Depois de passar no comerciante e perguntar sobre o vinho, bastou falar que era para o capitão da guarda que o comerciante rapidamente entregou a garrafa. Depois os garotos seguiram a caminho da casa de Alzira.

    Por mais que Elian tentasse iniciar um diálogo, todo o trajeto foi sem conversa. Respostas secas; apenas o necessário.

    Chegando no destino, Alzira os recebeu com a expressão carinhosa de sempre, mas dessa vez Kael não queria entrar. Não queria nem comer; levando uns pães com muita insistência de Alzira.

    — Então obrigado, tia. — Kael agradeceu enquanto aceitava a boa vontade da mulher.

    Ele nem deu uma segunda olhada para trás.

    — O que aconteceu? — Alzira perguntou a medida que a figura de Kael desaparecia.

    Elian tinha uma expressão complicada.

    — Depois conversamos sobre isso, vovó. Estou com sono.

    Kael não tinha exposto o assunto para Alzira. Isso deixou Elian mais a vontade, mas estranho. Havia um sentimento no seu peito que ele não sabia o que era.

    Ele realmente não gostava da distância repentina de Kael.

    A voz de Alzira soou suave:

    — Kael é um bom menino, Elian. Ter um bom amigo é difícil. Você deveria mantê-los.

    Elian suspirou.

    — … Eu sei. — disse, com uma voz complicada. — Vamos entrar?

    A noite estava fria.

    Alzira respondeu abrindo a porta e liberando o caminho. Assim que Elian estava para atravessar, ela afagou-lhe a cabeça.

    — Você vai comer primeiro antes de dormir.

    Ouvindo aquilo, Elian apenas deu de ombros.

    Sua avó era incontestável.

    Entrando, o calor os envolveu. Elian sentou enquanto Alzira preparava alguma coisa para comer. Isso lhe deu tempo para pensar sobre o dia. Lembrou da cena da caravana. 

    Quando fechava os olhos, conseguia imaginar perfeitamente a cena do cadáver no chão. Mas o que realmente o incomodava era aquele olhar de Kael.

    Era… distante. Diferente.

    — O que você pensa tanto ? — Alzira perguntou enquanto trazia uma pequena tigela.

    — … Algumas coisas, vovó.

    — Oh? E o que seria elas?

    A voz de Elian cortou o clima instantaneamente:

    — Uma pessoa morreu.

    Essa resposta direta  pegou de surpresa a velha mulher. Elian, seu neto, era uma criança. Se ela já não estivesse colocado a tigela na mesa, provavelmente derrubaria o conteúdo no chão.

    Afinal, o que uma criança deveria saber sobre a morte?

    Alzira ainda estava digerindo a notícia quando Elian soltou outra informação importante:

    — E… eu meio que virei o “subordinado” do capitão da guarda. 

    Elian explicou a situação para Alzira nos mínimos detalhes, desde a confusão com a caravana mercantil, até o ápice da discussão com Roderick; não deixando de fora a parte em que esbarrou em Beltrão e em como o capitão da guarda interviu por ele, com Kael agarrando a oportunidade para sair da situação.

    — … Certo, mas isso não explica a situação com o corpo. — Alzira contestou.

    Elian respirou fundo. Tinha chegado na parte que não queria contar. Ele estava errado na maneira que agiu.

    Mas contou mesmo assim.

    Contou como escapou de Kael para ver a situação só porque estava curioso. Ignorando os gritos do seu amigo e chegando no local; vendo o corpo jogado ao chão com uma flecha atravessando o pescoço.

    Alzira suspirou. Olhava para o copo com chá ainda quente que ela tinha posto sobre a mesa.

    Foi muita informação de uma só vez.

    Ela morava em Brumalva há muito tempo. Tempo demais. Sabia da violência do lugar e que, contanto que Elian continuasse lá, uma hora se daria conta de que o mundo tinha sim seus lados horríveis.

    Mas ela não queria que fosse tão cedo. Não tinha que ser assim. Não precisava ser agora.

    Realmente, as coisas boas não duram para sempre. Elian tinha que encarar a realidade em algum momento, mas, se dependesse de Alzira, esse momento nunca teria chegado.

    — E tem mais… — Elian disse, revelando uma garrafa. — olha.

    O líquido dentro ondulava de um lado para o outro devido a instabilidade da pequena mão de Elian. Era pesado para alguém de sua estatura segurar com apenas uma mão, então a garrafa tremia.

    Era uma garrafa bem trabalhada. Algo que não se via em Brumalva. Caro demais. Uma prova incontestável da história contada.

    A verdade era que Alzira confiava em Elian, mas era uma história muito irreal, até para ela — pelo menos até agora. Mas uma parte dela ainda queria negar aquilo ou fingir que tudo fosse um sonho.

    Infelizmente, era real.

    A mulher subiu as mãos para massagear as têmporas. Isso havia lhe causado algumas dores na cabeça.

    — Você está bem, vovó?

    — … Não, mas vou ficar.

    Precisava de um tempo para raciocinar as coisas.

    Conhecia o capitão da guarda. Na opinião dela, não fedia e nem cheirava. Um homem com sua própria vida. Mas ainda era um soldado. Seu neto se envolver com alguém assim era… difícil.

    Mas tinha uma parte que ela não entendia: o motivo.

    “Por que ele ajudaria Elian?”, pensava.

    Ela conhecia o homem; o homem conhecia ela. Mas sempre foi como padeira e capitão da guarda. Às vezes como cliente ele vinha comprar algumas coisas, mas nunca foram próximos o suficiente para ele ajudar por bondade.

    “Teria um motivo por trás?”

    “Não, ele ainda é o capitão da guarda. Era o dever dele…”

    A testa da mulher estava cheia de linhas profundas, mostrando seu pensamento interno. Elian via isso com estranheza.

    — … Vovó?

    A voz de Elian o trouxe de volta pra o presente.

    Alzira não conseguia ver a situação por inteiro. Era uma mulher com experiência pela vida. Naturalmente, sabia que tinha que haver algo, mas não sabia o quê.

    — Você primeiro precisa comer pra ficar forte. — Alzira sorriu amorosamente.

    — Mas vovó…

    — Coma. — Alzira interrompeu. — E depois…

    A mulher pareceu perceber algo.

    — Depois você precisa ir conversar com Kael. — continuou. — Nossa, não me admira que ele tenha ficado chateado com você. Você não quis ouvir ele! Você não pode ser assim! Ignorar os outros é ser sem educação!

    Elian tinha algum rubor nas bochechas. Sua cabeça estava baixa à medida que mastigava um biscoito.

    Na verdade, Alzira não precisava lhe dar essa bronca. Ele já tinha percebido seu erro. Estava arrependido. Ouvir ela agora jogando essas verdades dolorosas apenas piorava esse sentimento.

    As seguintes palavras de sua avó foram algo que o incomodou muito:

    — Termine, se limpe e vá dormir. Amanhã você precisa ir entregar esse vinho.

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