Conto | A Recompensa do Sátiro (4) FINAL
A ameaça final pairou no ar, mais pesada que a própria magia que os esmagava. O Sátiro esperava, deliciando-se com o silêncio, esperando ouvir as palavras de traição que seriam sua verdadeira recompensa. — Aceitem… Gah- Digam- Digam que aceitam — Theo pediu, o rosto pressionado contra a terra, os olhos se erguendo para seu povo que o encarava, paralisado pelo terror.
Seria essa a única saída? O sacrifício de seu líder, manchado pela covardia de todos? O grupo estava preso entre a aniquilação e a desonra absoluta. No meio deles, os olhos de Lycomedes, antes cheios de pavor, agora brilhavam com a luz gélida de uma ideia terrível e desesperada.
Ele se moveu. O peso da magia parecia menor sobre ele, ou talvez sua resolução fosse simplesmente mais forte. Ele caminhou lentamente, mancando, até parar entre o Sátiro e o resto do grupo. Sua postura não era de desafio, mas de uma derrota resignada. Era a imagem de um homem quebrado.
— Espere — disse ele ao Sátiro, a voz cansada. — Você… você tem razão, ancião. Sua filosofia… é a lei deste lugar. Nós fomos tolos em pensar diferente.
Theo e Callisto o encararam do chão, chocados e traídos. O Sátiro, por sua vez, sorriu, um brilho triunfante em seus olhos negros. A mente do grupo finalmente havia cedido.
— Um fardo… deve ser descartado — continuou Lycomedes, evitando o olhar de seus companheiros, como se a vergonha fosse demais. — Mas… para que o pacto seja justo, para que a Senhora da Retribuição seja satisfeita, os termos devem ser claros. — Ele se aproximou do Sátiro, a postura de um suplicante. — Você disse que quer ‘uma parte do grupo’. Apenas para que não haja erro… você aceitará a parte mais desprezível, a mais inútil? Aquela que não fará falta alguma, cuja ausência apenas nos fortalecerá?
— Exatamente! — exclamou o Sátiro, deliciando-se com a submissão de Lycomedes. Ele se sentia um deus, ensinando sua sabedoria cruel àquelas criaturas inferiores. — Vejo que o velho finalmente entendeu a sabedoria da natureza. Entreguem-me sua parte mais inútil, e o pacto estará consumado.
— Lycomedes, pare… não faça… deve haver-GAHK — Theo gemeu as palavras, implorando ao velho, mas teve sua frase cortada ao meio quando a força exercida pela magia do Sátiro o pressionou ainda mais contra o chão.
— Outro jeito, Theo? — Lycomedes respondeu, sem olhar para ele, a voz pesada. — Olhe ao nosso redor. A força foi esmagada. A esperança se foi. A lei desta criatura nos prende. Não há outro jeito.
Ele então se virou para o grupo, para os rostos cheios de lágrimas e pavor de seu povo. — Mas eu não permitirei que o peso desta escolha recaia sobre mais ninguém — ele disse, a voz ganhando uma estranha autoridade. — Eu peço a permissão de vocês. Deixem que eu escolha a parte a ser entregue. Deixem que a culpa por esta noite seja apenas minha. Vocês… vocês apenas precisam aceitar a minha decisão, e sobreviver. Ninguém mais carregará esta mancha.
O Sátiro assistia, animado, os olhos amarelos brilhando. Ele bateu palmas lentamente, um som seco e zombeteiro. — Magnífico! Que orador! Que astúcia! — ele exclamou, deleitando-se com o que via. — Fazer com que todos abracem a traição, absolvendo-os da culpa! Maravilhoso! Vocês o permitem escolher, e assim, se tornam todos cúmplices no silêncio. Ah, o desespero é realmente o mais doce dos vinhos.
O grupo, sem esperanças, desviou o olhar. Alguns acenaram com a cabeça, derrotados. Eles haviam entregado sua alma nas mãos do velho sábio, esperando que ele cometesse o pecado por eles.
Silvo chorou com o maxilar cerrado. Estava vendo a queda do homem que admirava? Como alguém tão sábio poderia se entregar a um erro tão grotesco?
Não seria melhor morrer aqui a ver sua honra e a moral de seu povo que por tanto lutou se perverter?
Ele encarou Lycomedes que buscava na multidão a anuência de todos. E então, seus olhos se cruzaram. O rapaz fechou os olhos, não tinha respostas, mas algo em si o dizia que ele não poderia fazer nada ali, talvez ser imoral fosse melhor que ser a culpa pela morte de todos. Silvo acenou.

Lycomedes acenou lentamente, os olhos fixos no chão. Então, com uma calma que gelou a alma de todos os presentes, ele se virou para Callisto, que o olhava com uma confusão dolorosa. — Sua espada.
Hesitante, mas sentindo o peso do momento, ela empurrou a lâmina pelo chão até ele. Lycomedes a pegou. Ele olhou para seu próprio braço esquerdo, um membro magro e enrugado de um homem velho, marcado pelas cicatrizes da mina. Então, olhou para Theo, para as crianças, para seu povo. — Um pacto é um pacto — ele disse, a voz firme pela primeira vez. E antes que alguém pudesse detê-lo, ele ergueu a espada.
A criatura de lendas ergueu a sobrancelha sobre seus olhos de escuridão, desconfiada.
Com um único e rápido movimento, o velho a desceu. O som foi surdo, doentio. Lycomedes não gritou. Ele apenas ofegou, o rosto se contorcendo em uma máscara de dor suprema enquanto seu braço esquerdo caía na grama. Com a mão restante, ele o pegou e, cambaleando, o atirou aos pés do Sátiro.
— Tome a sua parte — ele engasgou, o suor brotando em sua testa. — Um braço inútil de um velho. A parte mais desprezível e que não fará falta em batalha, como acordado.
O Sátiro encarou o membro decepado no chão, depois para Lycomedes, que o olhava com um desafio febril. A compreensão do engano amanheceu no rosto da criatura, e sua expressão se desfez em pura e absoluta fúria. A máscara de civilidade se quebrou. — Você está brincando comigo? — ele sibilou, a voz engrossando para um rosnado monstruoso. Pela primeira vez, ele não sorria.
Ele deu um passo à frente, a intenção de matar clara em seu rosto. Tudo parecia perdido. Foi então que a Moeda de Nêmesis, caída na grama, brilhou com uma luz ofuscante.
O Sátiro parou, gritando de terror. Um portal de sombras e luz fria se abriu sob seus pés, garras de escuridão se enrolando em suas pernas de bode e puxando-o para baixo. Ele se debateu, seu poder inútil contra a lei que ele mesmo invocara.
— NÃO, NÃO! EU NÃO ACEITO ESSE TRATO! ISSO NÃO É JUSTO! ELE ME ENGANOU! — ele berrava, a voz se distorcendo enquanto era arrastado para o abismo.
O Sátiro, com metade do corpo já engolido, estendeu uma mão em garra. Seu último ato foi um grito desesperado para a deusa que o punia por sua própria arrogância. — NÊMESIS!

Ele desapareceu. O portal se fechou. O braço de Lycomedes e a moeda foram levados com ele.
O silêncio absoluto tomou conta da clareira. A pressão esmagadora se foi. Um silêncio que foi quebrado pelo som do corpo de Lycomedes desabando. A crise havia passado. O pacto fora cumprido. E o preço, pago.
O grupo, chocado, mas livre, correu para ajudar seu líder caído.
Na manhã seguinte, eles retomaram a jornada para o sul. Na frente da pequena caravana de sobreviventes, em uma carroça improvisada, estava deitado Lycomedes, o braço amputado firmemente enfaixado, com Callisto ao seu lado, cuidando dele.
Estavam feridos, marcados para sempre pelo sacrifício, mas estavam todos vivos. Haviam encontrado os suprimentos e, mais importante, haviam encontrado sua lei. Uma lei forjada não no abandono dos fracos, mas na astúcia dos sábios.
FIM
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