o peso coletivo da nossa caminhada reverberando ao nosso redor. O único som era o ritmo áspero das botas batendo no chão. Quanto mais nos aproximávamos, maior a apreensão.
O nervosismo de partir se somava à consciência de que estávamos nos aventurando no desconhecido à mercê de alguém cujas cicatrizes eram profundas demais para serem compartilhadas.
Olhei para Nicholas antes de embarcar. Sua atenção não estava voltada para ninguém em particular; ele simplesmente mantinha uma presença severa sob controle mesmo sem levantar a voz. Fiquei incomodado com a falta de explicações, mas não era uma questão de confiar ou não nele, e sim de desconfiar de tudo o que estava oculto nas lacunas.
Subi no veículo e me segurei ao corrimão frio a fim de me equilibrar. Os assentos de metal eram muito estreitos para permitir que eu relaxasse, e estavam alinhados contra as laterais. Os recrutas acomodaram-se sem dizer uma palavra; estavam todos uniformizados e reduzidos ao mesmo clima de silêncio.
O motor fez um barulho mais alto para então o caminhão começar a se mover, e nossos corpos balançavam. Com as janelas cobertas, não conseguimos enxergar nada lá fora, apenas o metal cinza e a vibração do piso.
Um sujeito sentado à minha frente esfregava as mãos compulsivamente. Do meu lado esquerdo balançava a perna em intervalos irregulares. Mais distante, dois cochichavam um para o outro. A conversa morria rápido sempre que era interrompida pelo barulho do motor.
À minha direita, um recruta de ombros largos recostou-se no encosto. A respiração lenta e controlada mostrava uma disciplina que não se via nos demais. Um dos recrutas ao lado dele tentou imitá-lo, ajeitando a postura, mas não conseguiu sustentar por muito tempo.
Eles sabiam o que estavam prestes a enfrentar? Acredito que alguns pensavam que poderiam superar qualquer provação graças à disciplina praticada com tanta dedicação. Outros procuravam distrações baratas, conversando e debatendo seu destino como se tais discussões tivessem algum valor diante da realidade.
Nem eu estava imune a essa inquietação.
— Devem estar levando a gente pra um campo de testes, não tem outra explicação. — comentei.
Se o destino fosse cruel — e tinha todos os motivos para o ser —, não restaria tempo para discursos ou promessas. A primeira pessoa a cair serviria de lembrança brutal do que aguardava as outras. Era melhor preparar-se em silêncio e aceitar o inevitável do que investir energia em teorias vazias.
Foi a este pensamento que me agarrei, porque, se o deixasse escapar, acabaria como aqueles que procuravam refúgio em ilusões frágeis.
Um dos recrutas à esquerda balançou a cabeça, o capacete refletindo o brilho da lâmpada sobre nós.
— Campo de testes ou vala rasa, tanto faz. No final, a gente tá na mão deles.
— Falar assim não ajuda ninguém. — Outro respondeu rápido. — Se fosse pra enterrar a gente, já tinham feito no primeiro dia.
— Se existe algum propósito, a questão é qual. — argumentei. — Pode ser treinamento, pode ser seleção, pode ser só mais uma forma de medir quem aguenta pressão.
— Tu tá chutando igual todo mundo.
— Claro que tô. A diferença é que eu assumo isso. Quem se apega demais em certeza inventada só vai cair mais feio quando descobrirem a verdade.
A sua reação foi um misto de resmungos e alguns acenos de concordância.
— Eu não acho que seja só teste. Eles não gastariam tanto recurso pra brincar de assustar a gente. Aposto que vão jogar a gente em alguma missão real, mesmo que pequena.
Um silêncio breve tomou conta, até que alguém completou:
— Se for missão, que seja. Melhor provar valor de cara do que ficar trancado nesse buraco com gente apostando quem vai surtar primeiro.
Essas palavras me fizeram pensar. A coragem deles poderia ser genuína ou um disfarce para o desespero. Em essência, estávamos todos na mesma situação de incerteza, e a maneira como reagimos a ela revelou muito mais do que qualquer formulário de inscrição poderia.
— O que importa é que ninguém aqui entrou à força. — continuou. — Todo mundo decidiu subir nessa carroça de ferro sabendo que podia não voltar. Se alguém ainda não entendeu, vai descobrir na marra.
Ninguém aqui entrou à força. Respirei fundo por trás da máscara ao ouvir aquilo, engoli em seco e fiquei calado. Teria que admitir que, para mim, era uma questão de vida ou morte se tivesse aberto a boca para corrigi-lo. E escolhi a opção que me manteve vivo. Não houve nada de voluntário nisso; era apenas a corda mais frouxa de um nó que já estava se apertando ao meu redor.
Um outro recruta quebrou o peso do assunto.
— Tá, mas alguém sabe quantas mulheres têm aqui dentro? Não dá pra distinguir nada com essas viseiras. Só pergunto por causa daquela Lauren.
A provocação não demorou a ferver.
— E o que que tem? — perguntou uma mais próxima da porta.
— O que tem é que isso aqui não é desfile. Mulher nesse tipo de campo não dura muito.
— Tá falando merda. Se ela passou pela triagem, tem o mesmo direito de estar aqui que qualquer um de nós.
— Direito até pode ter, mas capacidade? Pfft! — Riu-se brevemente. — Isso aqui não é sobre igualdade de papel, é sobre quem volta inteiro no fim do dia.
Ela bateu raivosamente a luva no corrimão.
— Cala essa boca. Você fala como se tivesse moral, mas no fundo tá com medo de ser superado.
— Medo, não. Realismo. Se acha que tô errado, espere ver o que acontece na primeira missão de verdade.
Eu os observei, vendo a discussão ficar acalorada.
O caminhão continuou balançando, mas o que nos tirava o eixo de atenção era nos darmos conta de que a viagem mal começara e já tínhamos gente cavando trincheira contra quem deveria estar do mesmo lado.
— Realismo pra mim é saber que mulher já segurou a linha tanto quanto homem. Quer exemplo? Laura Rossi. Você devia ter ouvido falar dela.
— Ouvi, claro que ouvi. Todo mundo ouviu. A tal Rossi era dura, ninguém nega. Mas onde ela tá agora? Ah, é, morta! Quer usar alguém como referência, usa alguém vivo. Morta não serve de modelo.
Suas palavras cortaram a cabine como uma faca. Apenas o motor respondeu naquele momento.
— Ela pode estar morta, mas o que fez não desaparece. — Apoiou os cotovelos nos joelhos e inclinou-se para a frente. — Se fosse homem, você chamaria de mártir ou inspiração. Mas porque era mulher, prefere enterrar junto com o corpo.
— E adianta de quê? — Cruzou os braços, apoiando o cotovelo na lateral metálica. — Medalha póstuma não protege ninguém. No fim das contas, tudo que sobra é o caixão fechado.
— Mas o peso do que alguém faz antes de cair não desaparece, e é esse peso que inspira os próximos a não recuar. Ela abriu espaço pra outras entrarem nessa agência. Esse direito tá conquistado, quer você aceite ou não.
— Espaço dentro de um saco preto, só se for. Você chama isso de conquista?
— Chamo de saber que não é só o corpo que pesa no campo, é a cabeça. E nisso, homem nenhum tem exclusividade.
Restou um silêncio tenso que se prolongou por alguns minutos. Absorvi atentamente cada palavra. O que me chamava a atenção era que o sujeito com a retórica preconceituosa não estava apenas provocando ou tentando ser engraçado, mas realmente acreditava naquela lógica distorcida. Essa era a parte mais perigosa.
Argumentos nascidos da crença, por mais falhos que sejam, podiam dominar a mente das pessoas.
O caminhão deu uma brusca guinada adiante quando o motorista freou repentinamente. Eu me agarrei ao corrimão de metal assim que meu corpo inclinou-se ligeiramente para a frente.
Antes que alguém pudesse perguntar o motivo, a porta traseira se abriu. O ar frio da noite entrou como convidado indesejado, trazendo consigo o cheiro seco do local e lá estava Nicholas.
Ele olhou para todos nós.
— Você. Lá fora. Agora. — Apontou o dedo diretamente para a pessoa da qual saíram aquelas palavras repulsivas.
O homem demorou um pouco para reagir, olhando em volta, surpreso por ter sido chamado.
Ainda hesitante, se levantou, sem saber se aquilo era sério. Nicholas não repetiu o que fora dito; esperou ali, em silêncio.
A tensão foi quebrada pelo som metálico dos passos do recruta, que caminhava em direção à saída.
Quando os pés dele tocaram o asfalto, percebi o vazio que nos rodeava. Estrada sem fim, sem farol de carro, sem sinal de cidade. O breu só era cortado pelas lâmpadas vermelhas na traseira do caminhão.
— Qual é o seu nome mesmo?
— Uhm… Alvin, senhor.
— A prova de resistência começou, Alvin. Você e a Lauren vão à frente. O caminho é até Dugway. Quem chegar, fica. Quem cair, não levanta mais.
Ficamos surpresos e em estado de descrença diante da situação. Lauren sequer discutiu sobre o assunto quando dirigiu-se à eles do outro caminhão que estava.
— Tá de sacanagem, andar até Dugway?! Isso é quilômetro pra caralho!
— Sem botas.
— Hahah… — Riu-se, incrédulo. — Quer que eu ande descalço nesse asfalto? Vai fritar meu pé em duas horas.
— Não perguntei. Tire e entregue.
Lauren se abaixou, tirou as botas e as deixou no asfalto. O outro demorou mais, mas, sob o olhar rigoroso de Nicholas, acabou se abaixando também. Com raiva, arrancou as botas e arremessou uma delas no chão.
— Isso aqui não é treinamento, é tortura.
Ao aproximar-se, a sombra de Nicholas caiu sobre o homem.
— Quem não aguenta, não serve. Simples.
Pegou nas botas que estavam no chão. Lauren não se mexeu, tendo mantido os braços firmes ao lado do corpo em sinal de indiferença. O outro esfregava os pés no asfalto para se habituar à aspereza do contato.
Apenas assisti a cena. A ironia me corroía por dentro. O sujeito que falava com tanta convicção sobre a fraqueza das mulheres não podia imaginar que estava, justamente, ao lado de uma, exposto da forma mais cruel possível.
Não era necessário nenhum argumento, o destino oferecia sua resposta.
— Caminhem e não parem até ouvir ordem contrária.
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