Conto | A Recompensa do Sátiro (1)
A liberdade tinha o gosto de poeira e o som do choro abafado de uma criança faminta.
Faziam semanas desde que haviam deixado a cicatriz na terra que fora sua prisão, e a euforia daquela primeira noite de sangue e triunfo era agora uma memória distante e amarga.
A primeira semana de liberdade foi movida a adrenalina e ódio. A segunda, a uma esperança obstinada. A terceira começou com o silêncio da fome.
O êxodo que se arrastava pelas florestas da Calcídica não era um povo, mas o fantasma de um. Eram um cortejo de almas cansadas vestidas com armaduras roubadas que não lhes serviam e trapos que mal os cobriam. A liberdade, descobriram, era apenas outra forma de sobrevivência e não de recompensa. Uma batalha travada não com chicotes, mas com a fome, a exaustão e as feridas abertas em suas almas.
A comida que saquearam da caravana dos mercadores já era uma memória distante, um banquete sonhado em noites de estômago vazio. Agora, suas refeições eram raízes amargas que Callisto encontrava, ou um pequeno peixe dividido entre vinte pessoas. O peso que haviam perdido nas minas não estava sendo recuperado; seus corpos, já esqueléticos, pareciam encolher ainda mais, a pele se esticando sobre os ossos de forma doentia. As armaduras roubadas, antes símbolos de poder, agora eram fardos pesados que balançavam em corpos magros demais.
O desespero tinha um som. Era o som de uma tosse seca que se espalhava pelo acampamento improvisado durante a noite, um prenúncio da doença que a fraqueza convidava. Era o choro baixo e constante das crianças, um lamento que já não pedia por comida, mas que parecia apenas uma expressão da dor de existir.
Theo, o Escudo, não caminhava no seio do grupo. Ele os circulava, uma sentinela incansável. Um gigante de ombros largos e músculos forjados em anos de trabalho forçado, ele parecia menor agora, as bochechas mais fundas, a couraça de bronze que tomara de um guarda parecendo oca em seu peito. Ele não falava, apenas observava, cada sombra entre as árvores, cada som suspeito. Seu corpo estava no limite, mas a responsabilidade que assumira era o combustível que o mantinha de pé. Ele era o muro, e os muros não podiam cair.
Lycomedes, o Braço, caminhava no coração do grupo, sua barba grisalha emaranhada e o rosto, sulcado por mais rugas do que eles se lembravam. O homem mais velho, cujos olhos calmos já haviam visto demasiado, amparava uma mulher idosa, compartilhando com ela um gole de sua própria e escassa ração de água. Sua sabedoria, antes uma fonte de conforto, agora lutava contra o desespero crescente que via nos olhos de seu povo.
E Callisto, a Lâmina, era uma sombra na vanguarda. Magra, com um rosto anguloso e o olhar focado de uma predadora, ela se movia com uma economia de movimentos que contrastava com o arrastar exausto dos outros. Ela era a esperança deles pela caça, mas as florestas pareciam tão estéreis quanto suas barrigas. Cada vez que ela retornava de mãos vazias, o silêncio do grupo se aprofundava um pouco mais.
Silvo, um dos mais jovens do grupo, observava tudo com um peso no coração. Ele via a mudança nos líderes. Via Theo, de pé em vigília enquanto outros desmaiavam de exaustão, os nós dos dedos brancos de tanto apertar o cabo da espada, uma fúria impotente queimando em seu olhar. Ele via Lycomedes, distribuindo palavras de conforto que soavam cada vez mais frágeis, seus próprios olhos perdendo o brilho da sabedoria para a sombra da preocupação.
A unidade deles, forjada no fogo da rebelião, começou a mostrar fissuras sob a pressão da fome. Certa manhã, Silvo presenciou dois homens, que haviam lutado lado a lado na mina, rosnando um para o outro por causa de um pequeno pássaro que um deles conseguira abater com uma pedra.
— É meu! Eu o vi primeiro! — gritou um, o rosto contorcido.
— Minha filha não come há dois dias! — retrucou o outro, a mão na faca que mal conseguia segurar.
Foi Lycomedes quem interveio, o corpo cansado se interpondo entre eles. Ele não gritou. Sua voz era um sussurro de pura exaustão. — Irmãos… Parem. — Ele pegou o pássaro minúsculo da mão do primeiro homem. Com uma precisão dolorosa, partiu a pequena carcaça em duas. — Metade para sua filha. Metade para a sua. É tudo o que temos. Somos tudo o que temos. Não se esqueçam disso.
Os dois homens recuaram, a vergonha substituindo a raiva em seus rostos. Theo, que observava de longe, virou-se e socou o tronco de uma árvore, o som surdo um eco de sua frustração. Como o Escudo, ele se sentia fracassado. Ele os havia protegido da espada, mas não conseguia protegê-los da fome.
O golpe final na moral do grupo veio com o retorno de Callisto. Ela, a caçadora, a última esperança deles por sustento, emergiu da floresta ao entardecer, vazia. Não havia sangue em suas flechas, nem caça em seus ombros. Havia apenas a sujeira e o suor em seu rosto anguloso, e pela primeira vez, uma sombra de derrota em seu olhar de predadora.
— Nada — ela disse, a palavra única caindo sobre o acampamento como uma sentença de morte. — A floresta está vazia. Ou nós é que não somos mais bem-vindos nela.
Naquela tarde, eles desabaram em uma pequena clareira. Não houve uma ordem, apenas um colapso coletivo. Os corpos caíram onde estavam. Foi então, no ápice do desespero, que ouviram um som que não pertencia àquele mundo de sofrimento.
Uma risada.
Não era uma risada de alegria, mas um som rouco, cínico, que parecia vir das próprias árvores. Todos se enrijeceram. Theo desembainhou sua espada, colocando-se instintivamente na frente de uma mãe que abraçava seu filho. Callisto, que estava limpando uma flecha, congelou, os olhos fixos na linha das árvores.
Da sombra de um carvalho antigo, uma figura emergiu. A princípio, pareceu apenas um homem. Um homem velho e esguio, com a pele tão enrugada e escura que se assemelhava a casca de árvore. Seus cabelos eram uma massa selvagem de folhas e galhos, e seus olhos… seus olhos eram de um amarelo perturbador, com pupilas horizontais, como as de um bode.
— Ora, ora… — disse o homem, a voz um sussurro áspero e fino como folhas secas. — Vejam só o que o vento trouxe. Ratos de pedra, piscando sob o sol. Fugiram de uma gaiola de pedra apenas para morrer em uma gaiola de árvores. Hahahahaha-
Ele gargalhou, e então deu um passo para a luz da clareira, e foi então que o estranhamento se tornou horror. Sua postura era errada. Seu andar, saltitante e antinatural. E suas pernas… da cintura para baixo, ele não era humano. Eram cobertas por pelos grossos e escuros, terminando não em pés, mas em cascos fendidos que batiam suavemente na terra.
Um murmúrio de choque e descrença percorreu o grupo. Aquilo era uma criatura das histórias que suas avós contavam para assustá-los. Uma lenda. Um monstro.
— O que… o que é você? — A voz de Theo era tensa, a ponta de sua espada tremendo ligeiramente.
A criatura sorriu, um sorriso astuto que não alcançava seus olhos de bode. — Eu sou o que restou quando seus deuses se esqueceram de rir. Eu sou o sussurro na floresta que seus corações civilizados desaprenderam a ouvir. Alguns me chamam de Sátiro- Hahahahaha-.

Lycomedes deu um passo à frente, o rosto pálido. Ele conhecia as histórias mesmo sem acreditar nelas. Sabia que tais seres eram caprichosos, perigosos, ecos de um mundo mais antigo e selvagem. — Nós não procuramos encrenca, ancião da floresta. Apenas um caminho.
— Caminhos são para aqueles que sabem para onde vão — retrucou o Sátiro, seu olhar percorrendo o grupo com desdém. — Vocês estão apenas fugindo.
Antes que qualquer um pudesse processar a revelação, a criatura se moveu. Com um salto que desafiava a idade e a gravidade, ele desceu da rocha, aterrissando no centro da clareira com a leveza de uma folha seca. Ele estava agora no meio deles, uma presença antiga e antinatural no coração de seu acampamento desesperado.
— Não temam. Eu sei da dor murmurante de suas barrigas vazias… — ele continuou, seu olhar amarelo percorrendo os rostos magros e assustados. — E sei também onde a floresta esconde sua fartura.
Lycomedes ergueu a sobrancelha e deu um passo à frente, desconfiado. — Fartura?
O Sátiro suspirou. — Para um homem velho você não parece ser nada sábio, não é mesmo? — Seu sorriso se alargou de maneira zombeteira, quase formando uma careta. — Suprimentos, meu caro. De comer e de beber.
A menção a suprimentos foi um estopim para Theo. Com o único propósito de proteger o grupo, e seus nervos a flor da pele por dias de privação de sono e vigília incessante, não esperou mais. Na velocidade de um predador, ele se moveu, encurtando a distância em três longos passos. A ponta de sua espada de bronze parou a um dedo da garganta do Sátiro.
— Pare de brincadeiras! — rosnou Theo, a voz baixa e perigosa. — Diga o que quer, criatura. Agora.
Os olhos amarelos do Sátiro se arregalaram por um instante, uma surpresa genuína em ver tal desafio em um mortal tão quebrado. Então, a surpresa se derreteu em puro divertimento. Uma gargalhada rouca e antiga escapou de sua garganta, um som que fez as folhas das árvores tremerem.
— Que bravo, o pequeno escudeiro — ele zombou. Lentamente, com um desdém teatral, ele ergueu um dedo longo e nodoso. Com uma força que desmentia sua aparência frágil, ele tocou a ponta da lâmina de Theo e a empurrou para o lado, como se afastasse o galho de um arbusto. — Não há necessidade disso. Eu vim em paz.
Theo recuou um passo, o choque pela demonstração de força casual o desequilibrando mais do que qualquer golpe.
— Eu estou disposto a ajudá-los — disse o Sátiro, a voz agora mais suave, quase razoável. — Em troca, peço apenas o que é justo. Quando suas barrigas estiverem cheias com os suprimentos que eu os levarei a encontrar, eu também haverei de fazer meu banquete.
A oferta pairou no ar, surpreendentemente simples e… justa. O grupo, que esperava uma demanda terrível, se entreolhou com uma confusão esperançosa. Theo permaneceu em guarda, a espada ainda em mãos, mas a fúria em seu rosto deu lugar à incerteza.
— Essa é a taxa pelo meu serviço e eu prometo que após tê-la reclamado, voltarei para o lugar de onde vim. — O sátiro ergueu ambos os braços e deu de ombros sorrindo, expondo seu lado do acordo.
Uma centelha de esperança perigosa percorreu a clareira. Acordos com criaturas sobrenaturais? Ajudas sem custo? Ninguém ali havia vivido tão confortavelmente para se dar o luxo de acreditar nessas coisas.
O silêncio que se seguiu foi pesado. A oferta era boa demais, os termos, vagos demais. — Não — disse Lycomedes, a voz firme. Ele se virou para Theo e Callisto. — Suas palavras são escorregadias como uma enguia molhada. Acordos com os Antigos, com termos que não são claros, são armadilhas para a alma, Theo.
Theo se virou para o velho amigo, com a angústia gravada em seu rosto.
Ele olhou para uma menina pequena que tossia secamente nos braços de sua mãe, e sua resolução endureceu. — E a fome não é? — ele retrucou, a voz baixa e tensa. — Que escolha nós temos, Lycomedes? Morrer aqui, com nossa honra intacta, ou arriscar a trapaça de uma criatura das lendas por uma chance de viver? Mesmo que o preço seja a minha alma para que eles comam, eu a pagarei de bom grado.
Callisto, que permanecera em silêncio, observando o Sátiro com seus olhos de caçadora, avaliando-o como uma presa perigosa, finalmente se pronunciou. Seu veredito foi um único e pragmático aceno de cabeça. — O monstro que conhecemos é a fome. O monstro que não conhecemos oferece comida. Eu escolho a comida.
Lycomedes suspirou, cansado e aparentemente vencido.
Theo se virou para o Sátiro. — Nós aceitamos.
O sorriso do Sátiro se alargou, seus olhos amarelos brilhando com um conhecimento antigo. Para Lycomedes, ele não parecia um salvador. Parecia um pescador que acabara de sentir a linha esticar.
— Excelente — A criatura sussurrou. Seu sorriso se alargou novamente, uma felicidade que por pouco não alcançava suas orelhas. — Temos um pacto. Sigam-me, sigam-me. A fartura os aguarda.
E enquanto o grupo se levantava, com uma esperança frágil e aterrorizante em seus corações, eles seguiram a criatura das lendas para as profundezas de uma floresta que guardava segredos muito mais sombrios do que a simples fome. O pacto havia sido selado.
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