Índice de Capítulo

    O vento deslocado pelas asas de Ethon atingiu o grupo antes mesmo das garras. A poeira do platô se levantou em uma nuvem densa. Plutarco gritou e correu, jogando-se atrás das costas do Guia, que permaneceu parado perto da entrada da trilha, observando com os braços cruzados.

    Teseu sacou sua xiphos. A lâmina de bronze brilhou sob o sol. Licaão não sacou sua espada. Em vez disso, puxou da cintura duas facas rústicas, feitas de pedra lascada e couro, que ele havia fabricado dias antes.

    A Águia desceu.

    As garras eram maiores que o tronco de Teseu. O rapaz rolou para a esquerda no último segundo. As unhas negras da besta rasgaram a pedra onde ele estava e deixaram sulcos profundos para trás.

    Teseu se levantou e golpeou a asa da criatura. O impacto fez seu braço vibrar até o ombro. A espada não cortou. Houve um som metálico, e faíscas voaram quando o bronze encontrou as penas. Elas eram duras como placas de ferro sobrepostas.

    Ethon gritou e bateu a asa contra Teseu. O golpe foi seco e forte. Teseu foi arremessado três metros para trás, e caiu de costas sentindo o ar escapar dos pulmões.

    — O pescoço! — gritou Licaão. — Atraia a atenção dela!

    A Águia virou a cabeça para bicar Teseu, que ainda estava no chão. O bico desceu como um martelo de guerra. Teseu rolou novamente e a pedra explodiu ao lado de sua orelha.

    Licaão correu e usou o momento em que a cabeça da ave estava baixa. Ele saltou, cravando as botas nas penas grossas das costas da criatura.

    Ethon sentiu o peso e levantou voo imediatamente, batendo as asas com fúria.

    Licaão foi levado para o alto. Ele se segurou com uma mão na plumagem rígida e rangeu os dentes ao sentir o sangue escorrer pelos dedos com o corte das bordas afiadas das penas. O vento lá em cima era violento. O corpo de Licaão balançava, quase arremessado a cada manobra da ave.

    O grupo assistia em extase tenso. O guia parecia surpreso com a audácia de Licaão em pular nas costas da criatura. Teseu levantava-se com dificuldade.

    Licaão escalou as costas da besta e cravou a faca de pedra entre as placas de penas para ter apoio. A Águia girou no ar, tentando derrubá-lo. Licaão escorregou, pendurado apenas por uma mão. Seus pés chutavam o ar vazio contra o precipício centenas de metros abaixo.

    Com um grunhido de esforço, Licaão puxou o corpo para cima novamente. Ele chegou à base do pescoço.

    Ethon virou a cabeça para trás, tentando bicar o invasor em suas costas.

    Licaão viu o olho. Era um globo enorme, dourado e vítreo.

    — Vamos ver se você é de ferro por dentro — rosnou Licaão.

    Ele ergueu a mão direita e desceu a faca de pedra com toda a sua força. A ponta lascada perfurou o olho da Águia banhando o braço do agressor com um líquido viscoso e escuro.

    Ethon soltou um guincho que fez os ouvidos de todos zunirem. A dor enlouqueceu a criatura. Ela parou de bater as asas ritmicamente e começou a girar em parafuso, descendo em alta velocidade.

    A força centrífuga foi demais. Licaão não conseguiu segurar. Ele foi arremessado do dorso da ave.

    O corpo de Licaão voou pelo ar e colidiu contra a parede de rocha da montanha com um som horrível de ossos estalando. Ele caiu no chão do platô, inerte.

    Teseu correu até ele.

    — Licaão!

    O homem estava de bruços. Suas costas tinham um corte profundo causado pela rocha afiada, e o sangue encharcava sua túnica rapidamente. Ele respirava com dificuldade, engasgando.

    Teseu colocou as mãos sobre o ferimento. Uma luz verde fraca começou a emanar de suas palmas. O sangue parou de escorrer tão rápido, e a pele começou a se fechar lentamente, mas Licaão ainda gemia de dor.

    — Temos que sair daqui — disse Plutarco, espiando por trás do Guia. — Ela vai voltar.

    A Águia recuperou o voo antes de bater no chão, mas estava desorientada e voava em círculos erráticos sobre o ninho. O sangue escorria de sua órbita vazia. Ethon fez a curva para atacar novamente, mas calculou mal a distância.

    Com um estrondo, a Águia colidiu de lado contra o paredão da montanha. Pedras rolaram. A asa direita bateu com força, e a criatura despencou no platô, rolando pela terra e levantando poeira.

    O grupo recuou. Licaão tentou se levantar, apoiado em Teseu.

    — Vamos — disse Licaão, com a voz fraca. — Enquanto ela está no chão.

    Ethon se levantou, sacudindo a cabeça, grasnou e bicou o ar, em uma tentativa de encontrar os inimigos, mas a cegueira parcial e o choque a deixaram confusa. Ela avançou aos tropeços.

    Estava indo na direção do ninho.

    — Os ovos — disse Teseu, parando.

    A Águia cambaleou. Uma de suas garras enormes pisou perigosamente perto da casca branca de um dos ovos gigantes. Parecia em pânico.

    — Teseu, vamos! — gritou Plutarco. — Ela vai esmagar tudo, inclusive nós!

    Teseu olhou para a criatura ferida e viu o sangue, a confusão e o medo nos movimentos do animal. Olhou para os ovos indefesos sob as garras da mãe. A voz da dríade e seus ensinamentos dos meses em que vivera na floresta ecoavam em sua mente. Eles tinham invadido seu ninho, a cegado e agora tirariam sua cria?

    Soltou Licaão, que se apoiou em uma pedra.

    — O que está fazendo garoto? — Licaão gritou num esforço que fez seu peito doer. — Vamos embora!

    Teseu deu um passo à frente, na direção da besta gigante.

    — Pare de se ferir! — gritou Teseu.

    A Águia não ouviu. Ela continuou a se debater, preparando-se para pisotear o centro do ninho em sua cegueira.

    Teseu sentiu um calor subir pelo peito. A urgência da situação o cegava para a própria segurança. Ele correu. Seus olhos se acenderam. As íris castanhas desapareceram, substituídas por uma luz verde intensa e vibrante.

    Teseu abriu a boca e sua voz saiu alterada, ressoando com um eco grave e poderoso que não pertencia a ele.

    PARE!

    O som ecoou pela montanha como um trovão, algumas nuvens se afastaram ao longe com o eco.

    Ethon congelou. Sua garra parou a centímetros de um ovo. As asas, que batiam freneticamente, se fecharam junto ao corpo. A criatura ficou imóvel, como uma estátua de bronze e penas.

    Licaão arregalou os olhos. Plutarco deixou a boca aberta, esquecendo-se de anotar.

    A Águia girou o pescoço lentamente na direção de Teseu. O olho restante, dourado e focado, fixou-se no garoto. Ela não atacou. Ela abaixou a cabeça, submissa e atenta.

    O silêncio reinou no topo do mundo. O brilho verde nos olhos de Teseu diminuiu até desaparecer, deixando o garoto ofegante e pálido.

    Perto da saída da trilha, o Guia descruzou os braços e olhou para a cena com um sorriso curioso nos lábios.

    — Agora, isso é interessante.

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