Capítulo 109 | Lamúrios Ecoantes
Magno caiu de joelhos na terra batida. O impacto sacudiu seus ossos. A poeira roxa, levantada pelo ataque anterior de Hermes, cobria a área principal da batalha como uma neblina densa. Mas ali, entre as ruínas menores do pátio externo, o ar estava apenas sujo de terra e calcário.
Ele tossiu e limpou a boca com as costas da mão. Ao seu lado, Sêneca tentava se levantar, mas as pernas do velho falhavam.
— Fique abaixado — ordenou Magno, com a voz ríspida e urgente.
Ele agarrou o braço de Sêneca e o arrastou para trás de um pedaço grande de muro caído. O velho encostou as costas na pedra enquanto respirava com dificuldade de olhos fechados.
Magno se virou para procurar uma rota. Precisava chegar a Hermes e ajudá-lo. Foi quando percebeu, no canto de seu olho.
O corpo dela estava estendido no chão, imóvel. O sangue manchava a túnica cinza nas costas, exatamente onde Magno havia cravado a adaga momentos antes. Ele soltou o ar dos pulmões, sentindo o alívio relaxar seus ombros tensos.
Foi neste instante de alívio que ele percebeu que comemorara cedo demais.
De repente, os dedos dela se fecharam na terra.
Magno paralisou. Eco apoiou as mãos no chão e impulsionou o tronco para cima. O movimento foi errático, torto, rápido demais para alguém com um ferimento profundo. Ela virou o rosto na direção dele. Os cabelos escuros cobriam parte de sua face, mas seu olho estava visível. Arregalado, em pura e destemida fúria.
— Você é persistente — comentou Magno, mas não havia humor em sua voz. Ele apertou o cabo da adaga até os nós dos dedos ficarem brancos.
Eco abriu a boca. Ela inspirou o ar com força, enchendo o peito.
Magno se jogou no chão.
Um grito estridente saiu da garganta da ninfa como o sonar de um morcego. O ar vibrou de forma visível, distorcendo a imagem das ruínas. A onda de som bateu na coluna de pedra onde Magno se protegia. A rocha estalou com um som seco, pedaços de calcário voaram em todas as direções e levantaram uma poeira que cobriu Magno.
— Saia daí, rato! — gritou Eco.
A voz dela parecia vir de todas as direções ao mesmo tempo. O som rebatia nas paredes das ruínas, criando uma cacofonia desorientadora.
Magno espiou por cima da cobertura quebrada. Ela caminhava na direção dele. A ferida nas costas sangrava, revelada pelo gotejamento que escorria e manchava o chão a cada passo, mas ela parecia alheia à dor física.
— Você luta com muita vontade para uma mera serva — gritou Magno, tentando ganhar tempo.
Ele olhou ao redor, mapeando o terreno. Havia pilastras e estátuas quebradas à esquerda. Uma rota de flanco.
— O capacho de um capacho — continuou Magno, elevando a voz para ser ouvido sobre o zumbido nos ouvidos. Ele começou a se mover agachado, trocando de cobertura. — Não tem valor sequer como um peão para o Usurpador. É patético.

Eco parou. O rosto dela se contorceu em uma expressão de raiva genuína.
— Você não sabe nada sobre mim — a voz saiu grave e fez o cascalho no chão tremer. — Você não sabe o que é uma maldição.
Ela virou a cabeça na direção da voz de Magno e disparou outro grito.
A parede onde Magno estava um segundo antes explodiu. Pedras do tamanho de cabeças humanas voaram pelo pátio. Magno rolou para trás de uma estátua sem cabeça enquanto sentia o coração bater forte contra as costelas. Ele estava perto, mas precisava chegar às costas dela novamente.
— Maldição? — Magno gritou de sua nova posição. — Tente viver em Therma sem uma moeda no bolso. Tente comer restos do lixo. Isso é uma maldição.
— Eu vivi pela eternidade sem voz! — Eco rebateu. — Eu amava Narciso. Eu o via todos os dias. Ele sofria à beira daquele lago. Ele se sentia sozinho no mundo. E eu estava lá, ao lado dele. Mas eu não podia falar.
A ninfa levou as mãos ao rosto, arranhando a própria pele.
— Eu queria dizer que o amava — continuou Eco, e as lágrimas começaram a escorrer, misturando-se à poeira em seu rosto. — Eu queria abraçá-lo e dizer que ele era importante. Mas a maldição de Hera me impedia. Eu só podia repetir o fim das frases dele. Eu vi o homem que eu amava tirar a própria vida porque achava que ninguém no mundo o ouvia.
A tristeza na voz dela era clara. Era um som pesado, arrastado e preso ao que pareciam séculos de solidão.
Magno parou por um instante. Ele observou a mulher chorando no meio das ruínas. Por um breve momento, ele sentiu empatia. Ele sabia o que era perder alguém.
Mas então a imagem de Kyros veio à sua mente. Lembrou do seu sorriso maldito enquanto balançava aquela moeda dada pelo Usurpador, e lembrou da tragédia que carregava no peito como uma marcação à brasa.
O sentimento de pena desapareceu quando ele cerrou seu maxilar.
— E isso justifica? — perguntou Magno enquanto se movia silenciosamente entre as sombras em direção ao ponto cego dela. — O Usurpador matou crianças na minha cidade. Ele destruiu famílias que não tinham nada a ver com deuses ou maldições. Você acha justo se unir a um monstro desses por causa de um amor trágico?
Eco baixou as mãos. Ela tocou a cicatriz rosada e enrugada em seu pescoço.
— Ele me curou — disse ela, com firmeza. — Os deuses me amaldiçoaram e me descartaram. Mas o Usurpador me deu uma voz. Ele me libertou. Agora eu posso falar. Eu posso declarar meu amor.
Ela olhou ao redor, procurando por Magno com olhos vermelhos.
— Se Narciso estivesse vivo, ele saberia — disse ela, soluçando. — Mas não importa. Meu mestre controla tudo. Nós daremos um jeito. Nem a morte vai me impedir de tê-lo de volta.
Magno saiu de trás da coluna. Ele estava a três metros dela, nas costas da ninfa.
— Você realmente acredita nisso? — perguntou Magno, em tom normal.
Eco virou-se bruscamente para ele. Ela abriu a boca, puxando o ar para o grito final que o mataria.
Ele a encarou nos olhos.
— Você acha que ele iria querer você agora? — Magno cuspiu rapidamente as palavras numa expressão odiosa. — Olhe para você. Matando inocentes. Servindo tiranos. Você age de maneira vil. Sua aparência agora é grotesca, suja de sangue e ódio. Você acha que algum homem, vivo ou morto, amaria o monstro que você se tornou?
Eco travou. O ar ficou preso em sua garganta.
A pergunta atingiu o ponto exato de sua insegurança. A imagem perfeita de Narciso veio à sua mente. O seu rosto amedrontado olhando para ela, seus olhos assustados.
Ela hesitou. A boca ficou entreaberta, mas o som não saiu. Ela levou a mão ao pescoço, paralisada pela mera ideia da rejeição.
Foi a abertura que Magno precisava.
Ele avançou. Em dois passos rápidos, ele fechou a distância.
Girou a adaga na mão e golpeou com o pomo de metal pesado. O impacto acertou em cheio o pescoço de Eco, bem em cima da cicatriz sensível, amassando a traqueia.
A ninfa engasgou. O som morreu antes de nascer. Ela caiu de joelhos, segurando a garganta com as duas mãos. O rosto ficou vermelho. Sua garganta produzia agora apenas chiados agudos de dor e da falta de ar.
Magno não hesitou. Um chute nas pernas dela a derrubou de bruços na terra, no mesmo instante, colocou o joelho nas suas costas e a imobilizou. Puxou os pedaços de corda que carregava no cinto e amarrou os pulsos dela nas costas com força, apertando os nós sem piedade.
Eco se debatia, mas estava fraca pela asfixia e pelo golpe. Magno rasgou uma tira grossa da túnica dela. Ele virou o rosto dela para cima. Eco tentou morder, mas ele forçou a bola de pano em sua boca e amarrou a mordaça na nuca.
Magno se levantou e limpou a poeira da malha e da túnica.
Eco olhava para ele do chão. O rosto dela estava manchado de lágrimas e terra. Ela tentava gritar contra o pano, mas produzia apenas murmúrios abafados e patéticos.
Magno olhou para ela de cima. Ele recuperou o fôlego e abriu um sorriso provocador, o sorriso do ladino de Therma.
— Não se preocupe tanto com o que eu disse — falou Magno, piscando para ela. — Eu só estava te provocando. Você é uma gata.
Eco arregalou os olhos. O rosto dela corou violentamente. O insulto final, disfarçado de elogio vazio, a fez tremer de ódio no chão.
Magno virou as costas para ela. Ele correu até Sêneca, ajudou o velho a se firmar e olhou para o centro da cidade.
— Vamos — disse Magno. — Hermes está sozinho contra aquela multidão.
Eles deixaram a ninfa amarrada e silenciada para trás, correndo em direção à verdadeira batalha.

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