Capítulo 10 | O Rugido
Dentro do casulo, a escuridão era absoluta, o ar denso com o cheiro de terra e sangue podre. Lentamente, como as pálpebras de um gigante adormecido, as raízes grossas começaram a se retrair, desenrolando-se com um som de madeira antiga se partindo. A luz pálida da lua invadiu o santuário, revelando a devastação.
Plutarco, que protegia Althea com o próprio corpo, ergueu-se, tossindo a poeira. A casa do Curandeiro não existia mais. No seu lugar, havia uma cratera fumegante, um buraco negro no coração da propriedade, rodeado por um círculo de escombros. Ao seu lado, o homem misterioso que haviam libertado, o acorrentado, estava de pé, o corpo emaciado tremendo, mas os olhos, antes confusos, agora ardiam com uma fúria lúcida.
— Teseu… — um sussurro rouco escapou dos trêmulos lábios do escriba.
Não havia sinal dele. O casulo os havia protegido, mas o herói que o conjurara ficara do lado de fora.
Foi quando um som de pedras se movendo chamou sua atenção. De uma montanha de madeira partida e pedra estilhaçada, uma mão ensanguentada surgiu, agarrando-se a uma viga quebrada. Com um esforço gutural, Teseu se ergueu das ruínas. Ele não estava destruído, mas estava longe de estar inteiro.
A poeira cobria seu corpo como um véu, o sangue escorria de dezenas de cortes e sua respiração era ofegante, cada inspiração enviava arrepios de dor ao longo do corpo. Ele estava de pé, mas a energia que antes brilhava em seus olhos era agora uma brasa fraca.
Antes que qualquer palavra de alívio pudesse ser dita, um som fez todos congelarem. Um rugido coletivo, uma sinfonia de dor e fome vinda da cratera.
Das profundezas fumegantes, a horda emergiu. Liderado pela monstruosidade de duas cabeças, o exército de quimeras, nascido do sangue e da loucura, ignorou-os completamente. Seus múltiplos olhos, brilhando com uma luz profana, estavam fixos nas luzes da cidade. Com uma cacofonia de rosnados e guinchos, as aberrações começaram sua marcha inexorável em direção a Pella.
Teseu não hesitou. Agindo por puro instinto, ele se lançou à frente, interceptando a retaguarda da horda.
Abateu uma quimera menor, com corpo de cão e cauda de escorpião, mas o esforço o fez vacilar. Outra, com a pele de um lagarto e garras de texugo, rasgou sua coxa, e ele grunhiu de dor. Ele lutava, não para vencer, mas para retardar, para comprar tempo, cada golpe custando uma porção preciosa de sua força já esvaída. Não sabia pelo que estaria esperando, ou o que aconteceria de bom se ganhasse tempo. Talvez os civis pudessem fugir. Tinha que tentar.
Enquanto Teseu lutava para conter a retaguarda da horda, uma das quimeras — uma criatura ágil e serpentina com a cabeça de um cão selvagem e olhos múltiplos como os de uma aranha — viu uma presa mais fácil. Com uma velocidade assustadora, ela se desgarrou do combate principal e avançou diretamente contra o grupo que se abrigava nos escombros, seus olhos múltiplos fixos no alvo mais vulnerável: Althea.
Plutarco gritou um aviso, tentando se colocar na frente da menina, mas ele era lento demais. A criatura saltou, as presas gotejando um veneno escuro.
Antes que Teseu pudesse se virar para intervir, uma sombra emaciada se moveu para a frente de Althea. O acorrentado, com uma explosão de força que parecia impossível para seu corpo debilitado, agarrou a quimera pelo pescoço no ar. Houve um instante de luta selvagem, e então, com um esforço gutural que pareceu rasgar seus próprios músculos, torceu. Um estalo seco e final ecoou pelas ruínas com um rugido rouco e animal demais para uma garganta humana.
A quimera caiu inerte no chão. O esforço, no entanto, foi demais. O homem desabou ao lado dela, o peito arfando, sangue jorrando de feridas antigas e novas que o esforço havia reaberto. Era uma hemorragia.
Teseu, tendo finalmente se livrado de seu oponente, correu até ele, o coração martelando contra as costelas. Ele se ajoelhou ao lado de Licaão e sentiu o poder dentro de si, ou o que restava dele. Era como buscar água em um poço quase seco, a energia que usara para criar o casulo e para lutar o havia deixado perigosamente esgotado.
O dilema o atingiu com a força de um golpe físico. Ele olhou para o homem que agonizava a seus pés e depois para a cidade distante, onde os gritos e o brilho dos incêndios aumentavam. Com o pouco poder que lhe restava, ele poderia curá-lo. Mas se o fizesse, o que sobraria para enfrentar o exército de monstros que massacrava Pella?
“Uma vida… contra centenas”, o pensamento era frio, lógico, cruel. Seria o sacrifício necessário. “Um general sacrificaria um soldado para vencer a guerra.”
O homem gemeu, um som baixo de pura dor que quebrou o raciocínio frio de Teseu. Um estranho.
“Não. Um herói não põe vidas em uma balança. Um herói não escolhe. Ele salva.”
Com uma determinação que ignorava as consequências, Teseu colocou suas mãos ensanguentadas sobre o peito de Licaão e invocou o que restava de seu poder.
A luz verde e suave fluiu das mãos de Teseu, um rio de pura vida derramando-se no corpo quebrado. Era um poder gentil, a essência da floresta, que começou a tecer a carne rasgada e a estancar o sangue que jorrava. As feridas mais graves começaram a se fechar sob o toque do herói.
Mas, sob a pele, uma guerra começou. A energia pura e natural da Dríade colidiu violentamente com o sangue corrupto e antigo que o Curandeiro usara em seus experimentos, a essência caótica que era a fonte de suas quimeras. O jovem herói percebeu surgir um brilho estranho, violento, no ombro do acorrentado, mas não deu atenção.
O homem começou a gritar. Não era um som humano. Era o uivo de uma besta. Teseu saltou para trás, assustado, mas o processo não parou.
Seu corpo se contorceu no chão, os ossos estalando e se rearranjando com uma velocidade nauseante. Músculos se rasgaram e se expandiram, o pelo negro e grosso irrompeu de sua pele pálida, e suas feições humanas se distorceram, o maxilar se alongando em um focinho cheio de presas.

Plutarco e Althea recuaram, o terror estampado em seus rostos, enquanto observavam o homem se transformar num colosso.
A transformação se completou e a besta se ergueu, mais alto e mais poderoso do que Teseu se lembrava, os olhos carmesim brilhantes à noite com uma emoção ancestral e não identificada.
Teseu, que agora se apoiava nos joelhos, a exaustão quase o derrubando arregalou os olhos. “O monstro. O lobo de Ártemis.” Aquilo rosnou, um som profundo e gutural que vibrou no ar. O herói se preparou para o pior. Fora um erro.
Com uma velocidade que fez o chão tremer, a criatura avançou, não para longe, mas diretamente para ele. Teseu ergueu o que restava de suas forças, pronto para o impacto. Mas, no último instante, Licaão passou por ele como um borrão de pelo e fúria.
Com um rugido selvagem, ele interceptou uma outra quimera, uma criatura com corpo de hiena e garras de caranguejo, que se esgueirava para atacar o herói por trás. A batalha foi breve e brutal. Licaão estraçalhou a abominação com uma ferocidade que fez a luta anterior de Teseu parecer uma brincadeira de criança.
Ele se virou para Teseu, o sangue escuro da quimera escorrendo de suas presas. Não houve palavras. Apenas um entendimento silencioso forjado no sangue e na salvação mútua. Licaão então se virou na direção da cidade em chamas, onde os gritos dos inocentes se misturavam ao rugido dos monstros, e soltou um uivo profundo, não de uma besta sem mente, mas um chamado de guerra.
Teseu olhou para seus companheiros: Plutarco, pálido, mas resoluto; Althea, aterrorizada, mas com uma coragem teimosa em seus olhos. E ao seu lado, a figura imponente e monstruosa de Licaão. Juntos, eles olharam para Pella, uma aliança nascida do sacrifício e da maldição, pronta para enfrentar a tempestade.

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