Capítulo 116 | O Chamado de Ethon
O vento deslocado pelas asas de Ethon atingiu o grupo antes mesmo das garras. A poeira do platô se levantou em uma nuvem densa. Plutarco gritou e correu, jogando-se atrás das costas do Guia, que permaneceu parado perto da entrada da trilha, observando com os braços cruzados.
Teseu sacou sua xiphos. A lâmina de bronze brilhou sob o sol. Licaão não sacou sua espada. Em vez disso, puxou da cintura duas facas rústicas, feitas de pedra lascada e couro, que ele havia fabricado dias antes.
A Águia desceu.
As garras eram maiores que o tronco de Teseu. O rapaz rolou para a esquerda no último segundo. As unhas negras da besta rasgaram a pedra onde ele estava e deixaram sulcos profundos para trás.
Teseu se levantou e golpeou a asa da criatura. O impacto fez seu braço vibrar até o ombro. A espada não cortou. Houve um som metálico, e faíscas voaram quando o bronze encontrou as penas. Elas eram duras como placas de ferro sobrepostas.
Ethon gritou e bateu a asa contra Teseu. O golpe foi seco e forte. Teseu foi arremessado três metros para trás, e caiu de costas sentindo o ar escapar dos pulmões.
— O pescoço! — gritou Licaão. — Atraia a atenção dela!
A Águia virou a cabeça para bicar Teseu, que ainda estava no chão. O bico desceu como um martelo de guerra. Teseu rolou novamente e a pedra explodiu ao lado de sua orelha.
Licaão correu e usou o momento em que a cabeça da ave estava baixa. Ele saltou, cravando as botas nas penas grossas das costas da criatura.
Ethon sentiu o peso e levantou voo imediatamente, batendo as asas com fúria.
Licaão foi levado para o alto. Ele se segurou com uma mão na plumagem rígida e rangeu os dentes ao sentir o sangue escorrer pelos dedos com o corte das bordas afiadas das penas. O vento lá em cima era violento. O corpo de Licaão balançava, quase arremessado a cada manobra da ave.
O grupo assistia em extase tenso. O guia parecia surpreso com a audácia de Licaão em pular nas costas da criatura. Teseu levantava-se com dificuldade.
Licaão escalou as costas da besta e cravou a faca de pedra entre as placas de penas para ter apoio. A Águia girou no ar, tentando derrubá-lo. Licaão escorregou, pendurado apenas por uma mão. Seus pés chutavam o ar vazio contra o precipício centenas de metros abaixo.
Com um grunhido de esforço, Licaão puxou o corpo para cima novamente. Ele chegou à base do pescoço.
Ethon virou a cabeça para trás, tentando bicar o invasor em suas costas.
Licaão viu o olho. Era um globo enorme, dourado e vítreo.
— Vamos ver se você é de ferro por dentro — rosnou Licaão.
Ele ergueu a mão direita e desceu a faca de pedra com toda a sua força. A ponta lascada perfurou o olho da Águia banhando o braço do agressor com um líquido viscoso e escuro.
Ethon soltou um guincho que fez os ouvidos de todos zunirem. A dor enlouqueceu a criatura. Ela parou de bater as asas ritmicamente e começou a girar em parafuso, descendo em alta velocidade.
A força centrífuga foi demais. Licaão não conseguiu segurar. Ele foi arremessado do dorso da ave.
O corpo de Licaão voou pelo ar e colidiu contra a parede de rocha da montanha com um som horrível de ossos estalando. Ele caiu no chão do platô, inerte.
Teseu correu até ele.
— Licaão!
O homem estava de bruços. Suas costas tinham um corte profundo causado pela rocha afiada, e o sangue encharcava sua túnica rapidamente. Ele respirava com dificuldade, engasgando.
Teseu colocou as mãos sobre o ferimento. Uma luz verde fraca começou a emanar de suas palmas. O sangue parou de escorrer tão rápido, e a pele começou a se fechar lentamente, mas Licaão ainda gemia de dor.
— Temos que sair daqui — disse Plutarco, espiando por trás do Guia. — Ela vai voltar.
A Águia recuperou o voo antes de bater no chão, mas estava desorientada e voava em círculos erráticos sobre o ninho. O sangue escorria de sua órbita vazia. Ethon fez a curva para atacar novamente, mas calculou mal a distância.
Com um estrondo, a Águia colidiu de lado contra o paredão da montanha. Pedras rolaram. A asa direita bateu com força, e a criatura despencou no platô, rolando pela terra e levantando poeira.
O grupo recuou. Licaão tentou se levantar, apoiado em Teseu.
— Vamos — disse Licaão, com a voz fraca. — Enquanto ela está no chão.
Ethon se levantou, sacudindo a cabeça, grasnou e bicou o ar, em uma tentativa de encontrar os inimigos, mas a cegueira parcial e o choque a deixaram confusa. Ela avançou aos tropeços.
Estava indo na direção do ninho.
— Os ovos — disse Teseu, parando.
A Águia cambaleou. Uma de suas garras enormes pisou perigosamente perto da casca branca de um dos ovos gigantes. Parecia em pânico.
— Teseu, vamos! — gritou Plutarco. — Ela vai esmagar tudo, inclusive nós!
Teseu olhou para a criatura ferida e viu o sangue, a confusão e o medo nos movimentos do animal. Olhou para os ovos indefesos sob as garras da mãe. A voz da dríade e seus ensinamentos dos meses em que vivera na floresta ecoavam em sua mente. Eles tinham invadido seu ninho, a cegado e agora tirariam sua cria?
Soltou Licaão, que se apoiou em uma pedra.
— O que está fazendo garoto? — Licaão gritou num esforço que fez seu peito doer. — Vamos embora!
Teseu deu um passo à frente, na direção da besta gigante.
— Pare de se ferir! — gritou Teseu.
A Águia não ouviu. Ela continuou a se debater, preparando-se para pisotear o centro do ninho em sua cegueira.
Teseu sentiu um calor subir pelo peito. A urgência da situação o cegava para a própria segurança. Ele correu. Seus olhos se acenderam. As íris castanhas desapareceram, substituídas por uma luz verde intensa e vibrante.
Teseu abriu a boca e sua voz saiu alterada, ressoando com um eco grave e poderoso que não pertencia a ele.
— PARE!

O som ecoou pela montanha como um trovão, algumas nuvens se afastaram ao longe com o eco.
Ethon congelou. Sua garra parou a centímetros de um ovo. As asas, que batiam freneticamente, se fecharam junto ao corpo. A criatura ficou imóvel, como uma estátua de bronze e penas.
Licaão arregalou os olhos. Plutarco deixou a boca aberta, esquecendo-se de anotar.
A Águia girou o pescoço lentamente na direção de Teseu. O olho restante, dourado e focado, fixou-se no garoto. Ela não atacou. Ela abaixou a cabeça, submissa e atenta.
O silêncio reinou no topo do mundo. O brilho verde nos olhos de Teseu diminuiu até desaparecer, deixando o garoto ofegante e pálido.
Perto da saída da trilha, o Guia descruzou os braços e olhou para a cena com um sorriso curioso nos lábios.
— Agora, isso é interessante.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.