Capítulo 23 - Acerto de contas
A guerra, de fato, nunca terminou. Não para aqueles que viviam sob a longa sombra do Reich, que se espalhara por grande parte da Europa. Os desfiles de bandeiras vermelhas com suásticas se tornaram tão banais quanto o som dos trens cruzando as fronteiras. A Alemanha havia vencido, e o resto do continente se ajustou à nova ordem, curvando-se sob o peso de um regime que fazia da obediência um dogma e do medo uma arte.
No entanto, a vitória teve um custo, mesmo para os vencedores. A brutalidade pura e simples, a selvageria dos campos de extermínio e a destruição em massa deixaram marcas indeléveis na reputação do Reich.
Era difícil consolidar um império quando os sobreviventes carregavam lembranças e cicatrizes suficientes para incitar a resistência. Para homens como Erich Schneider, essa constatação abriu um novo caminho: a guerra psicológica.
Schneider via o terror como uma arma tão eficaz quanto uma baioneta. Ele sabia que a violência aberta criava mártires, mas o medo, quando gerenciado adequadamente, destruía a resistência antes mesmo de ela se manifestar.
Sob sua liderança, os Einsatzgruppen se transformaram. Eles deixaram de ser as máquinas de extermínio em massa das frentes do Leste Europeu para se tornarem instrumentos precisos de manipulação e assassinato seletivo.
A divisão ideológica que o mundo enfrentava era mais do que uma simples divisão territorial. Era um abismo esculpido por décadas de sangue e aço, reforçado pela Cortina de Ferro que dividia a Europa em dois.
No Leste, o Reich governava com mão de ferro, impondo um sistema que sufocava qualquer noção de liberdade e aniquilava os direitos humanos como se de poeira de uma mesa se tratasse.
A democracia era um conceito abolido, uma heresia que existia apenas como um resquício nas memórias mais antigas ou em sussurros abafados que desapareciam tão rapidamente quanto apareciam nos países governados pelo regime.
Por outro lado, o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América, manteve a sua posição de bastião do ideal democrático, mas com crescente cinismo. A liberdade que prometiam era moldada tanto por interesses econômicos e militares como pela brutalidade do regime nazista.
Entre as duas forças, o resto do mundo assistia, preso num ciclo de alianças forçadas, espionagem e guerras travadas nas sombras.
Walter era uma relíquia viva desse terror. Não era um soldado qualquer. Não havia espaço para medíocres nas temidas unidades de extermínio nazistas, as Einsatzgruppen, que reduziam vilarejos inteiros a cinzas e gritos esquecidos.
Wolfgang e Walter não questionaram as ordens. Não porque acreditassem plenamente nelas, mas porque questionar estava além das possibilidades dos mortos. Eram sombras vivas de uma época que havia abandonado a moralidade, sobrevivendo em um mundo no qual a neutralidade era sinônimo de fraqueza.
Enquanto isso, à medida que o Reich reforçava sua hegemonia na Polônia, Hungria e Romênia, qualquer dissidência era esmagada com brutal eficiência. Os campos de concentração passaram a se chamar “centros de reeducação”, mas as câmaras de gás e os fornos continuaram funcionando.
Intelectuais, artistas e ativistas desapareceram com uma frequência assustadora. A propaganda nazista justificava esse fato como uma “necessidade de estabilidade”. Para aqueles que viviam sob o regime, não havia escapatória além da conformidade ou da extinção.
A Guerra Fria entre os dois gigantes quase causou uma catástrofe permanente no mundo. E, no meio deste caos, Walter e Wolfgang continuaram a ser usados, sacrificando os últimos vestígios de suas identidades em nome de um conflito que nenhum deles compreendia totalmente. Eles eram assassinos e vítimas, fantoches e culpados, fragmentos de um mundo que havia perdido qualquer sentido de humanidade.
Walter Müller, ou Philip Gordon, nome pelo qual era conhecido, havia cruzado o Atlântico carregando uma bagagem que seu passaporte falso não conseguia esconder. Atravessar o oceano não era apenas uma empreitada migratória, mas um salto desesperado em uma existência que ele mal compreendia.
O mar cinzento, vasto e inóspito, devolvia a imagem da tempestade que se abatia sobre ele. Deixar o Reich não tinha sido uma decisão fácil, mas uma fuga que misturava medo, arrependimento e um impulso egoísta de sobreviver.
A entrada nos Estados Unidos foi uma negociação habilidosamente conduzida, um jogo cínico de interesses políticos e morais convenientes. O governo americano, obcecado em conter o Reich e obter informações estratégicas, estava disposto em fechar os olhos para o passado de Walter.
A Operação Paperclip, que já havia dado abrigo a cientistas nazistas em troca de tecnologia militar, facilitou a chegada de outros “ativos valiosos”. Walter era um desses ativos.
Suas conexões com Schneider e seu conhecimento sobre o aparato da máquina nazista eram a moeda de troca. Ele sabia demais: detalhes sobre os movimentos dos Einsatzgruppen, operações clandestinas e os centros de pesquisa que sustentavam o domínio do Reich na Europa Oriental.
Suas confissões não eram fruto de arrependimento sincero, mas de uma necessidade urgente de sobrevivência. Ele forneceu informações cruciais em doses suficientes para garantir sua utilidade, mas nunca mais do que o necessário.
O governo americano sabia quem ele era e o que havia feito, mas justificou a barganha com o pragmatismo brutal exigido pela Guerra Fria. Valores eram maleáveis na busca pela hegemonia global. “O inimigo do meu inimigo” não era apenas um ditado, mas uma doutrina operacional. O moralismo pregado pelos Estados Unidos em seus discursos públicos era, na prática, uma conveniente fachada.
Quando Walter pisou em solo americano, sua nova identidade já estava pronta. Ele se tornou um homem comum, recluso, um imigrante em busca de uma vida tranquila no coração do país. Dakota do Sul, com seus campos vastos e cidades pequenas, tornou-se o refúgio perfeito.
O isolamento da região era, ao mesmo tempo, uma bênção e uma maldição. Longe da atenção do Reich, ele podia respirar sem medo de ser encontrado, mas os dias passavam devagar e os fantasmas de seu passado o assombravam.
A nova vida não era apenas uma tentativa de se esconder, mas de se redimir. Trabalhar no setor financeiro não era suficiente para sufocar a necessidade de compensar suas ações.
Ele começou a se voluntariar em centros de refugiados, auxiliando famílias que haviam escapado da devastação da Europa. Com seu inglês limitado, era difícil comunicar-se plenamente, mas os gestos falavam por si.
Muitos daqueles que ele ajudava vinham de regiões que ele sabia ter devastado. Era uma forma amarga de expiação, uma tentativa de equilibrar as contas, mesmo sabendo que o saldo jamais seria quitado.
Casar-se foi outra tentativa de reconstrução. Sua esposa conhecia apenas fragmentos de sua história.
Essa vida, no entanto, pendia perigosamente no fio da navalha.
— Por que vocês vieram até aqui? — Walter quebrou o momento. Não era tanto uma pergunta quanto um último esforço para adiar o inevitável.
Wolfgang deu um passo à frente, afastando a aba longa do sobretudo militar que usava, revelando a insígnia bordada no uniforme. Sua expressão contorcia-se entre a indignação e um prazer cruel, os dentes expostos em algo que não podia ser chamado de sorriso.
— Por quê? Por que diabos eu precisaria de um porquê? Porra, Major, não fode. Você vende dissidência nesta fossa capitalista, envenenando as mentes desses fracos, e acha que não vamos ficar sabendo disso? Gestapo, Herr Müller! Isto é fruto da sua traição. Você virou as costas ao seu próprio povo, ao seu próprio sangue!
Walter engoliu em seco, mas sentia a garganta seca como areia. O pavor enrijeceu todos os seus músculos. Ele sabia o que a presença daquele homem significava. Sabia que o tempo que havia passado escondido e a vida que tentara reconstruir haviam chegado ao fim. Seu nome, seu passado, sua fuga — tudo.
— Eu entendo… — disse Walter, com a voz oscilando entre a raiva e a resignação. — Entendo as razões de vocês, mesmo que não concorde. Mas todos nós estamos marcados por esta guerra. As cicatrizes não desaparecem, não importa o que façamos.
Wolfgang inclinou a cabeça, como se ponderasse aquelas palavras por um momento. Mas a zombaria em seu olhar permaneceu intacta.
— Talvez, um dia, quando isso terminar, encontremos um caminho para a reconciliação. Por enquanto, Herr Müller, enfrentamos o que está diante de nós.
Foi então que Walter ouviu o som de passos arrastados atrás de Wolfgang. Outra figura surgiu na sala, surgindo da penumbra como um presságio.
O seu primeiro pensamento foi de negação, mas quando a figura entrou na luz, a realidade revelou-se em toda a sua brutalidade.
Tinha uma beleza que, em outro contexto, poderia ser considerada delicada, mas que, naquele momento, não passava de um instrumento de manipulação e medo. Seus cabelos louros escuros estavam presos em um coque baixo, que realçava os traços finos de seu rosto. Seus olhos azuis eram tão claros quanto os de Wolfgang.
Ela vestia um casaco militar que se ajustava ao seu corpo esguio, e as ombreiras pontiagudas realçavam uma presença imponente, mesmo em silêncio. A insígnia das SS presa em seu braço esquerdo brilhava com um tom prateado, uma espécie de escárnio do ambiente manchado de sangue que o rodeava.
As luvas de couro preto deixavam transparecer apenas a brutalidade que ela podia infligir, enquanto seus olhos inspecionavam cada detalhe da sala como os de um predador que nunca falhava em um movimento.
Consigo trazia algo, algo que balançava ligeiramente nas suas mãos.
O corpo sem vida da esposa de Walter jazia nos braços da alemã. A cabeça pendia descomunalmente, ligada ao pescoço apenas por fios de carne e tendões. O sangue tinha manchado o vestido que ela tinha vestido horas antes, formando uma cascata escura que secava e adquiria uma cor marrom. Os seus olhos estavam abertos, vidrados, e os seus lábios estavam entreabertos numa expressão de terror congelado.
Walter sentiu as pernas falharem por um momento, mas forçou-se a permanecer de pé. Sua respiração tornou-se curta, ofegante, enquanto a visão diante dele esmagava qualquer esperança que ainda tivesse.
A mulher que carregava o cadáver caminhou até o centro da sala e, com uma delicadeza que era mais cruel do que qualquer brutalidade, deixou o corpo cair no chão. O som do impacto foi abafado, mas ecoou na mente de Walter como um trovão.
— Ela era encantadora, não era? — disse, examinando as unhas como se o espetáculo à sua frente fosse apenas um detalhe. — Mas não devemos nos apegar a distrações, não é mesmo?
Walter não conseguia falar. Cada músculo tremia, cada fibra de seu ser implorava por ação, mas ele estava paralisado. O cheiro de sangue fresco enchia o ambiente, misturado ao perfume leve que a esposa sempre usava.
— Isso, Major, é o preço da sua traição. — continuou, agora aproximando-se dele. — Você fugiu, abandonou seu posto, e ainda ousou envenenar outros com suas palavras. Mas o Reich… o Reich sempre encontra os seus.
O homem finalmente conseguiu falar, mas sua voz era baixa, quase inaudível.
— Ela não tinha nada a ver com isso, Mavie.
— Não, ela não tinha, mas você tinha, logo faz essa vadia ter também. E você sabia que ninguém próximo a você estaria a salvo.
A realidade do que estava acontecendo se abateu sobre ele como uma avalanche. A única coisa que restava era o peso de sua própria culpa, a consciência de que, por mais que tentasse, jamais poderia escapar do que tinha sido.
Mavie baixou-se para colocar a mão no bolso do casaco ensanguentado da vítima. Retirou de lá um envelope e o entregou a Walter.
— As últimas palavras dela para você, Major. Leia com calma. Não teremos pressa.
Ao segurar o papel com mãos trêmulas, Walter sabia que o conteúdo seria a última gota no oceano de sua condenação.
“Walter,
Se você está lendo isso, então já sabe que eles vieram por você. Antes que me odeie, antes que me chame de tudo o que sei que está pensando, quero que entenda algo: eu te amei. Eu te amei com tudo o que tinha, mesmo quando percebi que não te conhecia de verdade.
Eu descobri seus arquivos. O armário trancado no porão, com os documentos falsos, os papeis da Gestapo. Você tentou enterrá-los, mas nada enterrado permanece oculto para sempre. Você fez parte dos Einsatzgruppen. Você não foi um soldado lutando em uma guerra; foi um carrasco. Um executor.
Sabe o que mais me destruiu? Não foi o que você fez — eu já vi do que os homens são capazes. Foi a covardia de esconder isso. Achar que podia escapar. Que poderia se esconder em uma nova identidade, uma nova vida, uma nova esposa. Que poderia me usar como escudo para sua redenção podre.
Eu tive que agir. Não fui à Gestapo nem a qualquer organização deles. Eu fui mais esperta do que você imaginava. Usei o telefone comunitário da igreja, aquele que você sempre achava que era inocente. Falei com um número que encontrei em um panfleto, algo que achei escondido naqueles jornais que você jurava não ler e contei tudo.
Eu não podia viver com a dúvida. Eu precisava saber se o homem que dormia ao meu lado era o mesmo que ajudou a destruir famílias, o mesmo que apontou armas e deu ordens para acabar com vidas. E, se fosse, precisava que você pagasse. Mesmo que isso custasse tudo.
Você pode me odiar, e talvez devesse. Eu também te odiei, por um tempo. Mas a verdade é que, mesmo enquanto escrevo isso, ainda te amo de um jeito que não consigo explicar. É um amor que doi, Walter, porque ele está misturado ao desgosto, à vergonha, ao medo. Eu só queria um homem, um lar, um futuro. Mas você me trouxe um passado que eu não poderia aceitar.
Se isso te dá algum consolo — e talvez não dê —, eu não fiz isso por vingança. Fiz porque a justiça é maior do que nós. Você escapou, mas não se livrou. E ninguém deveria poder escapar do que fez. Nem mesmo você.
Eu te amei, e te odeio por me fazer odiar você. Adeus, Walter. Ou Philip. Ou seja lá quem você decidiu ser desta vez.
Com amor,
Elise.”
O papel escorregou de suas mãos. Ele não conseguiu segurá-lo. As palavras dela estavam agora impregnadas em sua mente, como um selo final de sua condenação.
Wolfgang soltou uma risada baixa.
— Sutil, não acha? — disse o homem, sua voz carregada de ironia enquanto o olhar varria a cena, parando por um momento no corpo ensanguentado no chão.
Walter permaneceu em silêncio, os músculos tensos e a garganta seca. Não havia resposta que pudesse dar. A traição de Elise, sua própria culpa, o cadáver à sua frente, tudo parecia ter se unido em um peso insuportável.
— Interessante como até aqueles que mais te amam sabem quem você realmente é — comentou Mavie, a voz cortante como um chicote.
Walter desviou o olhar para o chão. O corpo de Elise, agora imóvel e vazio, estava estendido diante dele. A carta, manchada de sangue, repousava próxima ao sangue que escorria pelo piso. Não havia como fugir da verdade: ele estava sozinho. Sempre estivera.
— E então, Major? — provocou Wolfgang, cruzando os braços enquanto se inclinava contra a parede. — O que você vai fazer agora? Buscar redenção? Buscar vingança? Ou aceitar de vez que o passado sempre foi mais forte que você?
A pergunta ficou no ar. Walter não respondeu. Não havia necessidade.
Cof cof!
A tosse rouca ecoou no ambiente, seguida por uma intervenção abrupta de outra pessoa no sofá.
Ele estava sentado com uma perna cruzada sobre a outra, mantendo a postura relaxada, mas exalando uma intensidade plácida. Seus olhos brilhavam em vermelho, um impressionante e perturbador contraste com seu rosto sóbrio.
A expressão dele era de calma contemplação, com os lábios pressionados em uma linha fina enquanto apoiava o queixo na mão. A sensação geral era de incerteza, como se ele estivesse pronto para entrar em ação a qualquer momento.
— Não vai falar nada? — disse, inclinando-se ligeiramente para frente, os dedos entrelaçados..— Benjamin, essa mulher… Eles não são mais o que você conheceu. Eles foram instrumentos. Peças. Flores plantadas em solo envenenado.
— Serviu… a quem?
Ele sorriu. Se inclinou para frente. Os cotovelos estavam apoiados nos joelhos. A postura agora mais próxima, mais ameaçadora.
— Serviu ao propósito maior, é claro. — respondeu, como se fosse óbvio. — Algo que você nunca compreendeu, nem mesmo quando ainda era um dos nossos. Hill City é um campo fértil, sabia? Uma cidade pequena, ignorada pelo resto do país. Perfeita para nossas intenções. Benjamin foi uma peça crucial, assim como Elise. Eles entregaram mais do que suas vidas; entregaram seu espírito ao que está por vir.
— Você os usou como sacrifício?
— Sacrifício é uma palavra tão limitada. Eu prefiro pensar neles como… sementes. Tudo o que é plantado requer um custo. Até o solo mais fértil precisa ser irrigado. E eles cumpriram esse papel lindamente.
Ainda que a crueldade das palavras o tivesse atingido profundamente, alguma coisa a mais estava presente nas palavras dele. Uma frieza metódica e um desdém absoluto pela vida humana. Ele não estava apenas dizendo o que tinha feito, mas demonstrando que aquilo não era uma exceção, mas a norma.
— Você ainda se ilude achando que sua fuga, sua redenção, poderiam significar algo — continuou. —, mas olhe ao seu redor. A América é tão corrupta quanto o Reich. Vocês escolhem lideranças que mentem, traem e sacrificam os seus sem pensar duas vezes. Não somos diferentes. Apenas somos honestos sobre como fazemos isso.
As observações feitas tinham um peso que Walter não podia ignorar. Ele reconheceu que o seu ponto de vista era válido. A negociação de sua própria entrada nos Estados Unidos era um exemplo claro da hipocrisia que se insinua até mesmo nas democracias mais respeitadas.
— Mas o que importa agora — levantou-se — é que você entende que nunca teve controle. Nem de sua vida, nem de sua redenção, e certamente não do que virá a seguir. Hill City está pronta, Major. O solo foi preparado, as sementes foram plantadas, e a colheita será inevitável.
Ele deu alguns passos lentos pela sala. Ao parar na frente de Walter, ele se curvou ligeiramente.
— Você se pergunta se ainda há algo para salvar? Não há. Tudo já foi decidido. Você, Benjamin, Elise… Todos vocês são peças descartáveis. Ferramentas. Quando a fome é grande o suficiente, Major, não importa o que você precise sacrificar.
A fúria de Walter finalmente transbordou. Ele ergueu o olhar, as mãos tremendo de ódio.
— Se a guerra, a ambição e a glória são o que vocês buscam, então vão diretamente para o inferno e permaneçam lá.
O sorriso nos lábios dele cresceu.
— Palavras corajosas para um homem sem saída.
No instante seguinte, Wolfgang e Mavie agiram em perfeita sincronia, como predadores movidos por instinto.
Wolfgang ergueu a mão em direção ao pescoço do homem, enquanto Mavie apontava a lâmina longa de sua lança diretamente para o estômago dele.
— Bem, Major, acho que é hora de você se despedir. Quais serão suas últimas palavras?
Walter olhou para os três, respirando fundo. O corpo cansado ameaçava ceder, mas sua mente se recusava a aceitar o destino imposto.
— Vocês não são nada além de ferramentas de sua própria destruição. Podem rir agora, mas o que vocês construíram é feito de cinzas. Quando tudo ruir, serão essas mesmas cinzas que cobrirão seus corpos.
Wolfgang estreitou os olhos, visivelmente incomodado pela declaração, mas o outro não parecia abalar-se. Ele ergueu a mão levemente, um gesto que deu a Mavie o sinal para terminar. A lança foi erguida, a ponta prateada brilhando sob a luz difusa da sala.
— Sua problemática está prestes a terminar, se não se importa. — disse ela.
Walter fechou os olhos por um instante, esperando o golpe. Mas a raiva, o ódio e a determinação ainda ardiam dentro dele. Se ele caísse ali, que fosse como um homem que resistiu até o fim.
Nenhum homem são poderia suportar isso. Seu voto a Schneider, um juramento moldado nas chamas do fervor nacional, havia se transformado em um peso.
A visão de um Reich de mil anos, que antes brilhava como um símbolo de esperança, havia se transformado em uma zombaria hedionda de autoridade, um gigante monstruoso consumindo sua própria prole.
O espectro da culpa, uma aparição medonha, dilacerava sua consciência. Ele era um mero componente em um mecanismo de brutalidade inconcebível, um agente em uma catástrofe de escala monumental. Os inocentes, extintos como velas em uma tempestade, eram um testamento sombrio.
Esses entes, trajando as vestes da nação, eram verdadeiramente demônios. Destruíram os alicerces da civilização, profanaram a santidade da vida e disseminaram as sementes da ruína pelo mundo. Seu reinado foi um flagelo para os humanos, uma marca permanente que macularia para sempre a história.
A vitória magnífica, a honra e o esplendor da pátria que servira, a paz que poderia ter sido concedida aos que partiram. Tudo isso formava um legado para as gerações vindouras e, o mais significativo, a serenidade e o consolo, uma redenção pelas decisões tomadas e pelas vidas afetadas.
— Sieg Heil!
Wolfgang gritava o cumprimento com o braço esquerdo estendido. Essa saudação que, para muitos, simbolizava glória e unidade
— O grupo deles deve chegar amanhã. Temos ainda muito tempo. Subjugaremos toda Hill City e celebraremos a coroação do Rei. As almas desta cidade sacrificada serão usadas para alinhar o sol e a lua, marcando a chegada do Mundo Carmesim.
Ao dizer essas palavras, ele estendeu as mãos, como se estivesse manipulando marionetes invisíveis.
— Mas não se enganem. Para manter o domínio sobre essa cidade, muitos deles serão rebaixados a algo menos que humanos. Escravos de nossa vontade.
— Sim, Klaus Fritz! — disse Mavie. Suas roupas estavam tingidas de vermelho.
— Estou aqui para servi-lo! — A voz de Wolf ecoou com a mesma determinação de Mavie. Seus olhos, frios e sem vida, observaram o corpo inerte de Walter com desdém.
— Ótimo. Prometi ao nosso Führer que traríamos mais poder ao Reich quando todos estivessem reunidos. Mas o poder que buscamos não é comum. O poder do meu rei deve ser absoluto.
O homem caído no chão era um lembrete amargo do custo dessa guerra.
— Querido ceifador, erga-se com sua fúria…
Klaus se aproximou do corpo estendido no chão, o rosto pálido voltado para cima.
O sangue continuava a gotejar, formando uma poça escarlate que parecia expandir-se a cada momento que passava.
Era um cadáver humano, uma existência que outrora pulsara com vida, repleta de identidade, sentimentos e sofrimentos que agora se dissipavam em meio à morte.
— … utilize sua maldade sem restrições…
Diante do antigo soldado alemão, Fritz ajoelhou-se, estendendo a mão sobre a pele do cadáver.
O líquido vermelho que fluía de suas veias retornou à carne, uma metamorfose sombria que transcendia a decadência da morte.
A transformação era como um rito profano, o corpo reanimando-se com uma força que não era natural.
Era como se a escuridão da alma do morto tivesse sido revivida, agora agindo como uma força sinistra e coletiva.
— … agora, aceite e destrua com uma crueldade implacável.
As costas de Klaus se curvaram, um sorriso obscuro brincando em seus lábios enquanto seu olhar se voltava para os outros dois.
— Wolfgang von Ludwig, Mavie von Schmidt. Amanhã vamos liberar o caos.
O pacto entre eles não era de confiança, tampouco de lealdade. Era um contrato moldado pela necessidade mútua de destruição. Uma aliança que não reconhecia limites ou valores, onde cada ato de violência era tanto uma obrigação quanto um prazer sádico.
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