Capítulo 121 - Poço mais profundo
Desde os ataques anteriores, Hana percebeu que estava sendo vigiada por todos os lados. Não dava para dizer quem, mas ela sentia os olhares vigilantes e afiados penetrando suas costas, como se observassem cada movimento seu.
Não só ela, mas os outros também disseram ter a mesma sensação. Poderia ser só uma paranoia, mas depois de tudo era muito mais real.
Em segredo, eles decidiram investigar, enquanto seguiam o conselho de ficarem sempre juntos, porque não dava para saber quando uma nova visita aconteceria.
Com palavras sutis, Hana pesquisava cada uma das pessoas que falavam com ela. Sendo membro da organização há algum tempo, ela tinha feito vários amigos lá dentro, então desconfiar — sequer pensar — que eles poderiam ser inimigos não encaixava muito bem em sua mente, embora ela já conhecesse aquela amarga sensação de traição.
Hana era Especialista em Dano Contido, e também participou de cursos específicos dentro da organização. Ela era oficialmente aluna de Amélie, que se ofereceu para cuidar dela depois dos eventos que a trouxeram para a Strike Down, mas pediu para um dos instrutores cuidar de suas especialidades quando estava indisponível.
Luigi era o nome dele. Um homem com a idade já avançada na época, mas que se manteve ativo na área de ensinamento por um bom tempo. Suas habilidades o levaram longe em seus longos trinta anos como agente, e apesar de que poderia lutar caso fosse necessário, ele planejava levar o resto dos seus dias como tutor.
Ele era, certamente, alguém que Hana conseguia confiar. Não só ela, como também as centenas de agentes, instrutores e servidores especiais.
Porém, havia algo curioso sobre tal homem.
Em um intervalo de dez anos, o índice de mortes de agentes subiu consideravelmente.
Uma divisão de inteligência especificou esses dados para se ter uma ideia de como diminuir esse número, aumentando o potencial e preparação dos agentes.
Foi-se obtidos os seguintes dados:
Número de agentes falecidos de acordo com a quantidade total de cada especialidade:
Levantamento de Perdas por Especialização
1. Especialista em Dano Contido (EDC)
Taxa de Perda: 38%
Motivo: Operações em áreas críticas exigem precisão extrema, tornando os agentes mais vulneráveis a erros fatais e exposição direta ao perigo.
2. Interventor de Alta Precisão (IAP)
Taxa de Perda: 32%
Motivo: Necessidade de intervenções rápidas em pontos críticos e infiltrações, aumentando os riscos de fatalidades em missões arriscadas.
3. Operador de Suporte Ofensivo (OSO)
Taxa de Perda: 24%
Motivo: Exposição constante enquanto oferece suporte à linha de frente, tornando-a suscetível a fogo cruzado e ataques diretos.
4. Artilheiro Tático (AT)
Taxa de Perda: 18%
Motivo: Embora opere à distância, a necessidade de permanecer estática em algumas posições estratégicas eleva a vulnerabilidade.
5. Estrategista de Campo (EC)
Taxa de Perda: 12%
Motivo: Menor risco direto, com foco em análise e controle do ambiente, mas ainda sujeita a ataques imprevistos ou falhas no planejamento.
6. Analisadores de Risco e Inteligência (ARI)
Taxa de Perda: 9%
Motivo: Atuam geralmente em posições seguras, mas podem ser alvos de retaliação ou expostos a riscos quando suas análises falham em prever ameaças ocultas.
Diante do levantamento, foi-se feito uma reunião geral, onde discutiram seus métodos de capacitação, com a presença dos diretores da Academia de Desenvolvimento, os quais criaram uma solução eficiente, dando mais atenção aos indivíduos e não apenas ao grupo em si.
O que isso tinha a ver com Luigi afinal? Ele não era o único tutor de Dano Contido, mas a maior parte dos agentes mortos na especialização haviam sido seus alunos no passado.
Por muito tempo cogitou-se que seus métodos de ensino eram ineficazes para a maioria dos agentes e ele foi suspenso do seu cargo, além de ser investigado por possíveis atentados contra a vida de seus alunos.
Ele foi restituído algum tempo depois, quando informaram que haviam cometido um erro.
Claro, o fato ainda era um fato e mesmo a palavra dos líderes não foram o suficiente para satisfazer a todos, inclusive Hana, que conheceu um agente mais velho no passado e soube de sua morte pouco tempo depois.
Meses depois, Luigi também morreu em missão.
Hana sentiu muito por isso. O professor que ela teve por um breve tempo, mas que prezava muito, passou a ser visto com maus olhos após sua morte, e muitos diziam que ele morreu de forma merecida. Até mesmo boatos sobre ele ter sido o culpado das mortes dos agentes rodavam por aí.
Mas aquela chama já havia se enfraquecido conforme os dias se passavam. Não tinham muitos que se lembravam disso.
Porém, Hana não sabia o porquê, mas a ideia de que o grupo misterioso tinha relação com isso a envolveu de tal forma que ela mal conseguia dormir.
“Yui, venha comigo um pouquinho.”
Hana chamou a garota ao seu lado, que estava com os olhos fixos em seu celular, jogando o que parecia um RPG de turnos, e se levantou da mesa que estavam usando para comer.
“Huh? Hana-nee, eu tô quase conseguindo um personagem cinco estrelas…”
“É rapidinho. Só preciso que me acompanhe. Eu não vou te atrapalhar.”
Por um momento, Hana sentiu a familiaridade de Yui com Haruki e Chika, que também eram aficionados com jogos.
Ryuunosuke disse que eles deveriam ficar juntos o máximo possível, então era necessário que Yui acompanhasse a garota e vice-versa.
Elas seguiram da área de descanso em direção ao corredor para o pátio interno. Yui ficou confusa, não sabendo o que Hana planejava, mas depois de andarem por algum tempo lentamente e depois pararem bruscamente, ela percebeu que estavam seguindo alguém.
“O que a gente tá fazendo?”
“Eu só quero falar com alguém… Não faça barulho”, gesticulou.
Elas observaram mais um pouquinho do canto do corredor. A pessoa que estavam seguindo entrou numa porta da direita e sumiu de repente assim que ela se fechou. Ele havia pego o elevador para o segundo subsolo.
“Vamos.”
As duas foram atrás dele. Yui se perguntava porque estavam se escondendo se era só conversar com tal pessoa, mas uma ideia surgiu em sua mente quando ela percebeu que aquele homem tinha entrado no dormitório feminino.
“Eh?! O que ele está fazendo aí?!”
“Shiuu! Não faça barulho. Vamos descobrir isso agora.”
Cautelosas, as duas usaram o cartão de identidade de Yui e passaram pela porta. Do outro lado, um corredor extenso e cheio de portas, cada uma denominada com o número do bloco e número do quarto. No caso, a porta mais perto delas era B – 1 e as outras seguiam o mesmo padrão.
“Se eu me lembro bem…”
Hana analisou as portas ao redor, enquanto puxava algo em suas memórias, ela andou até uma das portas mais ao meio do bloco e parou frente a uma delas.
B-11.
Esses dormitórios eram amplos e comportavam três pessoas por quarto. O que significava que cada trio de garotas possuía um acesso a um único quarto através de cartões de identificação, ou seja, ninguém mais tinha acesso a eles, salvo as funcionárias que cuidavam da limpeza semanal.
Funcionárias para o dormitório feminino, funcionários para o dormitório masculino. Um homem entrar ali era estritamente proibido, principalmente se estivesse sozinho.
Ele roubou um cartão de identificação de uma das garotas que ficam aqui. O que ele é? Um stalker?
Hana conhecia tanto o suspeito quanto a garota que fora roubada, por isso ela encontrou o quarto tão facilmente.
Sinalizando para Yui ficar atenta, elas esperaram por uns quinze minutos até a porta se abrir. Quando aconteceu, encurralaram o homem e o empurraram de volta para dentro.
“Hã?! Ei! O que é isso?!”
“Ah! Seu nojento!”, Yui gritou furiosamente, prestes a pular no pescoço dele e estrangulá-lo. Possivelmente ela não entendia plenamente a sujeira que um homem podia abrigar no coração, mas ela sabia que não era certo.
O homem de estatura média, cabelos pretos penteados formalmente esboçou uma expressão de horror, nervoso por ter sido pego em seu ato.
Hana olhou ao redor. Não parecia haver nada fora do lugar. As camas arrumadas e tudo limpo.
“O que você veio fazer aqui?” Ela apertou os olhos, encarando-o severamente.
“E-eu? Nada demais… Só estava verificando…”
Os olhos dele estremeceram e suas mãos se agitaram na frente do corpo.
“Até onde eu sei, homens são proibidos aqui. Não tem nada pra você verificar.”
Ele engasgou com as palavras, sem saber como reagir, então entrou em um estado de fúria, tentando abrir caminho.
“Isso não é da conta de vocês! Saiam da minha frente agora!”
“Yui.”
Assim que teve seu nome chamado, a pequena garota puxou um item de sua cintura. Um cubo, que brilhou e tomou a forma de uma foice, pairando sobre o pescoço do homem e parando seu avanço.
Ele começou a suar frio.
“E-espera. Eu não tava fazendo nada demais… Eu só…”
“Você só invadiu um quarto feminino. Sabe que isso é passível de punição, não é?”
“Eu juro! Eu só queria checar algumas coisas. Eu conheço as garotas que ficam aqui. Elas me pediram para buscar algo! Eu tô falando sério!”
“O que você veio buscar?”
“Foi uma… uma tiara! Isso! Ela pediu que eu buscasse uma tiara que ela ganhou de presente da mãe dela.”
Hana franziu o cenho, duvidando da palavra do homem.
“Isso é verdade?” Yui inclinou a cabeça.
“É! É claro que… Sim!”
Contradizendo suas palavras, ele girou seu corpo e atacou Yui, saindo do alcance da foice dela.
Assim como a garota fez anteriormente, ele sacou uma faca militar e ameaçou as duas.
“Ah! Seu mentiroso!”
“Escutem. Se vocês prometerem ficar caladas, eu não vou fazer nada com vocês. Apenas finjam que nada aconteceu e todo mundo sai feliz.”
“Está mesmo falando isso? Pelo que eu sei, é você quem está numa posição ruim aqui.”
Hana conhecia aquele agente. Tratava-se de Yagami. Ele era forte, ela sabia disso. Numa luta direta, aquele quarto não sairia ileso, mas ela tinha plena confiança de que poderia vencê-lo. Isso se dava por dois simples fatos.
“Se você insistir nisso, eu não tenho problemas em seguir seu jogo. Mas lembre-se que temos sensores de detecção de energia por todos os lados, e se fizermos bagunça, todo mundo vai perceber. Assim que perceberem, virão até aqui e o que vão encontrar?”
Duas garotas lutando contra um agente masculino que havia se infiltrado no dormitório feminino depois de roubar um cartão de acesso. Hana e Yui certamente sairiam bem, não importando o cenário que ele criasse.
“Eu tenho uma proposta pra você. Só quero perguntar sobre algumas coisas. Se me responder, você pode ir e nós duas prometemos ficar em silêncio.”
“Mm?” Seu corpo relaxou um pouco. A ideia o fez reagir. “Ah! Agora eu lembro de você. Você é a tal da Hana. Você também estudou com Luigi, não foi? Só porque éramos colegas, vou deixar você falar.”
Hana tinha duas vantagens em relação a ele.
“Que bom que você mencionou. Eu quero que você me diga o que sabe sobre a morte de Luigi.”
Uma delas era a vantagem numérica e a outra era que o agente compulsivo a sua frente tinha um histórico decepcionante de falhas em suas missões devido a sua mentalidade emocionalmente instável.
Ele fora aluno de Luigi antes de morrer, e tinha um colega de equipe que também era da mesma turma, o qual foi um dos agentes desaparecidos misteriosamente.
Yagami se calou por um momento, atônito. Um rosto cheio de terror surgiu.
“O-o que você está falando, sua idiota? Tudo o que tinha para saber sobre ele todos já sabem!”
“Não. Eu tenho certeza que existe mais alguma coisa e quero que você me diga o que é. Essa é a única condição que peço para te deixar sair e ficar quieta. Daqui a pouco as garotas vão voltar. O que vai acontecer se você ficar aqui?”
Yui ameaçou mais uma vez com sua foice. Além disso, ela estava intrigada com a Hana que estava vendo ao seu lado. Não era muito parecida com a habitual. O tom de voz, a expressão levemente carregada de frieza. Parecia com aquele garoto.
“Nem fudendo! Eu não vou falar! Eu não posso!”
“Será que isso tem relação com um grupo secreto?”
“Não! É claro que não!”
“É uma pena… Então foi suicídio mesmo? Luigi realmente não passava de um lixo imundo que não aguentou o peso dos próprios erros?”
Esse era um dos boatos que correram naquela época.
“Não fale assim dele! O instrutor Luigi era um cara bom demais para existir! Como aluna dele, você deveria sentir vergonha de sequer pensar nessa possibilidade!”
“Então o que foi que aconteceu? Me diga.”
Yagami estava atordoado. O tempo continuava passando. Assim como Hana falou, logo mais as garotas iriam retornar e a vida dele acabaria com uma punição severa.
“É só falar, idiota!”
Yagami pensou muito. Estava suando frio. O relógio de parede com seu tic tac incessante ressoava em sua cabeça, fazendo-o se perder em um limbo de confusão.
Ele precisava sair dali imediatamente. Não queria ser odiado pela garota que ele admirava a ponto de roubar uma das peças íntimas dela. Por outro lado, não queria arriscar sua vida voltando aquela era.
O que fazer? Yagami foi pressionado ainda mais… e acabou explodindo.
“Tá bom, porra! Eu falo”, esbravejou. “Luigi foi assassinado. Eu não sei porque, mas colocaram a cabeça dele numa parte bem visível da área de descanso. Ninguém sabe disso porque foi retirado antes que todo mundo visse. Mas eu vi, e meu amigo também. Ele tirou a própria vida uma semana depois. Era como se ele estivesse paranoico com alguma coisa, mas nunca me disse o que era. Satisfeita?!”
“E o que mais?”
“Hã?! Eu já disse tudo!”
“Você não ficaria tão traumatizado assim se não tivesse algo mais. Eu fiquei sabendo que você mal participa de missões com sua equipe atual.”
Yagami rangeu os dentes. O quanto aquela garota poderia ser irritante? Mesmo assim, o tempo estava se esgotando.
“Merda! Eu tentei investigar na época, mas tudo o que eu recebi em resposta foi uma carta falando pra mim parar enquanto dava tempo e uma foto minha dormindo.”
Uma foto tirada bem de cima de seu rosto. E como agente especial anteriormente, ele tinha um quarto individual depois da morte de seu colega de equipe, que deixou uma vaga aberta.
Pensar que alguém entrou em seu quarto protegido com o cartão de identidade era, no mínimo, aterrorizante. Principalmente quando ele sequer sabia quando e como isso aconteceu.
Hana ponderou por um momento. Fazer isso talvez fosse mesmo a praia daquele grupo. Então estavam-no ameaçando para que ficasse em silêncio.
“Isso já basta, não é?! Me deixe sair agora!”
A garota o encarou por alguns segundos. Não parecia ser mentira, afinal, aquela expressão em seu rosto certamente era a de alguém que não queria tocar no assunto tão facilmente. Ela assentiu e abriu caminho.
Yagami disparou em direção à saída. A porta estava a alguns metros, mas ele correu tão desesperadamente que conseguiu atravessar essa distância em segundos.
“Vamos deixar ele fugir assim mesmo, Hana-nee? Ele é um idiota.”
“Tá tudo bem. Não se preocupe com isso. Ele vai pagar pelo que fez”, disse Hana e saiu do quarto. “Que tal irmos pro seu quarto por um momento?”
Embora curiosa, Yui assentiu e a guiou até lá. Assim que a trava foi desbloqueada, elas entraram. E nesse exato momento a porta principal se abriu e algumas garotas começaram a entrar. Elas se depararam com Yagami, que fugiu loucamente pelos corredores.
Bom… Eu não falei que elas tinham horário pra voltar…
Talvez ela devesse se sentir um pouco culpada por isso, mas uma má ação merecia uma punição e Hana era uma garota justa.
Tendo dias relativamente tranquilos, vindo em seguida, a Strike Down foi contemplada com um evento que raramente acontecia por ali.
A maior parte dos agentes especiais, juntamente às equipes selecionadas pelos líderes, tiveram de realizar uma calorosa recepção para um convidado.
A Equipe de Ataque n°8 não estava em tal recepção, assim como cerca de sessenta por cento dos agentes, mas os boatos eram rápidos, e chegou aos ouvidos deles: o convidado era ninguém mais ninguém menos que o Ministro da Defesa do Japão.
A curiosidade se apossou de todos, sem exceção. Eles se perguntavam qual seria o motivo da visita, e coisas exuberantes e até exageradas eram especuladas pelos curiosos, que estavam sedentos por alguma novidade.
Alguns fizeram ligação entre os incidentes recentes e uma possível parceria com a Força de Autodefesa do Japão para enfrentar alguma coisa em grande escala. Tudo euforia.
Passeando pelos corredores da escola, Hana repentinamente foi sugada para dentro de seus pensamentos, onde ela tentava ligar todos os tipos de informações que tinha reunido nos últimos dias.
Luigi assassinado, Yagami ameaçado. Obviamente, não era só uma coincidência. O que poderia ter levado a isso? Era um pouco errado afirmar com certeza que foi o mesmo grupo que causou isso, mas se fosse, então eles estavam infiltrados ali a mais tempo do que ela pensava. Quais seriam os objetivos? O que Luigi descobriu que eles precisavam apagá-lo?
Não fazia muito sentido pensar nisso naquele momento. Ela só podia tentar descobrir porque sua equipe estava sendo alvo. Até onde ela sabia, isso começou quando eles decidiram investigar o arquivo de voz.
Eu não lembro de ter mencionado isso pra ninguém. E se os outros também não disseram nada, então quer dizer que alguém ouviu algumas de nossas conversas.
Isso era bem provável, até porque eles não sabiam a magnitude do problema em que estavam se metendo. Talvez, até mesmo naquele momento, eles não conseguiam vislumbrar o que estavam enfrentando. No entanto, não tinha como recuar naquele ponto.
Ainda distraída, Hana não percebeu que estava prestes a trombar com alguém, e só saiu de seu transe quando seus ombros foram segurados pela pessoa em questão.
“É raro ver você distraída desse jeito”, disse Mayck, afastando-a um pouco. “Tá matando aula?”
“Eu nunca faria isso”, respondeu com um olhar frio. Dizer aquilo para ela, que era uma aluna exemplar era quase um insulto. “Só estava pensando sobre umas coisas. Apenas isso.”
“Mm…”
“E quanto a você? Não devia estar na sala também?”
Hana pôs as mãos na cintura, lançando um olhar feroz.
“Eu perdi uma aposta com Haruki e tive que ir comprar um suco.” A lata de suco de uva balançou na frente dela.
“Isso lá é motivo?” Ela empurrou a lata e cruzou os braços. “De qualquer forma, é bom você voltar para a aula. Não quer tirar notas ruins nas provas finais, né?”
“Haha. Isso não vai acontecer.”
Mayck sorriu confiante.
A garota se perguntava como ele conseguia agir daquele jeito. Ele era inteligente, ela tinha que admitir, mas raramente o via estudar. Porém, para bem ou para mal, ele nunca tirou notas baixas em uma prova.
Como ele mesmo dizia: “Só preciso saber o básico.”
“Mudando de assunto. Nos últimos dias você tem estado bem ocupada. Aconteceu alguma coisa?”
Hana queria negar para ele não se preocupar com aquelas situações anormais, mas lembrou-se que prometeu a ele não guardar segredos. O mesmo valia para Mayck.
“Algo assim, mas não posso contar por ser confidencial”, concluiu.
“Ah, é? Tudo bem, então. Se precisar de alguma coisa, é só me procurar.”
O sinal que anunciava a troca de aulas irrompeu pela escola.
“Vou fazer isso se precisar. É melhor voltarmos para a sala agora. Até depois.”
Ela se despediu e virou de costas, seguindo seu caminho, mas foi impedida pela mão de Mayck, que segurou firmemente seu braço direito.
“O que você tá fazendo?”
Hana encontrou os olhos de Mayck fixos nela. Ela acabou ficando desconcertada, mas ainda tentou manter a pose, tentando entender o que estava acontecendo.
“Isso aqui…”
Levantando seu braço direito, ela olhou diretamente para ele, mais precisamente perto do ombro. Havia um risco vermelho, um corte superficial feito por uma lâmina.
Naquela hora, ela pensou que nada tinha acontecido e ao menos se lembrou daquilo no calor do momento, deixando de lado qualquer checagem.
Hana rapidamente puxou seu braço de volta e evitou os olhos dele.
“Não é nada demais”, disse.
Mayck não respondeu de imediato. Ele certamente entendia que a situação dela era bastante delicada, mas como amigo de infância, ele não podia evitar se preocupar.
“Ei, é sério. Se você estiver se metendo em algo perigoso e precisar da minha ajuda, vem falar comigo na hora.”
E quantas vezes você me chamou quando precisou de ajuda? Essas palavras eclodiram da mente de Hana, mas ela não teve coragem de dizê-las. Talvez, só um pouquinho, ela entendesse como Mayck se sentia ao não querer envolver os outros em seus problemas.
“Como eu disse antes, é algo confidencial. Nós já estamos acostumados a fazer coisas perigosas. Não precisa se preocupar.”
Mayck não podia ver a expressão que Hana estava fazendo, mas a cabeça abaixada levemente denunciava que não era uma boa expressão.
Assim como ele não queria vê-la em perigo, Hana também não queria sobrecarregá-lo com mais peso do que já tinha. Como amiga de infância, como alguém que se importava de verdade com ele, ela queria diminuir a carga, não aumentá-la.
“Se você tá falando…” Mayck decidiu não insistir no assunto. “Falando nisso, daqui um tempo, eu vou precisar de você. Vou ter que resolver umas coisas durante as férias de inverno. Eu te conto os detalhes depois.”
“Que tipo de coisas?”
“Você deve imaginar.” Ele tocou no ombro dela enquanto seguia seu caminho, mas antes de se afastar demais, ele se virou para ela. “Olha. O que quer que você esteja enfrentando, lembre-se de dar atenção às suas intuições. Você é uma garota esperta, sei que consegue medir os fatos. Além disso, informações nunca são demais.”
Ele acenou e seguiu em frente.
Hana ficou em silêncio, sua mente martelando as palavras que acabara de ouvir.
Confiar na minha intuição? Ele percebeu que eu estava confusa?
Por algum motivo, seu coração palpitou e seu rosto ficou quente. Um leve sorriso apareceu em seu rosto.
“Esse garoto… ele não tem jeito.”
Por mais superficial que fosse, ele conseguiu ler o que ela estava pensando e ofereceu um conselho que era mais do que bem-vindo. Hana realmente tinha algumas coisas em mente, mas não sabia como executá-las.
Como Mayck disse, as informações nunca eram demais. Esse deveria ser o primeiro passo.
Ainda naquela noite Hana entrou no sistema da organização. Acompanhada de Yui, que ficou girando na cadeira ao lado, ela começou a pesquisar sobre antigos agentes e funcionários da Strike Down.
Com um termo de transparência, a maior parte dos arquivos armazenados eram acessíveis aos agentes. Entretanto, para arquivos mais delicados, era necessário uma permissão aprovada por todos os líderes da sede.
O que Hana procurava, era sobre Luigi. Assim como foi dito e todos ouviram falar, o homem morreu durante uma missão, tentando proteger seus alunos, o que era um grande contraste com o que Yagami mencionou.
“Por que um agente aposentado sairia em missão em primeiro lugar?”
Não era tão comum, mas os instrutores costumavam acompanhar equipes recém formadas para garantir que tudo estava saindo conforme o esperado, então não era algo tão surpreendente.
O que chamou a atenção da garota foi que Luigi já tinha cumprido sua última missão há cerca de quinze anos atrás. Foi mais ou menos nessa época que ele se aposentou devido a um ferimento que comprometeu suas pernas. E a garota realmente se lembrava de vê-lo andar com dificuldade pelos corredores.
“Bom, isso tudo eu já sei… Tem mais alguma coisa?”
Ela rolou a tela com o mouse, mas só encontrava os mesmos relatórios. Na página mais abaixo tinha uma espécie de histórico, onde estavam escritos os feitos de Luigi como agente da Strike Down.
“Eu já ouvi algumas coisas sobre ele, mas será que tem mais?”
A curiosidade a fez clicar em cima do título, mas uma página completamente em branco apareceu, como se todo o conteúdo tivesse sido deletado.
Ué…
“Ei, Hana-nee, ainda não terminou?” Yui deslizou com a cadeira até o lado dela, sentada com a barriga de frente para o encosto, e uma expressão de tédio.
“Eu já estou terminando. Falta pouco.”
Apesar daquele fato ter se gravado em sua mente, ela viu que não poderia demorar mais. Já estavam há mais de quarenta minutos ali e já estava ficando tarde — Yui estava morrendo de sono. Hana não podia obrigá-la a ficar acordada até tarde.
Depois de verificar mais algumas coisas sobre Luigi, ela rapidamente pesquisou sobre outro agente.
Hiroaki. Era um agente especial que fazia parte de uma equipe de reconhecimento ao lado de Yagami. Era dito que ele desapareceu em missão dias depois da morte de Luigi. Porém, segundo o relato de seu colega vivo, ele tirou a própria vida após ter presenciado algo macabro que acabou com sua sanidade.
Yagami foi confrontado com uma carta assustadora, o que o deixou traumatizado a ponto de se afastar das missões regulares e raramente sair de seu quarto. Portanto, o que fizeram com Hiroaki provavelmente tinha sido algo pior.
“Outro relatório diferente… Tem alguém deturpando isso?”
Tal questão se encaixava no fato de um grupo secreto infiltrado na organização e só o deixava mais forte. A garota ficou convicta de que o grupo tinha mais influência e rede de informações do que ela poderia imaginar.
Era bom ela compartilhar suas ideias com os outros mais tarde.
Sem demora, pegou também algumas informações essenciais de Hiroaki, anotando-as em um canto escondido no celular e deslogando seu acesso em seguida.
Yui já estava com a cabeça deitada em seu ombro, os olhos fechados, quase caindo em sono profundo.
“Yui-chan, desculpe, vamos embora agora.”
“Sim…” Como uma criança, ela coçou os olhos e se levantou, cambaleante.
As duas saíram da Sala de Arquivamentos e subiram de elevador do quinto subsolo para o segundo.
No dia seguinte.
Era sábado, 11 horas da manhã. Depois de preparar o café e chamar sua mãe para comer, Hana saiu de casa.
Mais cedo, ela enviou uma mensagem no grupo privado da equipe e contou as informações que conseguiu reunir. Os outros não duvidaram muito, até porque suas teorias tinham uma base sólida. Apesar disso, eles não podiam ter tanta certeza do que conseguiram concluir.
Dito isso, Hana pediu que Asahi e Ryuunosuke visitassem Yagami. Como garota, ela não tinha permissão para ir até lá, mas seus dois companheiros certamente fariam isso.
Asahi: Sem problemas pra mim.
Ryuunosuke: A gente vai dar uma checada.
Eles responderam meia hora antes de Hana chegar à base, depois de se locomover por trens e ônibus e andar alguns minutos, atravessando uma rígida segurança à paisana que guardava as entradas para a base.
Ainda na entrada, no final do túnel que se conectava ao pátio externo principal, decorado com jardins coloridos e monumentos referentes à organização, seu celular vibrou.
Ryuunosuke: Vocês podem nos encontrar agora? Estamos no corredor do refeitório.
Ao que parecia, a visita já tinha terminado e Hana estava ansiosa pelas notícias. Tudo tinha corrido bem? O que eles descobriram? Talvez a conclusão daquela etapa estivesse mais próxima.
Sem hesitar, a garota acelerou seus passos e chegou ao refeitório em menos de quinze minutos, passando pela multidão de agentes que tinham seus próprios afazeres.
Assim que chegou, viu o refeitório lotado. Era o esperado devido ao horário. Mas isso não era importante. Hana se encaminhou para o corredor que se conectava à área de descanso, que, diferentemente do cômodo anterior, estava mais vazio e silencioso.
Ela viu seus companheiros de longe. Airi e Yui já estavam presentes, então só restava ela.
Com o coração palpitante, cheio de expectativas, ela se aproximou rapidamente.
“E então? O que vocês encontraram?”
Sua ansiedade em busca de respostas não a deixou notar as expressões sombrias de seus companheiros, mas logo que ela percebeu, ajeitou sua postura e seu olhar ficou sério.
“O que foi que aconteceu? Vocês parecem meio estranhos.”
Não era apenas impressão. Até mesmo Yui, que normalmente ficava animada com o que quer que fosse, estava com os olhos baixos.
Diante do silêncio tenso que pairava sobre eles, onde todos discutiam silenciosamente sobre quem daria a notícia, Ryuunosuke escolheu se adiantar.
“Nós fomos até o quarto dele, como você pediu…”
“De Yagami?”
“Isso… a verdade é que não encontramos ele, nem sequer o vimos.”
“Ele não está no quarto?” Hana cruzou os braços, indignada. Será que Yagami estava invadindo o dormitório feminino de novo? Mas antes que chegasse a uma conclusão, Airi estendeu-lhe um envelope branco.
“Aqui.”
“O que é isso?”
“Apenas veja. Você vai entender na mesma hora.”
Sob os olhares silenciosos do resto da equipe, Hana abriu lentamente o envelope. Tinha um bilhete:
“Vocês serão os próximos.”
Estava assim, escrito sem mais nem menos em um papel de impressão. Ainda havia algo dentro do envelope e Hana se apressou em pegá-lo. Era uma foto. Mais especificamente, uma foto de Yagami e todos os seus membros separados, órgãos e ossos expostos, enquanto, ao invés de um sorriso alegre, uma feição de agonia, desespero e dor.
O sangue naquela imagem parecia jorrar em cima de Hana. O terror estampou seu rosto e todos os seus pensamentos se calaram.
“Isso… não pode ser verdade…”
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