Índice de Capítulo

    O ronco abafado de um motor diesel cortou o ar parado da noite. Um veículo preto, sujo de poeira e lama seca, virou na curva estreita e parou diante da entrada lateral da agência – uma van blindada, com as portas traseiras amassadas e o para-choque pendendo levemente.

    A agente pensou por segundos antes de sair. Segurou o volante consoante decidia se aquele lugar merecia sua presença. 

    O motor desligou com um soluço cansado.

    A porta do motorista se abriu com um rangido irritado. A mulher que desceu parecia carregar a noite nos ombros. 

    Cabelos de um vermelho profundo, como a polpa de uma cereja madura, balançavam levemente à altura dos ombros, refletindo as luzes e criando um halo discreto ao redor de sua cabeça. As mechas não pareciam cuidadosamente arrumadas, porém também não davam margem ao descuido.

    Seu uniforme tinha marcas de desgaste nos ombros e nas pernas. Sobre o peito, a insígnia da águia com as garras cravadas em uma lâmina era um símbolo que todos reconheciam. Ela era uma Agente de Campo de Classe Veterano. 

    Um veterano exercia um papel mais significativo do que apenas estar um degrau acima dos agentes comuns, abrangendo aqueles que resistiram ao impossível. Os veteranos correspondem ao núcleo da equipe, portando a sabedoria adquirida com suas cicatrizes e a perspicácia resultante de suas experiências. 

    Enquanto isso, os Agentes de classe inferior forneciam suporte essencial. Ainda que representem apenas uma fração da força de trabalho, sua ausência seria como retirar a coluna vertebral da organização.

    À medida que caminhava, desabotoava o sobretudo, deixando o uniforme justo por baixo à mostra. Em sua cintura, um coldre preto prendia uma pistola compacta e uma faca de combate.

    Caminhou até a entrada secundária, ignorando a placa torta na parede e a câmera que a seguiu. Passou o crachá no leitor e a porta abriu.

    Ela passou pela recepção sem olhar para o lado, mas a voz veio mesmo assim:

    — Cê voltou viva. Ponto pra você.

    O comentário saiu do segurança da noite. Ele se ajeitou na cadeira, coçando o pescoço.

    A gente parou e soltou o ar pelo nariz.

    — É, por enquanto.

    — Missão boa?

    Olhou para aquele homem secamente, tentando se lembrar do que era uma missão boa.

    — Não. E não pergunta mais nada.

    O guarda ergueu as mãos num gesto de rendição, mas deu uma risadinha curta.

    — Já entendi.

    O solado das botas rangia sobre o cascalho úmido à medida que se aproximava da entrada lateral da base. Não carregava nada além de si mesma, apesar de sua presença arrastar uma tensão inescapável, tamanha era a sensação de que até o ambiente precisava segurar a respiração.

    Ela virou à direita e seguiu até a sala de arquivos. A porta automática se abriu, dando acesso a um ambiente funcional e apertado. As prateleiras metálicas estavam alinhadas metodicamente, com caixas de documentos etiquetadas em tons neutros dispostas em cada uma. 

    Conectados a um único terminal central, na parede oposta, uma fileira de computadores emitia um zumbido baixo. O ambiente era iluminado por lâmpadas fixas e brancas, frias como o resto da base, sem deixar espaço para sombras.

    À direita, uma pequena impressora continuava imprimindo relatórios, cujas folhas deslizavam para uma bandeja já abarrotada.

    Ao lado da impressora, um Agente de Campo estava encostado em uma mesa de aço, de maneira relaxada contrastante com as olheiras em seu rosto. Era um homem corpulento, de barba por fazer e olhos castigados pelo peso de anos de más escolhas. Um cigarro queimava lentamente entre os dedos, e a fumaça se misturava ao cheiro do papel recém-impresso.

    — Laurinha, finalmente. — falou, sem tirar o cigarro da mão. — Não me diga que você veio só pra entregar más notícias.

    Laura parou no batente, de olhos fixos nele, indecisa se entraria ou daria meia-volta. O rosto dela revelava mais do que uma noite difícil. As linhas ao redor dos olhos sinalizavam cansaço, mais por acomodação do que por verdadeiro esgotamento. Passou a mão pelo cinto tático para não esmurrar algo.

    — Owen, se fossem boas notícias, você acha que eu estaria aqui a essa hora?

    Ele soltou uma risada curta e amarga, apagando o cigarro num cinzeiro improvisado feito de uma velha tampa de metal. 

    — Claro que não. Então fala, o que foi dessa vez?

    Laura avançou alguns passos até a mesa, pegando uma das folhas da bandeja. O papel ainda estava quente.

    — Foi uma emboscada. O Mephisto não estava sozinho. Tinha mais alguém. — Colocou o relatório de volta na mesa.

    Owen levantou uma sobrancelha e inclinou-se ligeiramente para a frente. 

    — Uma emboscada? Caramba, Laura. Parece mais uma desculpinha pra dizer que você não estava preparada.

    A mulher fez uma pausa por um momento. Seu maxilar cerrado deixava claro o esforço que estava fazendo para não explodir.

    — Eu não estava despreparada. Eu vi o que vi. — Se aproximou, deixando pouco espaço entre eles. — Havia outro Mephisto lá. Alguém que ajudou ele. Isso não foi coincidência, nem descontrole. Você quer ignorar isso? Problema seu, mas eu não vou.

    O agente deu de ombros, acendendo outro cigarro. O gesto tinha uma indiferença que fazia o sangue de Laura ferver.

    — Tá bom, tá bom. Se você diz… — Ortega deu um trago lento, soltando a fumaça pelo canto da boca. — Mas, sabe, às vezes você precisa admitir que nem sempre dá pra prever tudo. Nem você é perfeita.

    Laura respirou fundo e passou a mão pelo rosto antes de se virar. Era nítida sua frustração ao caminhar em direção à saída. No momento em que chegou à porta, parou por um segundo, sem olhar para trás.

    — Eu tenho um relatório pra entregar. — Com uma rápida olhada sobre o ombro, complementou: — E vai se foder.

    Owen soprou a fumaça pelo canto da boca, desta vez sem sorrir. Continuou ali, encarando o espaço vazio onde ela tinha estado.

    Laura apertou os punhos ao ponto dos nós dos dedos ficarem brancos, mas não diminuiu o ritmo. Bem sabia que Owen não dizia aquelas coisas por mal. Ou talvez dissesse, mas isso não importava. Importava que ele não entendia. Ninguém entendia, na verdade. 

    — Vamos logo.

    Chegou ao elevador. A tela digital próxima a ele emitia uma luz azul fraca. Ao digitar outro código, as portas se abriram. O espelho refletiu sua imagem.

    Foram dezenove horas de atividade incessante, durante as quais lutou não apenas com o peso físico, mas também com a tensão das decisões, o gosto amargo e a dura lembrança que ainda se agarrava à sua pele.

    Enquanto descia, os andares passavam como o tique-taque de um relógio. A Sala de Relatórios a aguardava no 12º andar. 

    O clima estava mais pesado no momento em que saiu do elevador. A iluminação era mais suave. Queria-se, assim, respeitar a seriedade das discussões que estavam ocorrendo ali.

    A sala de relatórios estava localizada no centro de um complexo de escritórios, separado por paredes de vidro reforçado. Sua trajetória pelo corredor a fez passar por um pequeno grupo de agentes que cochichavam entre si.

    Suas conversas pararam no momento em que a viram.

    Laura abriu a porta lentamente.

    No centro da sala, uma mesa oval de aço inoxidável refletia a luz, enquanto no canto, uma figura solitária montava guarda ao lado de um bastião de armários de arquivo, com o farfalhar dos papéis quebrando o silêncio. 

    Sua pele pálida contrastava fortemente com os cabelos negros que caíam em cascata sobre seus ombros como cortinas sombrias. De olhos tão escuros quanto a noite, a mulher examinava cuidadosamente as pastas à sua frente que continham informações sobre os Mephistos, enquanto seus dedos deslizavam de um documento para o outro, procurando por algo específico.

    — Com licença, senhorita Raven.

    Raven a encarou. Em seu peito, havia o emblema de um corvo estilizado circundando um globo com asas estendidas, o que a caracterizava como uma Analista de Inteligência.

    Os especialistas nesse campo se comprometiam a coletar, interpretar e analisar informações cruciais sobre Mephistos e manobras militares. Dado o papel fundamental dos analistas na aquisição e decifração de dados de missão crítica, eles geralmente trabalhavam em estreita colaboração com Agentes de Campo.

    — Pois não?

    Raven guardou as pastas, exceto uma.

    Voltou para a mesa com o item em mãos. Deixando-o sobre a superfície da mesa, se sentou, pronta para ouvi-la.

    — Vim trazer o relatório da operação em Harrisburg. Os detalhes estão prontos para sua revisão.

    Ela assentiu calmamente com a cabeça. Fez um gesto para que a agente o entregasse.

    O relatório foi disposto à superfície. Estava guardado em uma pasta de couro preto, confeccionada especialmente para preservar documentos confidenciais.

    Raven retirou o papel da pasta e começou a ler o conteúdo com atenção.

    Relatório de Incidente: Operação em Harrisburg

    Data: 10 de agosto de 2022

    Horário de Início da Missão: 04:00

    Horário de Conclusão da Missão: 23:00

    Localização: Harrisburg, Estados Unidos

    Descrição da Missão:

    A operação foi iniciada em resposta a relatos de atividades sobrenaturais na cidade de Harrisburg, especificamente na área ao redor do parque Riverfront. A missão tinha como objetivo investigar e conter a ameaça representada por um Mephisto, que, de acordo com relatos, estava causando perturbações significativas na comunidade local.

    Equipe de Intervenção:

    A equipe de intervenção consistia em 15 agentes altamente treinados, especializados em enfrentar ameaças paranormais, incluindo os especialistas:

    • Agente Susan Thompson 
    • Agente James Rodriguez
    • Agente Michael Harris
    • Agente Beatrice Smith

    Detalhes Estatísticos:

    Horário de Avistamento Inicial: O Mephisto foi inicialmente avistado por moradores locais por volta das 03:30, o que levou à mobilização imediata da equipe de intervenção às 04:00.

    Local Específico: A atividade do Mephisto foi concentrada na área ao redor do parque Riverfront, próximo à ponte Walnut Street. 

    Tipo do Mephisto: Com base nas observações da equipe de intervenção, o Mephisto foi classificado como Classe Regular, caracterizada por sua forma sombria e habilidades sobrenaturais.

    Desenvolvimento da Missão:

    A missão foi dividida em três fases distintas: investigação, contenção e eliminação. Durante a fase de investigação, a equipe de intervenção confirmou a presença do Mephisto e estabeleceu um perímetro de segurança ao redor da área afetada.

    A fase de contenção envolveu a implementação de medidas preventivas para limitar a movimentação do Mephisto e proteger os civis locais. Durante esta fase, a equipe enfrentou resistência significativa por parte da criatura, resultando em confrontos intensos e desafios para manter o controle da situação.

    A fase final da missão, eliminação, visava neutralizar o Mephisto. Estratégias foram ajustadas com base nas observações durante a fase de contenção. A batalha final ocorreu por volta das 21:00, quando a equipe conseguiu enfraquecer a criatura o suficiente para aplicar com sucesso um feitiço de banimento.

    Baixas da Equipe:

    Infelizmente, a operação levou a cabo quatro baixas de membros da equipe. As circunstâncias exatas dessas baixas estão sob investigação, mas parece que ocorreram durante confrontos diretos com o Mephisto.

    • Agente Rodriguez (Morto em Ação): Durante um confronto intensivo, o Agente Rodriguez foi sobrecarregado por uma energia desconhecida, resultando em fatalidades.
    • Agente Williams (Morto em Ação): Durante a fase de contenção, o Agente Williams enfrentou uma investida surpreendente de outro Mephisto, resultando em ferimentos fatais.
    • Agente Thompson (Desaparecido em Ação): O Agente Thompson desapareceu durante a fase de eliminação. As circunstâncias exatas do desaparecimento estão sendo investigadas.
    • Agente Harris (Morto em Ação): O Agente Harris sofreu ferimentos graves durante o confronto final e não resistiu.

    As sobrancelhas de Raven se franziram durante a análise minuciosa do relatório, como se cada ponto de dados fosse um diamante sob a avaliação de um joalheiro.

    O silêncio na sala havia se transformado em algo sepulcral, carregado de peso. Diante da tensão crescente a cada segundo, ela sentia uma tempestade se formando logo abaixo da superfície.

    Olhar para o rosto de Raven, gravado com uma obstinação sombria, fez com que a agente sentisse um nó na garganta. Embora tentasse manter uma fachada de compostura, com uma postura rígida, o ônus da responsabilidade a oprimia física e emocionalmente.

    Finalmente, Raven quebrou o silêncio opressivo, sua voz calma, mas com uma urgência inegável.

    — Quatro baixas, Laura.

    A mulher respirou fundo, em preparação para o julgamento que estava por vir.

    — Quatro membros da equipe não retornaram. Preciso de explicações detalhadas sobre como isso aconteceu.

    Com o rosto rígido, ela respondeu assertivamente, buscando escolher as palavras com cuidado.

    — A operação começou conforme o planejado. O alvo era um Mephisto de Classe Regular, e a equipe estava bem treinada. Contudo, fomos surpreendidos por uma emboscada de Mephistos de Classe Mortal. A situação ficou caótica e perdemos o controle. Os reforços demoraram a chegar, então…

    Os olhos dela vagaram por um minuto sobre um rosto expressivo de arrependimento. O fardo da liderança lhe cabia pesado, e a angústia das perdas recentes teimava em não sair de seu rosto.

    — Não havia nada que pudéssemos fazer.

    Raven se recostou levemente na cadeira para reorganizar os pensamentos. Seus dedos bateram na superfície da mesa.

    — Isso não diminui o peso do que aconteceu. Quatro agentes perdidos e uma operação comprometida. Não é uma falha pequena.

    Laura sustentou o olhar dela por um momento antes de desviar, mordendo o interior da bochecha. Não era apenas medo. Era frustração, consigo mesma e com a situação que fugira completamente de controle.

    — Estamos enfrentando Mephistos de Classe Mortal em uma frequência maior do que nos últimos dois anos somados. — Raven continuou, sua atenção retornando ao relatório, mas claramente ainda falando diretamente para Laura. — É um padrão. E essa emboscada confirma que eles estão ficando mais organizados. Eles nunca tiveram essa capacidade de coordenação… até agora.

    Ela uniu as mãos atrás das costas, entrelaçando os dedos com tanta força que os nós ficaram esbranquiçados.

    — Concordo. — disse, em um tom mais baixo. — Já analisamos os dados preliminares. A densidade de surtos de energia negativa na região de Harrisburg era consistentemente alta, mas não o suficiente para indicar uma ameaça desse nível.

    — Então, ou estamos subestimando as classes de Mephistos ou eles estão evoluindo mais rápido do que prevíamos. O que sabemos sobre as condições de densidade energética na área antes do ataque?

    — Estava estável até dois dias antes da operação. — Laura ajustou a postura, assumindo um tom mais técnico. — O aumento foi gradual, cerca de 15%, mas subiu para 35% do índice normal em um intervalo de oito horas. Ainda assim, não era suficiente para prever uma Classe Mortal. O que quer que tenha acontecido, foi repentino.

    O indicador de Raven voltou a bater na mesa.

    — O aumento abrupto… poderia ter sido induzido? — As sobrancelhas estavam levemente arqueadas.

    — É possível. — respondeu hesitantemente, como se ainda não tivesse todas as respostas. — Mas precisaremos de mais dados para confirmar. Se foi intencional, eles estão testando nossa capacidade de resposta.

    — Intencional ou não, não podemos permitir que mais operações sejam comprometidas por falta de previsão. Quero um rastreamento completo de padrões energéticos em um raio de 200 quilômetros ao redor de Harrisburg, começando agora. E, Laura…

    — Sim?

    — Não me venha com não era possível prever. Mephistos sempre deixam rastros, mesmo os de Classe Mortal. Se eles estão mudando o jogo, nós também precisamos mudar. Quero que cada dado, cada desvio de padrão, seja analisado com atenção redobrada. Entendido?

    — Sim, senhora.

    Em um gesto austero que deixava evidente em que medida o assunto era urgente, Raven se levantou da cadeira.

    — Encaminharei o relatório à liderança sobre as deficiências encontradas. A propósito, me envie relatórios diários. Vou informar Arthur sobre isso, e ele não vai querer desculpas.

    Laura confirmou o fato e recolheu o que restava do relatório. Seguidamente, deixou a sala com a mandíbula cerrada, os dentes quase rangendo, em meio a passos apressados.

    Passou pelo corredor principal da base, onde outros agentes a cumprimentavam com acenos formais, sem interromper o ritmo de sua caminhada. Laura não respondeu.

    As palavras de Raven ainda lhe causavam profundo incômodo. Isso a irritava mais do que tudo. Com o papel se amassando sob a pressão, segurou o relatório dobrado entre os dedos.

    Ainda podia sentir o sangue pulsando em suas têmporas de exaustão e raiva, sentimentos que Laura tinha certeza de não ter para onde canalizar.

    “Rastreamento em 200 quilômetros? Eles têm noção do que isso significa? Claro que não. Não são eles que precisam executar. Só sabem dar ordens como se fossem reis em seus tronos de papel.”

    Alcançou o cantil vazio e atirou o relatório para a primeira mesa que viu. Sentou-se numa cadeira. Apoiou os cotovelos sobre os joelhos, enterrando o rosto nas mãos por um momento. O seu peito subia e descia irregularmente, enquanto tentava organizar os pensamentos. 

    Não era apenas a bronca de Raven que a consumia. Era a soma de tudo. O trabalho, as missões, os fracassos que a organização fazia questão de sobrepor às conquistas. 

    A missão em Harrisburg não tinha sido um fracasso por sua culpa. No entanto, como sempre, a estrutura hierárquica da U.E.C. transformava cada erro em responsabilidade exclusiva de quem estava na linha da frente.

    — Rastros. — murmurou com desdém, balançando a cabeça. — Se esses malditos Mephistos fossem tão previsíveis assim, ninguém teria morrido.

    Seus ombros doíam, suas costas estavam tensas e as mãos tremiam levemente, em um tremor provocado por horas de desespero em situações que ninguém deveria ter de enfrentar. Laura respirou fundo na tentativa de acalmar a mente, cuja irritação não dava trégua.

    Intencional ou não. — dissera Raven. 

    Claro que era intencional. Qualquer um teria percebido. Quem quer que estivesse por trás daquele aumento abrupto sabia exatamente o que estava fazendo.

    — Tudo política de merda.

    A U.E.C. gostava de falar de “estratégias globais”, “liderança unificada” e “adaptação contínua”. Mas a realidade no campo era muito diferente. 

    Quando se tratava de aprovar recursos ou rever protocolos, tudo ficava atolado em reuniões intermináveis, cheias de linguagem rebuscada e soluções genéricas. Entretanto, o Agente de Campo pagava o preço com o seu corpo, com o seu sangue.

    Laura bateu na mesa com a palma da mão aberta.

    Não podemos permitir que mais operações sejam comprometidas. — Imitou o tom austero de Raven, com uma careta de deboche. — Como se fosse tão fácil! Quer mudar o jogo? Então equipa a gente direito, porra. Dá o suporte que a gente pede faz anos, ao invés de mandar mais relatórios inúteis pra mesa de Arthur!

    Levantou-se abruptamente, com as pernas pesadas, e pegou no relatório. Começou a andar de forma descoordenada pelo lugar. Laura sabia que não podia explodir com Raven.

    Parou diante da máquina de café automática. Apertou o botão para se servir, sem querer beber. Ficou observando o líquido escuro cair no copo descartável, enquanto a mente girava em círculos.

    — É isso que eles querem, não é? Que a gente fique exausta demais pra reclamar. Pra questionar. Só segue ordens e finge que tá tudo sob controle. Raven que enfie esses relatórios no cu. Não é papel que salva vidas, caralho. É equipamento, é inteligência, é ação.

    Tomou um gole do café. O sabor amargo queimava na sua garganta, mas aquele amargor parecia adequado. 

    Laura respirou fundo, engolindo a raiva que não podia extravasar. Voltou ao corredor, apertando o relatório contra o peito.

    — Eles que se fodam. Ainda tô de pé. 

    E isso, naquele momento, era o bastante.

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