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    Mais um dia inteiro de viagem passou.

    Tendo descansado à noite da aparição do cego na estradan, o grupo caminhou do nascer ao pôr do sol sem trocar conversas longas sob a trilha constante do bater das botas na terra e dos sussurros de Licaão que falava sozinho. Eram frases desconexas e baixas, para além das quais recusava-se a responder qualquer coisa quando Teseu ou Plutarco perguntavam algo.

    Plutarco mancava. O escriba reclamava a cada quilômetro sobre uma dor aguda no calcâneo. A sandália gasta não oferecia proteção contra as pedras da estrada. Em dois momentos durante a tarde, Teseu precisou carregar o homem nas costas. A pressa de Licaão não permitia pausas para descanso, e o corpo sedentário de Plutarco não aguentava o ritmo forçado pelo guerreiro. Mais à frente, já não aguentava mais sequer o peso dos próprios rolos de escrituras.

    Quando as montanhas de Delfos surgiram diante deles, o sol já estava baixo.

    A cidade de Delfos se estendia pela encosta, mas Licaão não diminuiu o passo e nem corrigiu o trajeto ao avistar os portões.

    — Onde você está indo? — perguntou Teseu, ajustando o peso da bolsa de Plutarco nos ombros. — A cidade é por ali.

    — Não vamos para a cidade — respondeu Licaão, sem olhar para trás. Ele apontou para a trilha íngreme que subia ao lado das muralhas. — Vamos direto para o Oráculo. As respostas estão lá.

    Plutarco parou, apoiando as mãos nos joelhos para respirar.

    — Isso é inútil — disse o cronista, ofegante. — O Oráculo de Delfos não funciona há décadas. Ouvi dizer que o último eremita devoto de Apolo morreu de velhice. O lugar está abandonado. Apenas sacerdotes de outras regiões fazem peregrinações lá, mas os locais nem se aproximam.

    Ele respirou fundo, tomando ar para continuar.

    — Será melhor que procuremos por respostas na cidade…

    Licaão parou e virou a cabeça.

    — Não me importo com a história do lugar. Me importo com o que vou encontrar lá.

    Ele voltou a subir. Teseu olhou para Plutarco, deu de ombros e seguiu em frente. Plutarco resmungou, mas foi atrás.


    A subida foi dura devido à trilha feita de pedras antigas e irregulares. Quando, após mais uma hora, chegaram ao terraço do templo, o local estava deserto. O Templo de Apolo era uma estrutura de colunas brancas manchadas pelo tempo e pelo musgo.

    Não havia oráculos. Não havia sacerdotes.

    O chão de pedra estava coberto de oferendas velhas. Cestas de vime apodrecidas, grinaldas de flores secas que se desfaziam ao toque, e ossos de animais pequenos deixados por peregrinos anos antes. O cheiro era de poeira e abandono.

    Licaão adentrou o pátio principal enquanto olhava para todos os lados, girando o corpo com rapidez. Num dos giros, chutou uma pilha de cerâmica quebrada, espalhando os cacos pelo chão.

    — Onde está? — rosnou Licaão. Ele caminhou até o altar central, mas encontrou apenas pedra fria e excrementos de pássaros. — O velho disse para vir aqui.

    Plutarco sentou-se em um degrau, massageando o pé.

    — Eu avisei — disse Plutarco. — Não há ninguém aqui. É um monumento morto.

    Licaão virou-se para o escriba. Seu rosto estava vermelho de raiva. Ele deu um passo na direção de Plutarco com os punhos cerrados, como se fosse agredi-lo por ter razão. Teseu se colocou entre os dois.

    Licaão encarou o garoto rangendo os dentes. Teseu não entendia o motivo, mas ele parecia bem mais selvagem que de costume. Aquele cinismo que se recusava a falar de dias atrás havia sumido e dado lugar a uma ansiedade inexplicável.

    O homem rugiu e se virou para o altar de novo, dando as costas para o garoto. Lá, pôs as mãos sobre a pedra esculpida na forma de cordas de uma lira, e com um olhar irritado e pesaroso, calou.

    Teseu respirou fundo.

    — Vamos embora — disse. — Talvez tenhamos entendido errado a mensagem. Tenho certeza de que na cidade encontraremos pistas.

    — Encontraram o que procuravam?

    A voz veio das sombras de uma coluna próxima à entrada e fez os três se virarem de pronto na direção.

    Um homem estava encostado na pilastra. Vestia uma túnica de viagem desgastada e uma touca que cobria a parte superior do rosto e dava uma volta no pescoço. Tinha os braços cruzados e uma postura relaxada.

    — Quem é você? — perguntou Teseu, levando a mão ao cabo da espada.

    Licaão estreitou os olhos.

    — Você é aquele de quem o velho falava? O Acorrentado?

    O homem soltou uma risada curta e seca.

    — Não creio que sou tão conhecido assim para ter meu nome na boca dos anciões. Sou apenas um guia.

    Licaão estalou a língua.

    — Então não temos nada a ver com você! — rebateu rispidamente.

    O guia levou a mão ao queixo, sua boca visível abaixo do capuz estava crivada em desapontamento.

    — Ora, não precisa ter tanta pressa. Nem me perguntaram nada ainda, como podem saber se não serei de ajuda?

    Teseu tinha os olhos desconfiados. Ele não tinha escutado esse homem misterioso chegar, muito menos tinha percebido ao subir qualquer sinal de lugar por onde ele pudesse ter surgido.

    Plutarco coçou a garganta, chamando a atenção para si, e então, com uma tabuleta em mãos, começou.

    — Nós seguimos as instruções do velho ao pé da letra e, como eu bem havia dito que seria, não encontramos nada além de um templo vazio e abandonado.

    Licaão rangeu os dentes de novo, irritado com a insensibilidade do escriba, que por sua vez não deu importância, ainda de olho em suas anotações.

    O homem misterioso levou uma das mãos ao queixo, como se refletisse.

    — Poderia me dizer que instruções foram essas? — pediu, seu tom continha interesse e também certa sugestão.

    Plutarco coçou a cabeça e prosseguiu.

    — O velho nos disse nas seguintes e exatas palavras: “Subam além do Monte Parnaso. Encontrem o Acorrentado.”

    Teseu bufou, frustrado.

    — Nós seguimos isso. Subimos o monte. Chegamos ao templo. E ele está vazio. Acho que fomos enganados…

    O Guia começou a rir genuinamente, como se tivesse acabado de entender a conclusão de uma piada.

    Licaão, de nervos aflorados, deu um passo pesado em sua direção.

    — Qual é a graça? — perguntou rispidamente. — Pare de rir ou eu darei um motivo real para você chorar logo, logo.

    O Guia levantou as mãos em sinal de paz, embora o sorriso ainda estivesse em seus lábios.

    — Não estou rindo de vocês terem sido enganados — disse o Guia. — Estou rindo porque vocês estão enganados.

    Ele descruzou os braços e apontou para o pico da montanha, muito acima de onde o templo estava situado.

    — O velho deu instruções claras. Ele disse: “Subam além do Monte Parnaso”. Vocês pararam na metade do caminho.

    Plutarco franziu a testa.

    — Isso não faz sentido. O Oráculo de Delfos fica no ponto mais alto habitável do Monte Parnaso. Geograficamente, nós chegamos ao topo do destino conhecido.

    Teseu olhou para o chão. Ele repetiu as palavras do velho em sua mente.

    — “Além do Monte Parnaso…” — murmurou Teseu. Ele levantou a cabeça e olhou para a parede de rocha íngreme atrás do templo. — Ele quis dizer literalmente. Precisamos passar deste ponto.

    Os três olharam para a montanha. Não havia trilha visível além do templo, apenas rocha crua, neve e vento.

    Os olhos de Licaão se abriram mais, e brilharam. Ele quase sorriu por baixo da farta barba.

    — Como vamos achar o caminho? — perguntou Teseu.

    O Guia tossiu discretamente, desencostou da coluna e caminhou até eles.

    — Não é comum viajantes chegarem a Delfos querendo ultrapassar os limites do Oráculo — disse o Guia. — Para ser honesto, não me lembro da última vez que vi alguém tentar. Mas não é impossível. Existe um caminho, se souberem onde pisar.

    Ele estendeu a mão aberta na direção de Plutarco.

    — Eu cobro pelos meus serviços. O terreno lá em cima é traiçoeiro.

    Licaão olhou para o Guia com desconfiança, mas não disse nada. Teseu olhou para Plutarco com uma expressão de cão faminto.

    O escriba suspirou. Relutante, ele abriu uma de suas bolsas velhas e remexeu no fundo. O som metálico foi fraco. Ele tirou três moedas de prata e as colocou na mão do Guia.

    — É tudo o que temos de valor agora — disse Plutarco.

    O Guia ergueu as moedas ao céu, examinando-as contra a pouca luz que vinha de lá com um ruído de ponderação. Então, guardou as moedas no bolso com rapidez.

    — Serve — disse ele. — Vamos. A subida real começa agora.

    Ele se virou e começou a caminhar para a parte de trás do templo, onde a rocha encontrava a construção. Teseu, Licaão e Plutarco trocaram um olhar rápido e seguiram o estranho rumo à encosta proibida.

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