Capítulo 115 | O Ninho do Parnaso
A montanha inteira parecia se mover. Escamas gigantescas deslizavam umas sobre as outras num som de lixa raspante contra pedra. O chão tremia violentamente a cada impulso da Píton lançando arrepios aos corpos dos que dela fugiam.
Teseu corria. Seus pulmões queimavam com o ar rarefeito e gelado. Atrás dele, o som do corpo colossal da serpente esmagando o caminho que eles acabaram de percorrer era um lembrete constante da morte.
O caminho estreito à frente ziguezagueava entre fendas e penhascos. Pedras soltas rolavam para o abismo a cada passo apressado do grupo. Licaão empurrava Plutarco pelas costas, forçando o escriba a manter um ritmo que suas pernas curtas não aguentavam. A serpente gigante não dava sossego, desviava das frestas com voltas pela encosta da montanha e com seu corpo largo passava no centro dos penhascos sem quaisquer riscos de cair.
De repente, a trilha terminou em um paredão de pedra lisa.
— Onde ele está? — gritou Teseu, girando a cabeça, procurando o Guia.
Não havia sinal do homem encapuzado. À frente, apenas o abismo. À esquerda, a parede vertical. Atrás, a cabeça da serpente surgia na curva com seus olhos amarelos já fixos neles. A boca se abria pronta para o bote.
— Ali! — apontou Plutarco, com a voz aguda de pavor.
O Guia estava em uma saliência de pedra, cinco metros acima deles e dez metros à frente, em um local que parecia inacessível.
— Venham logo! — gritou o Guia, acenando com impaciência. — O que estão procurando aí ainda?
Licaão não hesitou. Ele agarrou Plutarco pela cintura e o arremessou para a plataforma superior. O escriba aterrissou desajeitado, mas seguro. Licaão saltou em seguida, cravando as unhas na rocha e puxando o corpo para cima. Teseu veio por último, saltando no momento exato em que a Píton lançou a cabeça para frente. As mandíbulas da besta estalaram no ar vazio onde o garoto estava um segundo antes, quebrando a borda da trilha.
Eles correram atrás do Guia.
— Entrem! — ordenou a figura encapuzada, apontando para uma abertura escura na base de um pico rochoso.
Era outra caverna, mas a entrada era baixa. Eles precisaram se curvar. O Guia entrou primeiro. Teseu e Licaão empurraram Plutarco, que tropeçou na entrada.
— Rápido! — gritou Licaão.
A luz do sol atrás deles foi bloqueada. A Píton não desistiu. Ela enfiou a cabeça na abertura da caverna com um estrondo ensurdecedor.
O grupo correu pelo túnel escuro, esperando sentir os dentes da criatura a qualquer momento. Eles viraram uma curva fechada na caverna e colidiram com as costas do Guia.
Ele estava parado.
— Por que parou? — berrou Teseu, empurrando o ombro do homem. — Corra ou ela vai nos alcançar!
— Não precisam mais correr — disse o Guia, calmo.
Teseu olhou para trás.
A caverna tremia, poeira caía do teto, mas a serpente não avançava. A entrada do túnel era larga, mas ele se estreitava logo após a curva onde eles estavam. O focinho da Píton estava visível, a poucos metros deles, empurrando contra a rocha. As escamas raspavam, faíscas voavam, mas a cabeça da besta era larga demais. Ela estava travada.
A serpente sibilou, um som frustrado e terrível, e tentou morder o ar na direção deles, mas não alcançou.
O Guia riu. Ele bateu a poeira de sua túnica.
— Isso foi certamente emocionante — disse ele. — Ela é bem rápida, mas bem pouco inteligente.
A Píton, percebendo a impossibilidade da caça, começou a recuar lentamente, arrastando-se para fora da caverna. O tremor no chão diminuiu até cessar.
Licaão avançou. Ele agarrou o Guia pela gola da túnica e o levantou do chão, prensando-o contra a parede da caverna.
O sorriso do Guia desapareceu.
— Por que não nos avisou? — rosnou Licaão. — Nós quase morremos. Você sabia que aquela coisa estava lá.
Teseu colocou a mão no braço de Licaão.
— Solte-o, Licaão.
— Não — disse Licaão, sem desviar o olhar do Guia. — Isso foi muito sério. Nós nem sabíamos que essa criatura existia, e ele brincou com nossas vidas.
Teseu baixou a mão e desviou o olhar. Ele também estava irritado. O coração ainda batia forte no peito e suas pernas tremiam pelo esforço da corrida. O silêncio pesou na caverna.
Licaão estalou a língua e soltou o homem com um empurrão brusco.
O Guia ajeitou a gola da roupa. Ele não parecia assustado, apenas aborrecido com a grosseria.
— Eu não falei o que nos esperava porque não queria que fizessem alardes desnecessários — explicou o Guia. — Não imaginei que o amigo de vocês fosse ter tanta dificuldade em caminhar numa linha reta sem chutar pedras soltas.
Plutarco, ainda no chão recuperando o fôlego, ergueu o braço e abriu a boca para protestar, mas fechou em seguida numa puxada de ar violenta.
— E sobre a familiaridade que você insinua que eu tenho com a criatura… — continuou o Guia, olhando para Licaão. — Não sei que parte da minha fala sobre ser um Guia vocês não entenderam. Eu já guiei outros por estas terras antes de vocês. Outros menos barulhentos e mais bem educados, certamente.
Ele se virou e caminhou em direção à saída oposta da caverna.
— Mas se insistem tanto em saber o que nos espera à frente, digo que nos resta mais um guardião entre nós e o seu objetivo. Não faz diferença manter segredos agora, afinal, este não se contenta com o silêncio.
Ele parou e olhou para eles por cima do ombro, um sorriso retornando aos lábios.
— São poucos os viajantes capazes de ultrapassar esse trecho da montanha. Veremos se vocês serão aptos, ou se serão apenas mais um grupo que cai próximo do topo.
Ele voltou a andar, cantarolando uma melodia desconhecida e irritante.
O grupo o seguiu para fora da caverna. A luz do sol estava forte. As nuvens já se faziam um tanto distantes lá embaixo. O pé da montanha já não era visível e o Oráculo de Delfos já havia se perdido numa das inúmeras voltas que eles deram no monte.
— Como é esse outro guardião? — perguntou Teseu, apressando o passo. — O que devemos fazer para passar por ele?
O Guia não respondeu. Ele aumentou a velocidade. Seus passos pareciam flutuar sobre as pedras. Ele se distanciava cada vez mais, forçando o grupo a correr para não perdê-lo de vista.
— Responda! — gritou Licaão, tentando alcançá-lo.
— Não se preocupem com detalhes! — gritou o Guia de volta, sua voz trazida pelo vento. — A criatura aparecerá logo, logo!
— Logo quando? — berrou Licaão, a paciência esgotada.
O Guia parou subitamente em um platô amplo e plano. Ele se virou para eles, sorrindo.
— Agora!
Teseu, Licaão e Plutarco chegaram ao platô e pararam, ofegantes.
Diante deles, no centro da área plana, havia uma estrutura estranha. Era uma parede circular, alta e grossa, feita de troncos de árvores inteiros e galhos secos entrelaçados. Parecia uma fortificação rústica.
Teseu se aproximou com cautela. Ele olhou através das frestas da imensa barreira de madeira.
Lá dentro, repousando sobre plumas e peles de animais, havia três objetos ovais e brancos. Eram ovos. Mas eram maiores que um homem adulto.
— Ovos… — sussurrou Teseu.
Então eles ouviram.
Wosh. Wosh.
O barulho era colossal, rítmico e ensurdecedor. Uma sombra cobriu o platô inteiro, apagando o sol.
Eles olharam para cima em sincronia.
Caindo do céu em um mergulho vertical, com as garras estendidas e os olhos focados nos invasores de seu ninho, estava uma Águia. Mas não era um animal comum. Suas asas cobriam o horizonte e suas penas brilhavam como bronze polido.
Ethon, a Águia do Cáucaso, soltou um guincho que fez os ossos de Teseu vibrarem, e desceu sobre eles.


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