Capítulo 8 - Juízo dos dois lados
O ar gélido infiltrou-se furtivamente pela fresta da porta, cutucando a minha pele e despertando os meus sentidos gradualmente. Era um contraste agudo com os sonhos febris que me cativaram durante a noite, um pesadelo confuso e asfixiante que deixava um gosto amargo na boca ao acordar.
O ruído da porta se abrindo soou como um gume sonoro. Metálico e penetrante, ele ecoava pelo vazio da cela. Fiz esforço para clarear a névoa do torpor, enquanto a luz tênue se derramava pela entrada.
Duas figuras apareceram. Vestiam armaduras táticas negras que, sob a luz fluorescente, brilhavam absurdamente, grudadas aos seus corpos. Em suas mãos, rifle brilhavam de maneira sinistra, parecendo uma extensão de suas essências.
Ainda me sentia desorientado como se estivesse sob um cobertor encharcado. A cada piscar, a visão se tornava mais nítida, mas a náusea persistia. Antes que pudesse reagir, senti um aperto áspero em meus pulsos.
As algemas se abriram com um clique seco, deixando uma sensação de ardor no lugar onde estiveram. Mas a liberdade que aquilo trouxe durou menos de um segundo. Um anel metálico gelado foi colocado ao redor do meu pescoço, apertado o suficiente para que eu sentisse sua presença a cada respiração.
Um zumbido baixo emanava da coleira, como um aviso constante.
O barulho da porta se fechando atrás de mim ecoou como uma batida de martelo. Fui escoltado pelos guardas pelo corredor, enquanto forte iluminação fluorescente revelava o que me cercava.
O lugar era frio, impessoal, mais semelhante à ideia de uma prisão do que propriamente uma prisão real. Cada maçaneta, cada fechadura, contribuía para a sensação de que tudo ali estava contido, mas sempre prestes a escapar.
Havia um cheiro de desinfetante no ar, quase sufocante. Talvez fosse uma tentativa desesperada de encobrir algo que não podia ser escondido. Ele vinha das paredes, do chão, talvez até de mim.
As sombras projetadas pelas luzes eram intensas, delineando formas angulares que iam e vinham nas bordas da minha visão. Com cada passo, eu me via em uma passagem mais longa e mais apertada, era como se o próprio lugar quisesse me engolir.
Passei por uma porta com arranhões profundos na superfície de metal. Os cortes eram irregulares, sugerindo que algo de dentro estava tentando escapar — ou algo de fora, entrar. A ideia fez meu estômago revirar.
— Anda logo. — A voz de um dos guardas cortou o silêncio, ríspida e sem emoção.
Eu continuava caminhando, mesmo assim, aos poucos, minha mente se desviava para perguntas que não pareciam ter respostas.
À minha direita, recebi a atenção de um deles com um olhar que misturava repulsa e prazer perverso, como se visse diante de si algo intrigante e vil.
— Um menino possuído? — Ele comentou, cruzando os braços com um ar de satisfação fria. — E tão jovem. Esse mundo já tá indo pro inferno mesmo. Você acha que devíamos soltá-lo? Sei lá, talvez ele nem fosse culpado. Podia ter sido só um surto, uma dessas coisas acontecem.
O guarda à minha esquerda riu, uma risada seca e incrédula, ecoando pelos corredores como uma ofensa.
— Só pode estar brincando, né? — Balançou a cabeça, aquele sorriso sarcástico aumentando. — Sabe o que parece um surto? Uma criança arrancando seu braço fora se você bobear. Não tem inocente aqui, amigo, e se tem, eles não duram. Crianças, homens, mulheres, velhos, tanto faz. Esse lixo infernal não escolhe. E você quer bancar o salvador?
O que estava à minha direita suspirou, visivelmente desconfortável, e senti seus olhos em mim, embora ele logo tenha desviado o olhar.
— Ele é só um adolescente, porra! Como qualquer outro. Olha pra ele, acha mesmo que esse moleque escolheu isso? Ele parece mais apavorado que qualquer um de nós. Como caralhos uma vida acaba assim?
— Ah, acorda! Isso é o que eles fazem. Parecem inocentes, fazem você achar que vale a pena arriscar, e então, bam! — Ele fez um gesto de explosão com as mãos. — Você acaba com as tripas espalhadas pelo chão e um Mephisto lambendo o que sobrou. Fica aí com sua piedade, que logo vai estar em pedaços pra alguém limpar.
O som das botas no chão ecoava pelo corredor, pesando a cada passo, enquanto eu tentava ignorar o frio na espinha.
— Que merda de mundo… — murmurou. — Um garoto condenado antes mesmo de entender o que aconteceu com ele.
— Bem-vindo ao trabalho, parceiro. E sabe de uma coisa? O moleque devia até se considerar sortudo. Pelo menos não vai precisar crescer pra ver o mundo afundando ainda mais.
Decidi manter-me em silêncio, temendo que qualquer palavra que saísse da minha boca pudesse ser usada contra mim.
Tanto minha morte quanto outro local de execução pareciam estar chegando.
Então, chegamos à Sala de Execução.
Havia uma multidão considerável reunida ali: vários guardas armados posicionados, prontos para minha punição.
Com suas paredes feitas de concreto e metal, sua intrincada rede de canos, fios transmitindo energia, fluidos por todo o lugar dava ao espaço uma vibração geral assustadora
No meio da sala vi uma cadeira elétrica que se assemelhava a uma relíquia de tortura, cercada por uma complexa rede de monitores e sensores destinados a rastrear de perto os sinais vitais e a atividade cerebral de qualquer entidade sobrenatural submetida a ela.
Um eletrodo ansiosamente colocado estava pronto para ser afixado em minha testa.
Além disso, um mecanismo inventivo escondido no interior da cadeira poderia produzir uma voltagem incrivelmente alta, um feixe cuja força poderia matar qualquer ser humano com eficiência fria e cruel.
O ar na sala era espesso com o odor a fumo e a queimado, fazendo o ambiente parecer pesado e deprimente.
Sentei-me na cadeira e um guarda prendeu meus pulsos com faixas de metal.
Ouvia os gemidos agonizantes dos animais nos meus ouvidos, apesar do silêncio que reinava na sala.
A pulsação tumultuosa e errática do meu próprio coração era evidente, ressoando nos meus ouvidos. Parecia que o ar estava a ficar mais fino e a evaporar-se de mim, transformando-se num recurso valioso, onde cada respiração que eu fazia era um esforço.
Tudo neste ambiente fez-me perceber que me estava a aproximar da minha morte, que era o último lugar onde quero estar.
Uma pessoa chegou depois.
— Outra vez precisamos recorrer à cadeira elétrica. — disse o recém-chegado.
— O caso é mais grave do que o normal. — advertiu um soldado.
— Não é como se tivéssemos escolhas.
No início, a voz ressoava de forma neutra, quase enganosa, e por um instante acreditei que pertencia a um homem. Mas, com cada palavra, a profundidade, a clareza, e a autoridade intrínseca deixaram claro o erro na minha suposição.
Era uma mulher.
Ela usava o uniforme formal padrão, mas havia algo mais em sua postura, algo que fazia as roupas parecerem uma armadura.
Seu cabelo escuro estava preso em um rabo de cavalo, com fios grisalhos que não conseguiam esconder completamente o tom escuro e uniforme da pele. Não era só aparência; era presença.
Ao lado dela, duas figuras menores. Um garoto de cabelo ruivo brilhante, de braços cruzados. Ao lado dele, uma jovem de cabelos castanho-escuros, com uma espada embainhada presa na cintura.
Apesar da pose confiante, os rostos de ambos não passavam da altura dos ombros da mulher.
— Foi determinado que a pena de morte de Krynt Hughes, um jovem de 17 anos que caiu sob a influência de Mephisto e se tornou cúmplice no Massacre de Boston, é justificável.
Foi como se uma pedra tivesse caído no meu peito. Senti como se um peso estivesse esmagando meus pulmões, não me deixando respirar.
Fechei os olhos por um momento, tentando acalmar a tempestade que se formava dentro de mim. Meu coração batia forte, como um tambor em guerra, enquanto minha respiração ofegava. Ainda assim, eu precisava manter o controle.
Ela continuou.
— É com pesar que chegamos a esta conclusão, mas é nosso dever buscar a justiça, mesmo quando ela se mostra implacável. Que este momento nos lembre da responsabilidade que recai sobre nós, ao enfrentar as profundezas mais sombrias da humanidade.
Era difícil decidir o que era mais sufocante: o significado do que ela dizia ou o peso moral que carregava em sua entonação, como se acreditasse plenamente no que fazia.
Não era apenas a minha vida que estava sendo sentenciada. Era uma extensão de algo maior, um sistema que via a erradicação de comportamentos indesejáveis como um dever. E, ao mesmo tempo, tratava a sentença de morte como uma espécie de equilíbrio moral — um castigo justo para um crime que eu mal compreendia completamente.
Havia um contraste nítido ali. A prática de longa data de exterminar espécies que não se encaixavam nas “regras naturais” era quase arbitrária, movida por medos irracionais e preconceitos enraizados. Mas, de alguma forma, eles justificavam minha execução como uma punição inevitável. Como se o que eu tivesse feito fosse algo tão monstruoso que nem mesmo meu lado humano pudesse ser salvo.
Não havia como argumentar, como lutar contra aquilo. Só restava o som da voz dela, como uma foice cortando qualquer possibilidade de esperança. Eu precisava manter a calma, mas a cada segundo, o chão sob mim parecia mais incerto, como se eu estivesse tentando andar em areia movediça.
No fundo, sabia que ela acreditava estar certa. E era isso que tornava tudo ainda mais cruel.
Olhei para os soldados alinhados contra as paredes e percebi que eles também me observavam. Suas expressões refletiam exatamente como o mundo me enxergava: um erro a ser apagado.
Entre eles, estava aquele loirinho.
Ele chegou tarde, mas veio. O que isso significava?
— Ahem. Eu recorreria a tudo o que pudesse usar neste momento, seja provocação ou conversa fiada.
Ele falava com um certo desdém. Com um peso, talvez.
A vice-líder ergueu uma sobrancelha.
— O que exatamente isso significa, Mikael?
O tom dela era irritado, não surpreso. Pessoas como ela não se davam ao luxo da surpresa.
Ele inspirou fundo. E então, algo aconteceu. Algo que ninguém esperava.
— Sou contra a execução desse garoto.
O mundo congelou.
Não foi só o silêncio, não foi só a rigidez dos ombros ao redor. Foi o jeito como a atmosfera mudou, como se a estrutura invisível que sustentava a ordem daquela sala tivesse rachado.
A vice-líder não piscou.
— Essa decisão já foi tomada. Você sabe disso.
Mikael não desviou o olhar.
— E foi tomada rápido demais.
Dessa vez, algumas cabeças se viraram para ele.
— Ele é só um adolescente.
Ela riu. Curta e afiada, como vidro quebrando.
— Adolescente? Você quer argumentar em defesa de um assassino? — Seu olhar me atravessou como uma faca. — Quarenta mortos, Mikael. Quarenta.
A voz dela era firme, uma retórica lapidada para cortar qualquer tentativa de apelo emocional.
— Sangue pisado nos corredores de uma escola, cadernos boiando em poças vermelhas. Você sabe o que os pais dessas crianças dizem? Que os filhos foram sacrificados num ritual de puro horror. Que a humanidade está sendo caçada dentro das próprias casas. E eles não estão errados. Você quer argumentar que foi um acidente? Que esse massacre não teve um mandante?
Senti na minha pele o peso dessas palavras, como lâminas. Vi, em um piscar de olhos, o corredor cheio de gritos, os olhos arregalados fixados em mim enquanto meu dedo afundava na carne deles. Minhas mãos tremiam e minha mente estava… fragmentada.
Mas Mikael manteve o olhar impassível.
— Você realmente acredita que ele escolheu isso?
A vice-líder inclinou a cabeça.
— Escolheu ou não, as consequências são reais.
Ela me olhava como se eu fosse algo a ser estudado.
— A Agência existe para garantir que isso não aconteça de novo. A sua execução não é sobre você, Krynt. Nunca foi. É sobre o que vem depois. O que acontece com o próximo.
Mikael descruzou os braços.
— Mas não está impedindo. Está só punindo.
Por um instante, ninguém se moveu.
O que foi aquilo? Uma rachadura na fundação?
Ele continuou.
— Esses jovens… Não são simplesmente corrompidos. Eles são usados. Possuídos. Transformados em armas por algo que ultrapassa nossa compreensão. Ele não puxou o gatilho. A coisa dentro dele puxou.
Eu engoli seco. Ele via.
Mas a vice-líder não piscou.
— A Agência não foi feita para entender. Foi feita para controlar.
E ali estava a verdade. O que importava não era se eu era culpado ou não. O que importava era que a minha morte sustentaria a ordem.
— O mundo lá fora está à beira do colapso, Mikael. Nossa existência depende da confiança pública. Se começarmos a hesitar, se mostrarmos fraqueza…
Ela me olhou de novo.
— As pessoas precisam acreditar que estamos protegendo o bem comum.
— Então não passa de um espetáculo.
— Você chama de espetáculo. Eu chamo de política.
— Política. — Mikael soltou um riso amargo. — É engraçado, sabe? A gente finge que isso tudo é alguma forma de justiça, mas é só relações públicas. É só manutenção de poder. Se esse garoto não fosse um caso midiático, se essa história não tivesse virado um furacão, será que a gente estaria aqui?
— Você está simplificando demais.
— Estou? — Mikael se inclinou ligeiramente. — Diga-me, vice-líder, se a gente estivesse nos anos 90, a resposta seria superpredador? Se estivéssemos nos anos 2000, seria terrorista? Se fosse 2019, ele seria só mais um caso para alimentar a cultura da punição e do medo? É sempre a mesma narrativa, só mudam os rótulos.
Ela não reagiu.
— Eu já ouvi isso antes. O governo dos Estados Unidos também achou que a guerra às drogas seria a solução. Resultado? Uma crise carcerária que transformou jovens infratores em condenados perpétuos antes de completarem dezoito anos. Você acha que isso aqui é diferente? Nós prendemos, julgamos e matamos sem nem tentar entender a raiz do problema.
O metal sob meus pulsos esquentou. Não pela eletricidade ainda adormecida, mas por causa da certeza do que estava por vir. Mikael se virou para mim.
— Krynt foi uma vítima antes de se tornar uma arma.
Ele a olhou de volta.
— E cada execução só enterra mais fundo a verdadeira questão.
Apesar da expressão segura, havia algo no olhar dela. Algo incômodo.
— Você realmente acredita que existe alguma solução? Alguma maneira de salvar alguém como ele, Mikael?
E eis que surge a pergunta real. Pela primeira vez desde que me sentei nessa cadeira, quis saber a resposta.
Mikael levou algum tempo para responder. Não foi hesitação. Não foi fraqueza. Foi algo mais sério: reflexão. Ele sustentou o olhar da vice-líder, de maneira que seus olhos pareciam buscar algo além da superfície. Talvez ele estivesse se fazendo a mesma pergunta. Ou talvez ele nunca se permitisse considerar de fato essa questão.
A cadeira grudava na minha pele através da minha camisa suada. Os dedos da vice-líder batucavam no coldre, e cada clique da unha no metal era sincronizado com o meu coração.
— Se existe uma solução? — Ele repetiu, baixinho.
Passou uma mão pelo rosto, inspirou, soltou o ar devagar.
— A resposta honesta? Eu não sei. Mas eu sei disso: a solução não é essa.
A vice-líder estreitou os olhos.
— Então o que propõe? — Ela ergueu um dos ombros com desdém. — Que o reabilitemos? Que o coloquemos em um programa de reintegração, como um ex-dependente químico tentando se limpar? Talvez um daqueles programas para ex-militares que voltam com a cabeça despedaçada e que depois são esquecidos debaixo de pontes e viadutos?
Ela se inclinou para frente, sua voz baixa, cortante:
— Você sabe quantos ataques ocorreram nos últimos dez anos? Quantos Mephistos já rasgaram cidades inteiras, tornaram crianças órfãs e empilharam cadáveres em números que sequer conseguimos mais contar? E todas elas, sem exceção, foram resultado do mesmo problema. O sobrenatural não segue nossa moralidade. Não responde à sua empatia. Se der uma chance, engole você inteiro.
Mikael fechou os olhos por um instante.
— E nós também.
A vice-líder franziu a testa.
— Nós também engolimos as pessoas inteiras. Executamos. Torturamos. Prendemos. Descartamos. E sempre justificamos isso dizendo que estamos preservando a ordem, protegendo a humanidade de horrores incontroláveis. Mas e se a gente estiver errado? E se esse ciclo só continuar porque nunca tentamos nada diferente?
Ela balançou a cabeça.
— Você está propondo uma alternativa para um problema que não entende.
— E você está condenando um garoto sem nem tentar entender o problema. Sugiro que usasse a mesma lógica dos anos 50. Na Guerra Fria, qualquer um que cheirasse a nazista era caçado. Nos anos 80, satanismo. Hoje, Mephistos. Sempre um bode expiatório para justificar o poder. — Ele apontou para mim, e meu coração acelerou. — Krynt não é um serial killer. É sintoma de algo maior. Algo que a Agência prefere ignorar porque é mais fácil queimar um garoto do que admitir que não controlamos nada.
Os olhos ao redor dele se estreitaram, desconfiados, mas havia algo na sinceridade do tom que mantinha a atenção de todos, mesmo dos mais céticos. Ele prosseguiu:
—Não estou dizendo também que não devem existir consequências, mas acredito que precisamos de algo além de pura punição. Precisamos de compreensão. Se não buscamos entender as forças e as circunstâncias que impulsionam esses atos, como podemos, em sã consciência, esperar evitar novos casos no futuro? Igual em Frankenmuth, em 2002. Lá, queimamos o corpo, mas não as perguntas.
Eu podia ver que alguns o olhavam como se ele fosse ingênuo, enquanto outros pareciam pensativos, como se suas palavras tivessem despertado algo incômodo, mas verdadeiro.
Os ecos de suas vozes, preenchendo a sala, criavam uma cacofonia de opiniões ferozes, com convicção e um único propósito: decidir o destino de alguém que sequer tinha a chance de se defender. A moralidade estava em jogo, dissecada por pontos de vista conflitantes.
Uma voz do fundo ecoou:
— Talvez a vice-líder tenha um ponto. Precisamos investir em maneiras de identificar e tratar os fatores de risco antes que esses crimes aconteçam. Isso evitaria mais tragédias.
Logo em seguida, outra voz se levantou em discordância:
— A reabilitação tem o seu valor, sim. Pode ser útil para prevenir que infratores reincidam. Mas qual a garantia de que funcionaria com um possuído? A situação é mais sombria do que isso.
Fechei os olhos. Não sou eu, pensei. É a coisa que botaram dentro de mim. Mas até isso soava falso agora. O peso da questão parecia se agravar a cada fala, até que uma resposta curta, carregada de escárnio, cortou o ar.
— Compreensão? Não estamos aqui para entender as motivações de monstros. Esse é um luxo que não podemos bancar. A prioridade é proteger a sociedade, não romantizar a mente de quem mata sem pensar.
Eu observava as expressões endurecidas, as palavras severas que transformavam o debate em uma batalha.
— A pena de morte ou prisão perpétua têm sua função. Elas previnem futuros crimes, garantem que certas ameaças não voltem. Mas falar em reintegração? Isso é fantasia. Não é possível.
A tensão escalava como uma corda sendo puxada ao limite, as vozes se tornando mais inflexíveis, cada lado mais seguro de que sua visão de justiça era a única que deveria prevalecer. De repente, Mikael tomou a palavra:
— Você está certa em um ponto. A pena de morte é uma medida radical. Mas, senhora vice-líder, o que realmente acontece aqui é que estamos escolhendo executar uma pessoa sem provas concretas de culpa. Um garoto condenado por associação, por um crime que ele nem entende. Então, sim, isso é injusto.
A sala ficou em silêncio. A vice-líder permaneceu em pé, imóvel, com os olhos fixos em algum ponto indefinido do chão. Uma tensão pairava no ar enquanto todos aguardavam uma resposta, a decisão que ela tomaria.
Ela finalmente ergueu o olhar, o rosto duro, mas os olhos… talvez refletissem algo mais profundo.
— E se começarmos a executar pessoas com base em suposições? — Mikael continuou. — Como ficará nossa empresa, nossa sociedade, se ignorarmos nossos próprios princípios de justiça e imparcialidade? Onde isso vai parar?
Ela manteve o olhar fixo nele por um extenso tempo. O olhar de incerteza, por um momento, cruzou seus olhos, traindo a firmeza de sua postura.
— Se essa for sua decisão final… então oficializo que Krynt Hughes é considerado inocente e, temporariamente, está isento da pena de morte.
Por um momento, o peso sufocante da sentença pareceu se dissipar, oferecendo uma breve pausa na densa atmosfera de incerteza. Foi uma sensação surreal, como se o destino tivesse adiado a sentença para um dia ainda distante.
— Mas, vice-líder, isso é… — disse um dos guardas, avançando um passo à frente.
— Fique quieto! — O tom dela não deixava espaço para contestações, uma ordem irrefutável. Era como se cada palavra cravasse raízes naqueles que a ouviam, obrigando-os a uma obediência imediata. O guarda recuou, o rosto se fechando em um silêncio relutante.
Então, sem desviar o olhar, ela voltou-se para Mikael, e a dureza em seus olhos parecia reforçar a gravidade de cada sílaba que pronunciava.
— No entanto, Mikael — continuou, pausadamente, dando ênfase a cada palavra —, você agora é o responsável direto por Krynt Hughes. A custódia dele será sua. E entenda bem, se ele voltar a cometer os atos pelos quais foi acusado, a sentença de morte será aplicada. A ambos.
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