Capítulo 81 - O plano é 25% infalível
A porta rangeu e, conforme se abriu, uma lufada de ar quente escapou de dentro. O escuro do Auditório os engoliu como uma boca esperando para se fechar.
— Maravilhoso. — Nicholas entrou primeiro, iluminando o ambiente com a lanterna. — Cheiro de lugar feliz.
Sam hesitou na entrada, com os ombros tensos. Não queria estar lá. De jeito nenhum.
O auditório era vasto e cavernoso, e a escuridão consumia a luz fraca da lanterna. Fileiras de poltronas de veludo carmesim se estendiam até onde a vista alcançava, a maioria rasgada, expondo espuma embolorada. Uma parte delas estava tombada, aparentemente empurrada por algo. No chão, restos de embalagens de lanches antigos e copos de refrigerante dos anos 90 misturavam-se à poeira acumulada.
— Isso não faz sentido. — disse Sam, olhando ao redor com inquietação. — Por que um estúdio de animação teria um auditório desse tamanho?
— Exibições privadas, testes de público. — respondeu Nicholas, enquanto caminhava entre as fileiras de cadeiras. — Os anos 90 foram uma época de ouro para animação. Essas produtoras faziam questão de impressionar investidores.
Sam chutou um pedaço de lata amassada.
— Impressionar, né? Esse lugar tá fazendo um ótimo trabalho me aterrorizando.
O feixe de luz deslizou pelo chão até encontrar algo no fundo da sala. Nicholas ergueu a lanterna, revelando a cabine de projeção no alto do auditório. A janela de vidro estava quebrada. Algo ali dentro refletia a luz.
— Acho que não estamos sozinhos aqui.
— Isso foi uma piada, certo?
Antes que pudesse responder, um som mecânico preencheu o espaço. Um clique. Um motor girando. A luz da lanterna encontrou o projetor. Era um equipamento antigo, enorme, robusto. E havia acabado de ligar sozinho.
Sam deu um passo para trás.
— Cara… cara, isso não é normal.
Nicholas manteve os olhos fixos na máquina. Então, a projeção começou.
A tela à frente se iluminou com um clarão nostálgico e inquietante. A poeira suspensa no facho de luz girava lentamente, como se fosse puxada para dentro da projeção. Uma trilha sonora animada começou a tocar, aqueles jingles alegres e exagerados típicos de comerciais antigos. Antes que a imagem se estabilizasse, um vídeo promocional do WonderheartStudio piscou na tela, datado pelos tons saturados e pelo entusiasmo quase artificial da narração.
— Bem-vindo ao mundo mágico do WonderheartStudio! Onde os sonhos das crianças ganham vida na tela!
Com uma energia forçada, uma voz feminina se fez ouvir, cortando para os bastidores do estúdio. Os animadores deram um sorriso para a câmera cercados por pilhas de storyboards, papéis rabiscados e canecas de café meio vazias. A sala estava cheia de vida e de pequenas bagunças, como brinquedos e moldes de personagens esculpidos em argila, além de esboços colados nas paredes. No centro da tela, um homem alto, de óculos grossos e cabelo escuro penteado para trás, virou-se para o operador da câmera, abrindo um sorriso gentil.
— Este é Joseph Cartwright, o visionário por trás do Wonderheart Studio!
Cartwright apertava a mão de um jovem animador e apontava para um grande painel cheio de rascunhos de personagens. A câmera focou em uma pilha de documentos, papeis marcados com carimbos governamentais, diagramas e contratos assinados com selos corporativos.
A projeção cortou para uma sequência animada. Um coelho antropomórfico de sorriso largo surgiu saltitando por uma floresta colorida, seguido de perto por uma menina de vestido azul e olhos grandes demais. Logo depois, um urso surgia ao fundo, seu rosto não parecia combinar com o resto do corpo, como se tivesse sido desenhado por outra mão, outro artista. Os traços das animações eram inconsistentes, alternando entre suavidade e rigidez, como se cada quadro tivesse sido desenhado por pessoas diferentes.
Nicholas franziu a testa.
— O que foi? — Sam sussurrou.
— Tô com um mal pressentimento.
O vídeo continuou, sem se importar com o desconforto que causava. A narração prosseguiu:
— Na Wonderheart, a gente se dedica a criar uma experiência infantil perfeita. Cada detalhe é escolhido com muito cuidado pra inspirar alegria e admiração, mostrando nosso compromi…
O vídeo falhou.
Alguns quadros congelaram. O coelho travou no ar. Seus olhos se voltaram para a câmera. Seu sorriso se esticou demais, e seus dentes brancos ganharam uma luminosidade estranha.
A menina manteve a boca aberta e os dentes à mostra. Seu rosto tinha algo a mais. Por um instante, um segundo par de olhos piscou em sua bochecha.
O panda torceu o pescoço e revelou um novo ângulo horrível a cada frame.
A narração fez uma pausa, e um ruído de fundo emergiu, baixo, quase inaudível. Por trás da voz principal, soava um som agudo e irregular, um chiado que tentava formar palavras.
— Cartwright… trouxe… perfeição…
A tela tremulou novamente. Houve um problema com a imagem. Pequenos cortes e falhas mostravam fragmentos de algo escondido por trás da animação colorida. Algo escuro. Algo que não deveria estar ali.
A imagem então ficou preta.
Quando voltou, a gravação já não era mais a mesma.
O ambiente dos animadores estava vazio. As mesas estavam reviradas, com storyboards espalhados no chão. A câmera tremia, como se alguém a segurasse às pressas.
Joseph Cartwright apareceu novamente na tela, mas não como antes. Seu sorriso havia desaparecido. Seu rosto estava suado, e seu olhar, arregalado. Ele parecia falar com alguém fora do enquadramento.
As imagens se distorceram. A imagem queimou. O som falhou, mas não completamente. Uma nova voz surgiu na gravação, abafada, sufocada pela estática.
— Pai.
Sam engoliu em seco.
A voz voltou, fragmentada.
— Pai, me tira daqui.
A imagem queimou outra vez e a trilha sonora infantil retornou abruptamente, sem que nada tivesse acontecido. O vídeo seguiu seu curso normalmente, com a narração retomando seu tom publicitário:
— A Wonderheart sempre foi uma referência de inovação e magia! Nossos desenhos marcaram gerações e trouxeram sorrisos para milhões de lares!
A cena cortou para um grupo de crianças rindo enquanto assistiam televisão. Seus olhos estavam muito abertos, seus sorrisos muito largos.
— Nós criamos sonhos. Nós criamos memórias. Nós criamos…
A voz oscilou. O som chiou.
— … novos sacrifícios.
A trilha sonora foi se distorcendo lentamente, até formar um arranjo de notas dissonantes. A tela tremulou, a película nos cantos queimou levemente, mas o vídeo continuou. Então, a imagem mudou para uma nova cena. Era um grande salão, com fileiras de cadeiras alinhadas e um palco iluminado. Um projetor similar ao que tinham à frente aparecia ao fundo, lançando um facho de luz sobre uma tela semelhante àquela que eles estavam assistindo.
— Que porra é essa…?
Nicholas deu um passo para trás. O salão na gravação era idêntico ao auditório onde estavam. Cada poltrona, cada detalhe no teto, cada falha no estofado. Não era uma animação. Não era uma simulação. Era uma gravação real daquele mesmo lugar, décadas atrás.
A câmera tremeu. Na tela do vídeo, o projetor chiou e queimou em um clarão súbito. A imagem tremeu uma última vez antes de desvanecer em um campo branco de estática.
E então, a tela diante deles fez o mesmo.
O tecido do pano vibrou, como se algo o puxasse por dentro. Pequenos rasgos começaram a se formar no centro, alargando-se gradualmente.
Nicholas instintivamente puxou sua arma do coldre.
O primeiro deles deslizou para fora da tela feito uma mancha de tinta escorrendo por um papel encharcado. O corpo, disforme a princípio, passou a se contorcer até assumir uma estrutura quase humanoide, embora a maneira como os ossos estalavam e as articulações se dobravam parecesse… errada.
O segundo emergiu da lateral do palco, com os membros se arrastando pelo chão, e um rastro viscoso de tinta negra se espalhava pelo carpete encardido. Logo, outros começaram a surgir, alguns caindo do teto como bonecos abandonados, outros emergindo dos espaços entre as poltronas do auditório.
Os Mephistos estavam por toda parte.
O cheiro era avassalador. O cheiro era um misto de papel queimado, solvente de tinta e algo úmido, que lembrava mofo envelhecido.
— Isso tá ficando pior, senhor.
O agente não respondeu. O problema não era a quantidade. Era a inteligência. Se fossem apenas aberrações descontroladas, correr poderia ser uma opção. Mas esses movimentos tinham padrões. Algumas criaturas hesitavam, testando o ambiente. Outras se posicionavam estrategicamente, fechando rotas de fuga.
Ele ergueu a glock, mas não disparou. Um confronto direto não era impossível, mas exigiria balas demais e sorte em excesso. Além disso, havia Sam. Nicholas não se preocupava com sua vida – se morresse, problema dele – mas a dor de cabeça burocrática que isso causaria seria insuportável.
Contou mentalmente as saídas, avaliou a distância entre o projetor e o palco, observou a disposição dos assentos e a estrutura das passarelas laterais. O auditório tinha uma acústica peculiar, o som reverberava de maneira traiçoeira. Poderia usar isso.
— Se eu disser que tenho um plano, você acredita?
O olhar ao lado não foi muito animador.
— Depende. Tem alguma parte em que eu não morro?
— Isso depende de você seguir as instruções.
As criaturas atacaram.
A primeira avançou com um salto torto, buscando agarrar qualquer parte exposta com os dedos finos e afiados. Nicholas desviou no último momento e puxou o gatilho. O tiro atravessou o ombro, e uma explosão de tinta negra se espalhou pelo encosto da poltrona. A coisa recuou, mas não caiu. Um segundo disparo estourou seu crânio, e o corpo desabou como um monte de trapos encharcados.
O estampido do tiro serviu como um gatilho para as outras.
Nicholas chutou um refletor quebrado no chão. O cilindro metálico rolou e caiu próximo ao corredor lateral, gerando um ruído alto e faíscas ao bater em um cabo exposto. A luz oscilou, e sombras instáveis foram criadas. As criaturas hesitaram. Ele aproveitou a oportunidade.
— Vai pra trás das fileiras de assentos e mantém a cabeça abaixada.
Sam correu sem discutir.
Nicholas recuou para uma posição melhor. O maior erro no combate corpo a corpo era se deixar encurralar, e esse ambiente era um convite ao desastre. Precisava de um ponto alto, um campo de visão claro.
Um dos Mephistos rastejou até mais perto, escoando pelo chão como se não tivesse ossos. Seu braço se esticou e a ponta dos dedos se afilou como agulhas. Nicholas torceu o pulso para o lado, para se esquivar, e prendeu o membro da criatura contra o apoio da poltrona com o peso do próprio corpo. Antes que ela conseguisse reagir, ele usou a coronha da glock para esmagar o crânio deformado. A cabeça explodiu em tinta negra, e o corpo tremulou antes de cair inerte.
Outros começaram a se reconfigurar, percebendo a resistência.
Nicholas se moveu rapidamente.
Os refletores no teto ainda estavam parcialmente conectados à fiação. Se um curto-circuito fosse causado, poderia criar uma explosão de luz intensa o suficiente para desorientá-los. No entanto, isso não seria suficiente. O projetor era a chave.
— Qual é o próximo passo? — Sam perguntou.
— Preciso alcançar o projetor.
— Você acha que desligar vai adiantar?
— Acho que destruir me parece uma opção mais confiável.
— Ótimo. Só faltou dizer como a gente chega lá sem morrer.
Nicholas avaliou as opções. A maioria dos Mephistos se concentrava na parte inferior do auditório, entre as poltronas e próximo ao palco. Isso significava que o caminho mais seguro era por cima.
— Escala os assentos. Pega impulso nas bordas, não pisa no meio.
— O quê?!
— Você quer que eu desenhe um manual? Só faz.
Sam ficou em dúvida, mas começou a subir. Nicholas seguiu logo atrás, andando mais rápido. As poltronas rangeavam, porém a estrutura sustentava. Os Mephistos tentavam segui-los, sem sucesso devido à movimentação irregular.
Quase no topo, um deles agarrou a perna de Sam.
O grito ficou preso na garganta do garoto, e Nicholas agiu antes que a coisa pudesse puxá-lo para baixo. Ele chutou direto na junção entre o pescoço e o ombro. A criatura soltou um estalo e caiu de volta no chão.
Chegaram à área técnica acima do auditório. O projetor continuava tremulando e exibindo imagens borradas.
Nicholas abaixou-se para vasculhar os destroços até encontrar um cartucho disparado. O estojo de latão ainda estava quente, com a borda levemente dilatada pelo calor da combustão. Desmontou-o, extraindo a pólvora não queimada que estava presa no fundo. Ela ainda estava seca.
— Você já fez isso antes, né? — Sam perguntou, os olhos seguindo os movimentos rápidos dele.
— Se eu dissesse que sim, ajudaria sua confiança?
— Não muito.
— Então esquece.
Nicholas pegou um fio exposto de um dos refletores danificados. A fiação de cobre ainda carregava carga residual. Com cuidado, despejou a pólvora sobre o circuito defeituoso, criando um canal fino e preciso que conectava a base do projetor ao ponto de ignição. Era preciso apenas uma faísca. Um disparo certeiro faria o resto.
Ele mirou com a glock e apertou o gatilho.
O impacto da bala rompeu o isolamento do fio, o que criou um curto-circuito imediato. Centelhas saltaram pelo cobre exposto antes que a corrente elétrica atingisse a linha de pólvora. Em menos de um segundo, a ignição ocorreu de maneira súbita e violenta. Uma explosão curta e seca sacudiu a base do projetor, estilhaçando vidro e metal.
A estrutura tremeu. A luz piscou de maneira errática, e os alto-falantes estouraram em um chiado agudo final. Então, como se um filme antigo alcançasse sua última cena, a tela se contorceu. O tecido inflamável pegou fogo, e as imagens se dissolveram em um espetáculo grotesco de cores queimadas.
Os Mephistos começaram a desaparecer.
Não como algo físico que desmorona, mas como tinta diluída em água, desfazendo-se de dentro para fora. Primeiro, os contornos. Depois, os membros, os troncos, os rostos deformados. Cada um deles derretia em manchas escuras, evaporando no ar em um silêncio absoluto.
O auditório ficou quieto.
O fogo na tela ainda crepitava, projetando sombras dançantes sobre os assentos destruídos. O cheiro de queimado, poeira e ferrugem impregnava o ar. Nicholas permaneceu parado, observando os restos fumegantes do projetor.
Então, pegou a glock e girou-a no dedo.
— Então… — Sam engoliu em seco, limpando a poeira da roupa. — Isso foi…
— Uma tragédia audiovisual. Eu sei.
— Eu ia dizer um inferno.
— Você nunca assistiu uma matinê lotada, né?
— Já, mas, geralmente, essas coisas não tentam me matar. Quero dizer, tentaram.
— Então você teve sorte. — Nicholas olhou para a fumaça subindo dos restos do projetor. — Alguns pais também não são muito diferentes dos Mephistos.
Sam soltou uma risada nervosa, mas ainda parecia abalado. Passou a mão pelo rosto, tentando afastar o suor e a fuligem.
— Então… qual era a chance real disso dar certo?
— Ah, uns… vinte por cento.
O garoto congelou.
— Você arriscou nossas vidas num plano com vinte por cento de chance?!
— Eu aumentaria para vinte e cinco, se você quiser se sentir melhor.
— Isso não melhora nada!
Nicholas deu um tapinha no ombro dele.
— Relaxe. Se tivesse dado errado, você não teria que se preocupar com isso agora.
— E você ainda acha que eu deveria me sentir melhor?!
— A gente tá vivo, não tá?
— Tecnicamente!
Nicholas ignorou o chilique e passou a examinar o ambiente. A madeira das cadeiras rangia sob seus passos. As cortinas pesadas, antes usadas para ocultar a tela de projeção, ainda estavam lá, embora manchadas pelo tempo. Ele puxou uma delas, tentando entender se havia algo por trás. Nada.
Sam suspirou.
— O que exatamente a gente tá procurando?
— Algo que valha tudo isso. — Ele apontou com o queixo para os destroços. — Não fazia sentido esconder só o projetor. Alguma coisa nesse auditório precisava ser evitada a qualquer custo.
Nicholas varreu o olhar pelo ambiente mais uma vez. O palco estava vazio, os assentos também. O único lugar que restava era a parede oculta pelo pesado pano negro ao fundo do auditório. A cortina não era apenas um detalhe decorativo, mas um limite que alguém, em algum momento, quis impor. E limites, para ele, só existiam para serem atravessados.
Ele ergueu a mão e fez sinal para Sam.
— Vem cá.
O mesmo hesitou. Seu olhar oscilava entre Nicholas e a cortina como se, de algum jeito, se recusasse a aceitar que aquilo fosse acontecer.
— Eu já odeio isso. — resmungou, mas se aproximou.
O agente segurou um pedaço do tecido. Ele estava áspero. Sam pegou a outra ponta e, de uma só vez, começaram a puxá-lo para baixo. O pano desabou aos pés deles, levantando uma pequena nuvem de poeira.
Atrás, algo fez Sam prender a respiração e Nicholas apertar o maxilar.
Eram escrituras.
Não eram rabiscos comuns. Linhas caóticas, entalhadas com força bruta na madeira, entrecruzavam-se em formas geométricas desconexas, símbolos que brilhavam sob a luz fraca. Alguns trechos estavam gravados com tanta fúria que ainda havia lascas de madeira penduradas. Algumas estavam escritas em tinta escura. Outras, arranhadas diretamente na superfície, sem o uso de qualquer ferramenta, mas sim de unhas humanas.
Acontece que não eram só símbolos.
Nicholas estreitou os olhos e analisou as inscrições. Havia um padrão ali, algo quase lógico no meio do caos. Frases repetidas, circulares, que conduziam a um ponto central, como um mapa, uma estrutura de pensamento oculta sob a loucura aparente. Todos os traços pareciam intencionais, como se seguissem um esquema que só fazia sentido para quem os escreveu.
Sam deu um passo para trás involuntariamente.
— Senhor…
Ele já tinha visto. Não precisava que Sam apontasse. O choque na voz do garoto apenas confirmou o óbvio.
Corpos.
Pendurados como marionetes sem vida, presos por grossas cordas que cortavam a carne onde apertavam os pulsos e os tornozelos. Não se tratava de esqueletos secos e esquecidos pelas intempéries. Ainda tinham carne, ressequida, esticada sobre ossos proeminentes, feito couro apodrecido. O envelhecimento não os consumiu completamente, mas os transformou em algo que não deveria existir.
A pele escura e endurecida pelo ressecamento formava rugas sobre os músculos que já não cumpriam nenhuma função. As costelas estavam expostas, pressionadas contra a pele fina, e as bocas, abertas num último grito que jamais foi ouvido. As órbitas vazias, onde antes haviam olhos, os encaravam.
Nicholas não desviou o olhar. Caminhou até um dos corpos e ergueu a lanterna, examinando os detalhes. Marcas cobriam a pele, cortes profundos e padronizados. Eram os mesmos símbolos esculpidos na parede, entalhados diretamente na carne. Não foram feitos após a morte. O jeito como a pele cicatrizou indicava que essas pessoas – ou o que restou delas – ainda estavam vivas quando foram marcadas.
— Eles foram usados.
Olhou ao redor, deu um passo para trás e absorveu a cena de um ângulo mais amplo. As inscrições, a disposição dos corpos, o estado de conservação anormal. Algo naquela sala fez com que essas coisas ficassem mais preservadas do que deveriam estar. E, seja lá o que fosse, ainda poderia estar por ali.
— Puta merda. Espero que Emilly consiga encontrar algo.
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