Capítulo 9 — Banquete de correntes
— O que o senhor Varn deseja? — Beltrão por fim deu voz ao tópico central.
Alguém em sua profissão sabia quando negociar. Se Varn o quisesse morto, já estaria. Mas isso também não impedia que não fosse assassinado. Estava em seu território, acobertar o caso seria simples. Ele tinha algo que valia sua vida, mas tinha que estar disposto a ‘abrir’ mão. O preço seria muito alto.
Mesmo se o ‘crime’ de Varn posteriormente fosse revelado, não adiantava nada se morresse. Cada movimento, cada palavra, tudo deveria ser feito de acordo com o que o homem na sua frente queria.
O problema era que as cartas que tinha no momento não valiam o jogo. Estava com a mão mais fraca; pior, seu adversário era quem ditava as regras.
Ficar vivo dependeria de sacrifício.
Um mundo verdadeiramente cruel onde cada ‘pequena escolha’ traria grandes impactos. O comerciante estava sentindo isso em primeira mão.
Talvez fosse carma.
O homem morto a mando dele daria risadas de sua miserável situação se pudesse.
Ele ainda tinha os mercenários de elite contratados. Mas tinha um grande problema: mana.
“Porra! Ele é um mago, não é? Por que se preocupar com um assunto tão insignificante?!”, debaixo da mesa, suas mãos tremiam devido a força do aperto.
Aqueles abençoados pela mana eram seres em uma liga diferente. Um único indivíduo com tal energia poderia mudar o resultado de uma batalha inteira. Uma conjuração e centenas, talvez milhares, pereceriam. Por que alguém com tal poder se importaria se um homem vive ou morre?
Não fazia sentido!
Os magos eram excêntricos. Alguns se trancavam para estudar o arcano em bibliotecas empoeiradas; outros, uma pequena parcela, se voltavam para a guerra. Essas forças claramente eram ‘peças’ de alto valor para forças maiores. Raramente sendo empregadas. Cada movimento de um ser desses era visto por todos.
Varn Talrick era um mago de guerra. Um veterano aposentado. Beltrão sabia: o homem no passado foi uma força reconhecida e atuava ativamente em nome da nobreza. Mas não imaginava que este velho mago, com sua reputação, se envolveria em um assunto tão frívolo.
— Eu ainda me lembro da primeira vez que você veio aqui, meu jovem. — disse Varn.
— … Seu olhar me lembrava um cão pedindo um pedaço de carne. Se lembra Roderick?
— Sim, senhor!
A primeira vez que Beltrão pisou em Brumalva, tremia. Medo? Interesse? Varn não sabia. Mas de uma coisa sabia: a ganância humana. Esse aspecto não muda no mundo dos comerciantes.
Ontem, um garoto assustado. Hoje, um homem ganancioso e avarento. O poder revela a natureza de cada um.
Varn Talrick sabia disso. Era o que estava esperando. Um pequeno deslize. Por isso ele deixou Roderick alerta sobre o assunto.
Estava ciente que, contanto que continuasse seus negócios, o coração do homem se encheria de cobiça e morderia mais do que conseguiria mastigar.
É apenas a natureza humana.
— É… — riu secamente. — realmente engraçado.
Seus olhos varreram a mesa farta de diversos pratos postos.
— E mesmo agora, com tanta comida, não come.
O silêncio era muito alto.
— Eu… eu me desculpo pela falta de respeito que eu tive com Brumalva, senhor. — Beltrão disse com sinceridade.
Mas sinceridade não tinha valor. Varn não estava satisfeito. Suas sobrancelhas estavam arqueadas, esperando ouvir mais.
— E-eu… — Beltrão estava contra a parede — Trarei mercadoria para Brumalva apenas pelo preço de custo!
Um erro fatal. Uma negociação feita pelo nervosismo vinha acompanhada pelo desastre.
Já era uma oferta tentadora, mas não o suficiente. Varn circulava o dedo sobre o copo.
“O que mais você quer seu velho monstruoso?!”, Beltrão pensava, indignado.
Ele era o comerciante; mesmo assim, era o que estava sendo enganado.
— Isso é suficiente apenas para “apaziguar” o incidente anterior, jovem.
Varn olhava para Beltrão como se conseguisse enxergar a alma do sujeito.
Talvez pudesse.
— S-senhor varn… — Beltrão estava pálido tentando explicar. — Mais do que isso é impossível!
Mas não existia diálogo.
— Eu quero vinte porcento dos lucros líquidos da revenda dos minérios — Varn disse.
“V-vinte porcento ?!”, Beltrão não podia acreditar em seus ouvidos
Perdeu a força nos quadris e quase caiu da cadeira, sendo apoiado por um dos mercenários.
A situação de antes com Roderick? Um passeio no parque em comparação com a atual. Na verdade, Beltrão sentia até saudades.
Mas Varn não parecia ter acabado:
— É claro… dos lucros líquidos. Os brutos são por sua conta.
Aquilo era o último prego no caixão.
Eram quase à totalidade dos lucros. Beltrão estava tão pálido quanto algodão.
O homem tinha suas próprias despesas. Contratos, compra de mercadorias, custos de manutenção. Ouvir aquilo era como uma sentença de vida.
Mesmo os mercenários contratados, sem noção nenhuma dos negócios, torceram o nariz. Aquilo realmente era um assalto!
— Isso mal pega as despesas! — Beltrão bateu na mesa, sobressaltado pela raiva.
O medo empurrado ao limite se transforma em raiva, coragem.
…
— Sente-se.
A voz de Varn não foi um pedido. Foi uma ordem. Ele não tinha acabado.
Beltrão sentou-se, meio arrependido por se alterar.
Mas não se importava mais nessa altura do campeonato. Perdendo tudo, qual a diferença de estar morto? Era melhor morrer logo!
Varn observou a situação como um adulto observa uma criança mimada. Indiferente.
— Vamos falar de negócios, pequena “raposa”. — Varn não estava preocupado em esconder sua zombaria. — você veio aqui pra isso, afinal.
Ele deu um longo gole em seu vinho.
— Associado. — Varn fez uma pausa, antes de continuar. — Você se tornará um “parceiro” meu. Terá preferência nas negociações futuras quanto aos minérios.
…
— Creio que você sabe o peso disso.
Varn fez uma pausa, antes de fazer um lembrete:
— Contanto que não incomode forças maiores com sua ganância. Não coma o que não consegue mastigar.
Tudo tinha um limite. Controle. Forças maiores gostavam de controlar para se manterem no poder. Era assim antes; é assim agora.
Beltrão claramente sabia disso. Era um erro fatal incomodar os poderosos e a situação de agora foi gravada firmemente em sua alma como uma lição prática.
Mas apesar da situação, estava muito contente.
‘Associado’. O termo soava como mel em suas orelhas.
Com a preferência nas negociações, ele poderia aumentar os preços em uma linha razoável já que teria uma mercadoria melhor, consequentemente, se tornando o ‘canal’ número um entre Brumalva e o reino.
Mesmo com os vinte porcento a menos, os lucros seriam maiores do que as perdas!
Mesmo isolada, Brumalva era um ótimo fornecedor de minérios. Tinham outros lugares, claro, mas já eram controlados por peixes maiores. Comerciantes como Beltrão não tinham espaço; sobravam apenas as migalhas do bolo.
Aqui ele poderia pegar um pedaço inteiro!
— O s-senhor está disposto a isso? — Beltrão engoliu em seco.
Se fosse assim, ele estava mais do que alegre em ceder ao homem o que quisesse! O que era meros vinte porcento?
— Claro, jovem. — Varn respondeu. — Você traz as mercadorias a preço de custo pra mim. O lucro é meu. Eu vendo.
…
— Da revenda dos minérios, você me dá vinte por cento dos lucros líquidos. — continuou. — De tempos em tempos eu posso te pedir uns “favores”, mas como amigos. Coisa boba.
Beltrão apertou as vestes perto da coxa. Ele sabia: aquilo não era amizade, era um contrato; não era diferente de escravidão. Seria o subordinado de Varn.
Mas soava melhor do que perder tudo ou ser morto. Na verdade, apesar dos pesares, ainda teria lucros. Estava inclinado a aceitar.
— E… e quanto ao criminoso?
— Um acidente infeliz. — Varn respondeu seco. — Na perseguição, o sujeito tropeçou e caiu na própria adaga. Uma morte trágica. Você, em sua bondade, doará uma quantia generosa à família da vítima.
Era isso. Varn não apenas perdoaria o erro de Beltrão, mas estava disposto a reescrever a história.
Melhor ainda: mostrou ‘misericórdia’. Os mercenários contratados por Beltrão seriam suas próprias testemunhas. Mesmo na razão de punir um estrangeiro, não o fez. Uma atitude benevolente. Mostrava ao mundo que Brumalva era diplomática.
Varn Talrick não queria ter a imagem de um bárbaro. Matar Beltrão era ruim aos negócios.
Quando se trata de benefícios, eram assim que as forças maiores agiam. Não em prol do povo, mas delas mesmas.
E daí que uma pessoa morreu? É a engrenagem de um sistema maior.
— … Certo. — Beltrão disse. — Eu concordo!
Após avaliar os lucros, perdas e ganhos, valia a pena. Mesmo que o acordo fosse feito com um demônio.
As chamas das luzes das velas oscilaram, como se dessem risadas.
— Ok. — Varn aprovou. — Encerramos com um juramento de mana, então.
Um estalo de dedos se seguiu.
Uma linha de fogo fina atravessou rapidamente de Varn a Beltrão. Foi um evento mínimo, perceptível apenas aos olhos treinados.
Um contrato foi feito!
Beltrão rapidamente teve acesso às informações sobre a ‘parceria’. Era como se sempre estivesse ali, mas apenas escondido. Escrito na sua mente como escrito em pedra. Não esqueceria.
Quanto aos termos, apenas os dois sabiam.
— Ótimo! — Varn disse, subindo o canto dos lábios em um sorriso fino. — Agora beba e coma, meu estimado “hóspede”.
Beltrão pegou um copo, erguendo para um brinde. A mão tremia.
— A sua saúde, senhor Varn!
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