Índice de Capítulo

    Dezenas de olhos fixaram-se em Teseu quando o peso da expectativa coletiva pressionou seus ombros cobertos pelo bronze. Ele sentiu o suor escorrer por baixo da armadura, mais pela súbita exposição do que propriamente pelo calor.

    O bêbado desceu os degraus da taverna. Seus movimentos eram trôpegos e dramáticos. Ele tropeçou no último degrau, mas recuperou o equilíbrio, avançando pela praça com os braços estendidos de modo que as mangas largas de sua túnica azul manchada balançavam como as asas de um pássaro ferido.

    — Você! — repetiu ele com lágrimas nos olhos — Um guerreiro! Os deuses finalmente ouviram minhas preces!

    Era um homem por volta dos trinta anos, com cabelos curtos e castanhos e uma barba farta e bem emaranhada. No topo da cabeça, mal colocado, carregava um diadema de prata com uma joia azul ciano. Alguns larápios caminhavam atrás com braços estendidos como se protegessem o nobre da queda, claramente à espera da queda da jóia.

    Ele se jogou aos pés de Teseu, agarrando a borda de sua túnica com mãos que ostentavam anéis de ouro, sujos de vinho. O cheiro de álcool barato e perfume caro subiu até o nariz do jovem herói.

    — Levante-se, senhor — disse Teseu, desconfortável, tentando recuar sem ser rude. — Diga-nos o que aconteceu.

    Então, o homem ergueu o rosto. Seus olhos estavam inchados e vermelhos.

    — Eu sou Kreon, da casa dos Eupátridas de Atenas — anunciou ele ganhando um tom de autoridade ferida, projetada para que todos na praça ouvissem. — Um homem de berço nobre, reduzido a isto… a implorar por ajuda em uma vila esquecida pelos deuses!

    Ele se levantou, limpando a poeira dos joelhos.

    — Minha amada… minha Eudora… — sua voz quebrou, uma performance ensaiada de dor. — Ela foi levada. Arrancada de meus braços enquanto caminhávamos pelos olivais ao norte.

    — Levada por quem? — Plutarco, aproximando-se com sua tabuleta, tinha um olhar acadêmico fixo no nobre.

    Kreon estremeceu. Ele apontou para as montanhas que cercavam o vale com olhos arregalados de terror.

    — Não por quem, mas pelo quê. — trêmulo sussurou. — Uma abominação. Ele desceu das rochas como um metaeorus. Tinha o aspecto de homem, mas a pele… deuses, sua pele… era coberta de olhos. Centenas deles, piscando, girando, cheios de malícia.

    Um murmúrio de medo percorreu a multidão. Os moradores de Mylae fizeram sinais de proteção. Um costume estranho frente àqueles que não criam, mas que, frente a um ‘monstro’, parecia adequado.

    — Argos Panoptes — sussurrou um velho na primeira fila. — O gigante de mil olhos.

    Pessoas taparam as bocas como se elas próprias tivessem pronunciado algo proibido. Crianças se recolheram às barras das vestes de suas amas e Plutarco ergueu a sobrancelha com curiosidade. Teseu, no entanto, não mostrou surpresa. Um nome desconhecido que não dizia a ele mais que a palavra ‘monstro’. Ele já havia ouvido o suficiente.

    Kreon agarrou o braço do jovem herói cravando seus dedos contra o couro da braçadeira.

    — Ele a levou para seu covil, lá no alto, no Vale dos Observadores. Ele a mantém prisioneira, aterrorizada, sob sua vigília constante. — As lágrimas voltaram a escorrer pelo rosto do ateniense. — Eu tentei segui-los, juro que tentei! Mas a besta… ela me viu antes que eu pudesse dar um passo. Ela vê tudo! Eu sou apenas um homem, um aristocrata, não um matador de monstros!

    Ele caiu de joelhos novamente, a humilhação de sua confissão se aliava aos olhares coativos dos aldeões na tentativa de aliciar a piedade do herói.

    — Eu tenho ouro, rapaz. Tenho terras na Ática. — Ele olhou nos olhos de Teseu. — Traga minha Eudora de volta. Mate a besta que ousa tocar no que é meu. Eu farei de você um homem rico. Eu juro pela honra de Atenas.

    Teseu olhou para o homem soluçando a seus pés, depois para a multidão que esperava sua resposta. Ele viu o medo genuíno nos olhos dos aldeões e a promessa de justiça nos olhos de Kreon. Um monstro sequestrando uma donzela. Era a história que ele ouvira a vida toda. Era a chance de cumprir com seu dever de campeão.

    — Eu a trarei de volta — disse Teseu, sua voz firme ecoando na praça silenciosa.

    Kreon ergueu a cabeça, e por um instante, sua expressão em meio ao ranho e ao vinho, mostrou triunfo, mas logo em seguida veio novamente a gratidão chorosa.

    — Os deuses o abençoem! — Kreon chorou, beijando a mão rude de Teseu.

    Plutarco observava a cena lateralmente com o estilete parado sobre a cera. Em silêncio, cravava cada parte do diálogo com o cenho franzido, sem comentar nada.

    Com o juramento feito, a tensão na praça se dissolveu em uma movimentação prática e urgente. Kreon enxugou o rosto com a manga da túnica endireitando sua curvada postura com a renovação da esperança. Ele se virou para o taverneiro que observava da porta.

    — Você ouviu o homem! — Kreon ordenou, a voz ainda embargada, mas assumindo o tom de comando natural de sua classe. — Traga provisões. Tudo o que eles precisarem para a subida. Eu pagarei por tudo.

    Ele enfiou a mão em uma bolsa de couro presa à cintura e tirou um punhado de moedas de prata com corujas cunhadas em ambas as faces, jogando-as sobre uma das mesas vazias da varanda.

    O som do metal batendo na madeira fez alguns aldeões esticarem o pescoço com olhos brilhantes para a contemplação de uma riqueza que raramente passava por aquelas terras.

    O taverneiro recolheu as moedas rapidamente, mas o que ele trouxe de volta não condizia com o valor pago. Ele entregou a Teseu um saco de pano áspero contendo dois pães escuros e duros, um pedaço de queijo de cabra seco e um odre de vinho barato.

    — É o que temos pronto, senhor — murmurou o taverneiro, evitando o olhar de Kreon. — A colheita não foi boa e o monstro… o medo afastou os mercadores.

    Kreon pareceu prestes a protestar, ofendido pela escassez oferecida em troca de sua prata ateniense, mas se conteve. Ele olhou para Teseu com um gesto de desculpas impotente.

    — Perdoe a rusticidade, guerreiro. Se estivéssemos em Atenas, eu lhe daria um banquete digno de Hércules antes de tal feito. — Ele gesticulou para as montanhas que começavam a escurecer ao norte. — Mas o tempo urge. Eudora está lá em cima, sozinha com aquela coisa.

    Teseu aceitou o saco de suprimentos. Era leve, insuficiente para uma jornada longa, mas ele assentiu. Ele estava acostumado com a fome sem propósito nas minas, para uma missão como aquela, ele só precisava de sua espada. Ele prendeu o odre à cintura e jogou o saco sobre o ombro.

    — Para onde? — Teseu perguntou.

    Kreon apontou para uma trilha estreita que serpenteava para fora da vila, subindo em direção a uma fenda entre dois picos rochosos e áridos.

    — Siga a trilha dos pastores até o limite das árvores — instruiu Kreon, sua mão trêmula indicando o caminho. — Depois disso, o terreno se torna o Vale dos Observadores. É um lugar amaldiçoado. Ninguém da vila vai além dos marcos de pedra antigos. É lá que a besta vive.

    O ateniense se aproximou e novamente agarrou os ombros de Teseu com firmeza. Seus olhos estavam úmidos e lábios trêmulos em súplica.

    — Traga-a de volta para mim. Ela é tudo o que eu tenho.

    Enxergando no rosto do nobre apenas a dor de um homem apaixonado e desesperado, o garoto assentiu solenemente.

    Sem mais palavras, Teseu se virou e começou a caminhar em direção à saída da vila, com Plutarco em seu encalço. A multidão se abriu para deixá-los passar formando um corredor de rostos marcados pelo sol e pela preocupação.

    Ninguém lhes desejou boa sorte em voz alta, apenas acenos de cabeça solenes e sinais de proteção contra o mal.

    Eles deixaram as últimas casas de madeira para trás. O som da água na fonte e o burburinho da praça foram substituídos pelo barulho de suas botas na terra seca e pelo vento que começava a soprar mais forte à medida que a elevação aumentava.

    O sol tocava o horizonte, tingindo as rochas de vermelho-sangue. A subida começou.

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