Capítulo 22 | Coração Pulsante (2)
No instante em que o Coração foi removido, as luzes da câmara falharam, mergulhando o Santuário em uma penumbra vermelha de emergência. Um tremor profundo percorreu o palácio. Nos visores, a cúpula de Atlântida vacilou visivelmente, a luz azul enfraquecendo.
— Hermes, o que diabos você fez?! — Magno gritou da porta, vendo as paredes tremerem.
Hermes não respondeu. Ele enfiou a mão sob sua couraça negra e puxou a Moeda de Tânatos. O metal escuro estava frio, pulsando com a energia que absorvera dos infiltrados. Com um movimento rápido, ele a colocou no pedestal vazio.
A reação foi violenta. O condutor de coral sibilou como se tocasse ácido. A moeda, agora conectada ao sistema de energia de Atlântida, brilhou com uma luz verde-negra doentia.
Nos visores, a cúpula mudou. O azul protetor foi substituído por um verde faminto. A vanguarda da frota de Proteu atingiu a barreira. As criaturas e Tritões inimigos gritaram em silêncio. Fios de energia verde começaram a ser puxados deles, sugados pela cúpula. Seus corpos começaram a murchar.
Magno observava, esperançoso e surpreso.
— Seu branquelo espertalhão de uma figa! Está funcionando!
— Não o suficiente — rosnou Hermes, os olhos fixos nos visores.
Ele estava certo. Embora as primeiras fileiras estivessem sendo drenadas, a massa principal do exército continuava avançando. O peso de milhares de corpos colidindo com a barreira necrótica era demais. Novas rachaduras, como teias de aranha, começaram a se formar na cúpula. O som de vidro trincando, mesmo abafado, chegou aos seus ouvidos.
— Onde está aquele monstrengo aquático? — Magno perguntou, desesperado.
Hermes olhou para os visores. A cúpula não aguentaria. A Moeda sozinha não era suficiente.
— Hermes… — Um gemido baixo, cheio de dor, veio da porta do Santuário.
Hermes se virou, a tensão da batalha iminente se transformando em alarme. Magno estava caído de joelhos, o rosto pálido e coberto de suor frio, as mãos agarrando o próprio estômago.
— O que… o que é isso… eu…
Uma sombra caiu sobre o gatuno. Da escuridão do corredor do átrio, Sêneca emergiu. O buraco cavernoso ainda marcava seu torso, e seus olhos vazios fixados, surpreendentemente, não em Hermes, mas no pedestal brilhante no centro da sala.
Caminhou.
— Que fome… que fome… — o murmúrio rouco era um vácuo que parecia sugar o próprio ar da câmara.
Uma aura visível, uma distorção no ar, emanava do andarilho. Hermes tentou se mover, socorrer Magno, mas uma fraqueza súbita e avassaladora tomou conta dele. Seus joelhos cederam. Ele caiu no chão de pedra, a exaustão da batalha agora multiplicada por mil. Era como se sua própria energia vital estivesse sendo puxada de seu corpo, uma sensação de vazio crescia em seu estômago.
— Sêneca… pare… — Hermes tentou comandar, mas sua voz saiu um sopro.
Ignorado. O andarilho parou diante do pedestal condutor, onde a Moeda de Tânatos pulsava com dificuldade.
Lentamente, como um homem em transe, Sêneca ergueu a mão pálida e ossuda. Seus dedos tocaram o metal escuro.
A reação foi imediata e violenta. Do lado de fora, um terremoto acometeu toda a cidade.
O Santuário explodiu em uma luz verde-negra ofuscante. Hermes e Magno gritaram quando a aura de Sêneca, agora amplificada pelo Coração da cidade, os atingiu com força total. Nos visores, a cena era de aniquilação. A cúpula de Atlântida brilhava como um sol morto.
O exército de Proteu, que estava prestes a romper a barreira, parou. Os Tritões renegados e os monstros marinhos gritaram em silêncio. Seus corpos começaram a murchar. A pele repuxava nos ossos, armaduras caíam de formas que se desfaziam, corpos envelheciam séculos em segundos. Uma tempestade de pó e cinzas foi tudo o que restou. A energia vital de milhares de soldados estava sendo sugada pela cúpula e canalizada diretamente para Sêneca.
O andarilho brilhava intensamente, o corpo arqueado para trás, a boca aberta em um grito silencioso enquanto absorvia o poder inimaginável. A luz verde-negra o consumiu. Então, a energia se tornou vasta demais.

Com um som de algo se partindo, Sêneca desabou do pedestal, caindo no chão de pedra. A luz se apagou. O silêncio retornou.
Hermes, sentindo a força retornar lentamente ao seu corpo, rastejou até o andarilho, esperando encontrar apenas cinzas. Mas Sêneca respirava. O buraco cavernoso em seu torso estava se fechando, a carne se tecendo rapidamente diante de seus olhos. A pele acinzentada recuperou a cor.
Seu aspecto cadavérico, sumindo, diante de seus olhos arregalados. Parecia um homem, vivo, em um sono profundo.
Restava apenas uma vasta nuvem de cinzas e poeira de ossos se dissipando lentamente na correnteza.
Proteu, flutuando sozinho na escuridão, testemunhou a obliteração. Ele tremeu, seus tentáculos faciais se contorcendo. Ele olhou para a cúpula com raiva fanática.
— Por que não me avisou? — ele gritou para a água silenciosa, a voz borbulhando de fúria. — Por que não me disse que outro dos seus estaria ajudando esta cidade?
De repente, uma vibração. Um som baixo e profundo que fez a própria água ao seu redor tremer, um pulso que fazia o chão se agitar e a areia do assoalho oceânico subir.
Sua raiva se transformou em autopreservação. Ele se virou, pronto para desaparecer na escuridão abissal, para fugir e se reportar. Ou melhor, para questionar seu superior, seu soberano.
Mas seu corpo não se moveu. Ele foi puxado para trás com um solavanco.
Confuso, ele olhou para baixo. Seus tornozelos e pernas estavam envoltos em sombras sólidas. Tentáculos de pura escuridão subiam do leito do mar, prendendo-o. Ele seguiu o rastro das sombras com os olhos.
O tridente negro, ainda cravado no pescoço de Tritão, pulsava com uma luz própria, e era dele que as amarras sombrias se originavam, uma última armadilha de seu próprio poder profano. O pânico, pela primeira vez, tomou conta de Proteu.
— Irmão! Solte-me! SOLTE-ME! — Proteu clamou, debatendo-se inutilmente.
Seus gritos foram abafados pelo som que se aproximava. Um som de águas se deslocando em uma escala colossal. Uma sombra se desprendeu da escuridão do horizonte, uma sombra que fazia a própria cúpula de Atlântida parecer pequena. Um olho do tamanho de uma carroça se abriu, fixando-se na figura imobilizada de Proteu.
A criatura primordial não hesitou. A imensa boca, um abismo de dentes e escuridão, moveu-se para a frente. Proteu teve apenas um segundo para encarar o esquecimento ao qual seu irmão o enviara.
A mandíbula se fechou. A água se agitou. E então, o silêncio.
A guerra por Atlântida havia terminado.

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