Capítulo 129 - Separados
A tempestade passou e as serpentes desapareceram.
Um a um, os agentes corriam de um lado para o outro, resgatando seus companheiros que estavam incapazes de se mover.
Por sorte, ninguém se feriu gravemente, apenas o frio agrava suas feridas.
Após prestar os primeiros socorros, eles carregaram os incapacitados para uma gruta que encontraram mais à frente, onde receberam tratamento mais adequado.
“Isso é terrível”, disse o capitão Takeda para ninguém em específico. “Esse é só o primeiro dia e já estamos em más condições. Não dá pra relaxar mesmo.”
Ele estava do lado de fora da gruta, fumando um cigarro. Ele exalou a fumacinha branca, enquanto a fagulha na ponta tentava resistir ao frio.
“Acho que ninguém esperava por isso”, comentou Mayck, numa distância segura. “Pelo tamanho delas, se mover entre um quilômetro e outro não parece difícil.”
Isso explicava o fato de não terem detectado vida quando usaram o OmniPulse antes.
“Como capitão, eu fico envergonhado. Acho que não fui profissional. Me apoiei demais nos agentes. Bom, por conta disso, pude ter um pequeno vislumbre de como eles lidam com esse tipo de situação; meu veredito sobre o desempenho deles é terrivelmente assombroso.”
Quando foram atacados de surpresa, pequenos grupos rapidamente se formaram e se distanciaram uns dos outros, como se fossem panelas separadas — naquele momento, eles não eram um grupo de busca, mas agentes da Strike Down e da Black Room.
Ainda era visível o preconceito que tinham um com o outro.
“Eu me pergunto se os outros estão com o mesmo problema.” Ele suspirou. “Preciso melhorar esse relacionamento o quanto antes. Se algo do mesmo tipo acontecer novamente, não vamos sobreviver muito tempo.”
Com o ataque, parte das provisões foram desperdiçadas. Eles tinham mantimentos por algumas semanas, mas, agora, isso parecia ter sido reduzido à metade. Logo teriam que racionar a alimentação e água.
“Mas e quanto a você, M-san? Percebi que ficou exausto depois de tirar todo mundo daquele meio. O que você fez, afinal de contas?”
“Mm… não foi nada demais… É só uma habilidade que drena muita energia. Eu tenho esse problema de não ter energia suficiente…”
“Entendi. De qualquer forma, você nos salvou. Se não tivesse ganhado tempo pra gente, talvez nossos números estivessem bem menores agora. É impressionante que não tenhamos perdido ninguém.”
Takeda olhou para a gruta. Mais da metade dos agentes estavam deitados, sendo tratados. Alguns com ferimentos mais sérios que os outros.
Mayck também olhou para lá. Ele viu Sora e Sky indo de um lado para o outro, com compressas frias e bandagens.
“Eu queria perguntar uma coisa.”
“Hum?”
“É sobre Sora… Ela está sendo muito útil ali dentro… que tipo de poder ela tem?”
Ele já tinha visto em primeira mão e era óbvio, mas ainda queria uma confirmação.
“Ah, claro. É algo como um poder de cura. É surpreendente, não é? Ela é a primeira pessoa que eu vejo fazer algo assim…”
“Não é algo tão simples.”
Alguém se aproximou. Era Yoshiro. Ele parecia ter escutado a conversa.
“O que você quer dizer?”
“Sora realmente tem um poder de curar, como você viu antes, M-san. Seria maravilhoso se fosse só isso. No entanto, é algo que a desgasta tanto fisicamente quanto mentalmente. Ela pode estar bem agora, mas não deve ser capaz de fazer novamente quando acabar aqui.”
Isso explicava o fato dela ter ficado inconsciente quando curou Gunner.
“Está dizendo que ela gasta muita energia?”
“Não só energia, como também a própria vitalidade.
Essas palavras foram chocantes para Mayck, que abriu bem os olhos.
“É como uma troca. Sora consegue usar sua própria vida pra curar as pessoas. Por isso é um poder que não pode ser desperdiçado.”
Disseram que Sora tinha uma particularidade, então era isso?
Já foi o suficiente para balançar o coração de Mayck. Ele mal conseguiu esconder a onda de sentimentos que o dominou.
De tantas pessoas, de tantos poderes que só serviam para machucar, ele realmente encontrou alguém com um poder totalmente oposto. Melhor, alguém altruísta o suficiente para dar sua própria vida pelos outros.
“Desde que nos conhecemos, Sora tem esse lado gentil.” Rider entrou na conversa. “No começo, ela usava esse poder o tempo todo, sem se preocupar com nada, embora ela ficasse exausta. Mas mesmo depois de descobrir o efeito colateral, ela disse que não se importava e que continuaria salvando as pessoas.”
Parecia um sonho. Mayck olhou para Sora mais uma vez, seus olhos brilharam. Ele tinha encontrado alguém que vivia nas mesmas condições que ele. Era empatia o que estava sentindo? Ele não sabia, mas percebeu que acabara de obter o desejo de ajudá-la.
Ela é… incrível.
Algo dentro dele chacoalhou violentamente. Havia uma sensação nova ali.
Eu tenho que proteger essa garota.
****
Depois de algum tempo, a noite caiu. Eles continuaram na gruta e fizeram uma fogueira no centro, armaram sacos de dormir e se organizaram para fazer as vigílias noturnas e evitar mais surpresas.
Mayck acordou no meio da madrugada. A chama crepitante projetava sombras dançantes nas paredes da gruta. Ele checou o horário com o DA, eram duas horas, bem na sua vez de ficar de vigia.
Se levantou e foi para a entrada, onde a pessoa responsável pela primeira rodada estava.
Assim que chegou, sentiu o contraste entre o lado interior e exterior. Seu corpo pareceu congelar, mesmo com as roupas grossas e o cachecol.
“Ei, eu vou cobrir agora. Pode ir descansar”, disse ele.
“Ah, certo. Obrigado.”
Pelo que Mayck lembrava, aquele era um dos agentes da Strike Down, mas ele não sabia o nome.
Depois que o outro se foi, Mayck saiu um pouco e fez uma rápida verificação nos arredores. Estava totalmente escuro, já que a única fonte de iluminação era a lua e as estrelas no céu, então só dava para ver até uma certa distância.
Além do mais, as montanhas projetavam sombras colossais com a pouca iluminação.
Isso é um pouco assustador…
Mesmo nas florestas de Tóquio, ele conseguia enxergar um pouco devido à poluição luminosa das cidades, mas ali era diferente.
Ainda bem que ele tinha uma ótima visão noturna.
Não havia ninguém nas redondezas. Estava tudo bem, pelo menos até aquele momento. Ele colocou as mãos nos bolsos e voltou.
“Ah…”
“Huh?”
Tinha alguém do lado de fora.
“Ah, você é o responsável pela segunda rodada, né? Bom trabalho”, disse Sora com um leve sorriso.
“Você deveria descansar um pouco mais… Você trabalhou muito hoje.”
“Não se preocupe comigo. Eu só estou sem sono, então decidi vir tomar um pouco de ar fresco.”
“Entendi.”
Ela olhou silenciosamente para o céu. Seus olhos azulados refletindo o majestoso brilho das estrelas.
Mayck a encarou com curiosidade, mas ela falou de repente, fazendo-o voltar a si.
“Eu ouvi sobre você de Zero-san. Você é bem forte, né?”, ela perguntou de repente.
“Mm… talvez, mas não é nada demais…”
“Ah, lá vai você de novo, sendo modesto.” Ela riu. “Eu vi como você salvou Gunner aquela hora e depois antes da tempestade. Desculpe, eu fiquei tão atordoada que nem te agradeci. Muito obrigada. Se não fosse por você, ele não estaria mais aqui.”
Havia um sorriso gentil em seu rosto. Aquelas palavras e expressão foram o suficiente pra Mayck entender que a garota se importava de verdade com seus companheiros. Fazia sentido aquele barulho que ela fez na sala de Zero outro dia.
“Ah— E me desculpe por gritar com você também. Você só estava tentando ajudar…” Ela se curvou levemente, uma expressão arrependida no rosto.
“Relaxa…” Ele balançou as mãos.
Sora se levantou e respirou fundo, seus olhos se voltaram para o céu outra vez.
“Quer saber qual o meu sonho? Eu quero ser médica.”
“Ah, é?”
“Uhum. Quero ser capaz de salvar mais pessoas do que posso ver. Isso porque me salvaram uma vez, quando todos já tinham desistido. Essa minha vida… é basicamente a segunda.”
Ela levou as mãos ao peito, sentindo os batimentos de seu coração.
Por muito tempo, ela pensou que não iria acordar depois de dormir e isso a assustava constantemente. Porém, isso era passado.
“Então, não importa o que aconteça, eu decidi que vou viver essa vida pelos outros… É o que eu quero, mas tenho um pouco de medo. Quando eu contei pro pessoal, Gunner riu da minha cara e me chamou de idiota… Ah, olha só, já tô falando demais, né?”
Ela deu uma risada desconcertada, e desviou os olhos.
“Você deveria ter mais orgulho de si mesma”, disse Mayck. “Eu vi o que você fez hoje e, francamente, não é qualquer pessoa que faria. Do meu ponto de vista, você pode viver como quiser. Você merece isso.”
Sora não sabia como responder. Certamente, aquelas palavras a deixaram sem jeito.
“Okay. Nesse caso, eu vou dar o meu melhor pra ajudar.” Mayck estendeu a mão para a direita, enquanto ainda olhava para a garota. “Talvez eu não precise me preocupar, afinal.”
Um círculo de luz azul irradiou um pouco a frente de sua palma, vibrando com eletricidade. O ar ao redor estalou conforme a energia se acumulava.
WoooooOOOON…
Ao mesmo tempo, a sombra de uma serpente emergiu da neve, sibilando em fúria, suas presas prontas para atacar.
No entanto…
BOOOMRRRR!!
O laser fez uma limpeza em linha reta na neve, forçando a ionização no caminho e então pulverizou o corpo da serpente em um feixe luminoso e barulhento.
Segundos depois restava apenas a parte de baixo do corpo chamuscada, e faíscas cortavam por ela.
Sora ficou sem palavras. Foi isso o que o garoto fez mais cedo, mas tinha sido muito mais rápido e várias vezes mais fraco.
Ela piscou algumas vezes, tentando processar o que aconteceu.
Ele é tão forte assim? Ela o fitou, atônita.
“Hmm… Então nessa potência funciona”, analisou o garoto, olhando para os rastros elétricos no chão.
Enquanto o silêncio se desdobrava mais uma vez, sendo quebrado apenas pelo vento, vozes foram ouvidas cortando a escuridão, e diversas lanternas saíram da gruta.
“Ei! Vocês estão bem?!”
Os demais agentes estavam preocupados depois que ouviram aquele estrondo repentino.
Sora até quis contar o que aconteceu, mas Mayck desconversou, dizendo que não tinha sido nada — eles não poderiam dizer que era mentira, já que não podiam ver nada, e até amanhecer, o chão já estaria coberto com neve de novo.
****
Pela manhã, assim que o sol raiou, eles organizaram as coisas e se prepararam para partir.
Apesar da nevasca ter parado e a luz solar tomar conta, ainda não era o suficiente para acabar com o frio intenso, então todos tomaram cuidado para se agasalhar adequadamente.
Porém, antes de partir, Takeda disse que tinha um anúncio a fazer.
Devido ao ataque surpresa do dia anterior, ele pensou bastante e percebeu que não conseguiria manter todos os agentes sozinho, então decidiu nomear dois imediatos para serem seus porta-vozes por todo o grupo.
“Primeiro, eu gostaria de chamar o Viktor, agente especial da Strike Down. E também… M-san.”
O garoto em questão, que estava ouvindo ao fundo ficou realmente chocado por ouvir seu nome — ou apelido. Seus pés pareciam ter criado raízes e ele não se moveu até ser empurrado por Sky.
“Vamos. Não deixe o capitão esperando.”
Sem escolha, ele seguiu diante dos olhares de todos e se posicionou ao lado do capitão Takeda. Viktor estava do outro lado e lançou um olhar presunçoso para Mayck.
O capitão continuou:
“Antes que vocês questionem minha decisão, saibam que eu fiz ela pensando no equilíbrio. É ruim, mas eu sei que ainda tem alguns que se sentem com um pé atrás quanto a entregar suas vidas nas mãos de agentes de outra organização.”
Em outras palavras, aqueles que ainda semeavam um preconceito que fora criado há muito tempo, devido às rivalidades entre as duas organizações.
“Foi por isso que escolhi um membro de cada lado para agirem como meus vice-capitães e manterem a ordem para situações como a que enfrentamos ontem. Alguém tem alguma objeção?”
Quando ele disse isso, vários burburinhos se iniciaram entre os agentes. Eles com certeza se perguntavam porque justamente aqueles dois, ou se aquele capitão era incapaz de realizar seu trabalho, mas ninguém se prontificou a levantar a voz realmente. Então Takeda levou isso como uma concordância unânime.
“Sendo assim, está decidido. Tudo o que eles disserem, e que for aprovado por mim, considerem como absoluto. Eles serão meus representantes até o fim da campanha. Entenderam?!”
“Sim, senhor!”
Fim da reunião.
Sem mais assuntos pendentes, eles seguiram caminho. Uma hora depois ativaram o OmniPulse e realizaram os três processos. Mais uma vez, nenhum sinal de vida.
Então continuaram seguindo. Dessa vez, as paradas para alimentação e descanso aconteciam com um intervalo de tempo maior e eles se revezavam para vigiar e evitar problemas como o ataque anterior. Mas, não tiveram problemas durante esse dia e, naturalmente, nenhum progresso na busca do último arquivo — isso acabou levantando questões entre os agentes.
Afinal de contas, ficar apenas vagando sem rumo não era nada produtivo.
No terceiro dia, algumas horas após deixarem um novo posto de descanso que encontraram, a competência dos vice-capitães foi posta a prova.
Eles chegaram perto de um lago parcialmente congelado, e se depararam com uma vista maravilhosa. Os montes nevados se erguiam impotentes no horizonte, seus topos cobertos por nuvens baixas e o céu com um tom rosado. A neve rasa a frente era pisoteada por um grupo de pinguins, que saltavam na água para chegar à outra margem.
Talvez por ser uma área mais próxima do oceano, aquele lugar parecia destacar o clima intensamente frio do continente congelado. Mas isso não impediu que uma chama calorosa possuísse as garotas do grupo.
Elas logo se animaram e desviaram do caminho para tirar fotos da paisagem e dos animais, especialmente de um filhote que parecia ter dificuldades para acompanhar os outros.
“Pessoal! Vocês não deviam ficar tão descontraídos”, avisou o capitão Takeda, mas ninguém deu ouvidos.
“Uwah… Elas são tão iguais nesses casos.” Yoshiro olhava com uma expressão tediosa no rosto.
“O que tem de mais nesses bichos? Que idiotice.”
Gunner estalou a língua e se afastou deles.
Então Mayck, Rider e Yoshiro ficaram ali, observando Sky e Sora tirarem fotos até onde o armazenamento dos DAs suportavam.
Olhando direito, eles eram realmente fofos, Mayck pensou, mas ele não sentia tanto impulso para ver de perto.
Até acho o Yoru-san melhor…
Ele guardou o DA.
Falando no gato, ele se perguntava se todos estavam bem.
Chika e os outros estão cuidando de tudo, então acho que não preciso me preocupar mesmo.
Ele fechou os olhos por um instante.
Será que elas vão demorar muito?
Já faziam mais de dez minutos.
“Vocês não vão fazer nada? Nesse ritmo, vamos só perder tempo.”
Takeda estava fumando outra vez. Ele deu um trago e soprou a fumaça, mas apenas para jogar o trabalho nos recém nomeados.
Você é o que está no topo aqui, não é?
Mayck passou a mão pelos cabelos e fitou o horizonte. Por outro lado, Viktor tentou fazer algo, chamando a atenção das garotas.
“Ei, meninas, não acham que tem coisas mais interessantes por aqui do que pinguins?”
Ele elevou a voz com autoridade, mas foi completamente ignorado e isso pareceu ferir seu coração gravemente. Ele cerrou os punhos, irritado.
Que idiota.
Mayck pensou, mas acabou não fazendo nada. Ele olhou para Takeda e foi respondido com o mesmo olhar vindo dele.
Ele também percebeu…
Não ia demorar muito até o encanto das garotas se quebrar tão facilmente quanto uma taça de vidro, então ele não sentiu a necessidade de se envolver. Ainda mais quando o título de vice- capitão não lhe parecia adequado.
Voltando-se novamente para os pinguins, mais precisamente para o filhote. Ele estava agindo estranho. Seus movimentos desajeitados realmente faziam jus a um filhote que mal podia se sustentar de pé sozinho, mas havia algo errado. Ele parecia estar lutando contra algo. Um impulso, talvez.
Aquilo, certamente, não era normal.
“Olha só que fofo~ Ele vai ajudar o filhote.”
“É! Será que é a mamãe dele?”
A ilusão cegando os olhos delas.
Mayck decidiu contar até três. Ele nem queria ver o que iria acontecer, então virou-se de costas.
Rider piscou, confuso.
1…
O pinguim maior se aproximou.
2…
O filhote saltou sobre ele e as garotas entraram em êxtase.
3.
O filhote começou a devorar brutalmente o maior, enquanto ele gritava desesperadamente. No mesmo momento, os sorrisos das meninas se converteram em terror, enquanto a neve era tingida de vermelho.
“Não!!”
Já havia um tempo que Mayck percebeu que algo estava errado com o filhote. No começo, ele parecia estar tentando fugir de algo e depois começou a rolar no chão. Parecia fazer graça aos olhos dos outros, mas o garoto sentiu que ele estava sofrendo, como se algo o consumisse por dentro.
Foi aí que tudo se mostrou bem diferente do que parecia. O filhote agora havia se transformado num monstrinho bizarro e disforme, que começou a atacar todos os outros.
Talvez elas não tenham percebido porque estavam muito emocionadas, então ficaram cegas para a realidade por um momento.
Isso só mostra que emoções têm grande influência em coisas como percepção e razão…
E fora isso que as impediu de verem que algo estava errado. Mas ele não podia julgá-las. Quem imaginaria que iriam testemunhar o nascimento de um Ninkai?
A dúvida que ficava era: como isso aconteceu?
Mas não havia tempo para pensar sobre isso. Depois de massacrar todos os quinze pinguins que estavam ali até ele se transformar, os portadores viraram o novo alvo.
“Ele está vindo pra cá!”
“Que droga! Que nojo!”
Ver algo tão fofo se tornar algo tão bizarro realmente era um contraste imenso. Enquanto todas fugiam com um pavor que realmente parecia tão natural quanto fugir de um inseto nojento, Sky e Sora foram as únicas que continuaram paradas, esperando o que era um animal minutos atrás.
“O que vocês estão fazendo?! Saiam logo daí”, gritaram.
Mas elas nem se moviam. Ao invés disso, Sky apontou a câmera para o monstro, enquanto Sora se escondia atrás dela. Não parecia haver medo nas duas.
Nesse momento, em um movimento furioso, o pinguim saltou em direção a elas. Um grito de baixa frequência atacou seus ouvidos, as presas gigantes as ameaçaram e o cheiro de carne apodrecida impregnou suas narinas.
Mas enquanto todos se preocupavam com elas, houve um flash da câmera e o pinguim mudou de direção, atacando o completo nada. Foi nesse momento que Sky sacou uma lâmina de sua perna direita e rapidamente cortou o monstro sem hesitar.
Um líquido roxo jorrou. A cabeça foi dividida do corpo e o Ninkai caiu no chão, tendo apenas um espasmo antes de morrer completamente.
“Ah! Isso foi assustador!”
A garota de cabelos rosados balançou de um lado para o outro abraçando Sora com força.
“Para de ser mentirosa. Você estava calma demais pra estar com medo.”
Elas falavam tão casualmente que os demais se perguntavam o que estava acontecendo. Exceto pelos garotos da equipe Beta, que conheciam Sky o suficiente para entender como ela funcionava.
De repente, uma palma de Takeda tirou todos daquele transe.
“Certo. Já acabamos aqui. Vamos continuar.”
Eles assentiram, mas um clima esquisito pairava no ar. Depois daquilo, as garotas provavelmente apagaram todas as imagens dos pinguins. Era medonho demais para relembrar.
****
A noite caiu, a temperatura, que já era baixa, caiu ainda mais. A parte boa era que eles podiam ter um vislumbre do magnífico céu estrelado e também da cortina luminosa que se estendia silenciosamente sobre eles, chamada de aurora austral.
Suas cores verdes e violetas eram um espetáculo e seus movimentos suaves faziam-nos esquecer todos os problemas que estavam enfrentando até ali.
Não era uma viagem de turismo, mas não havia mal nenhum em admirar essas paisagens únicas.
Eles se prepararam para passar a noite perto de uma caverna congelada, mas antes precisavam usar o OmniPulse.
Depois de organizar o dispositivo, o soldado responsável se preparou para ativá-lo. Ele tocou o botão que faria a mágica acontecer, mas notou algo de errado.
O display parecia estar quebrado.
“Hum?”
Ele reiniciou e tentou mais uma vez. O mesmo problema ocorreu, mas, dessa vez, um sinal sonoro começou e continuou incessantemente.
“O que está acontecendo?”
“Eu não sei, senhor. Algo aqui com certeza não está certo.”
Takeda encarou o dispositivo. Havia algo escrito na tela, ou não, era mais como um amontoado de números e letras que uma frase bem formulada. Com exceção da palavra “error”, ele não sabia o que as outras significavam.
“Que estranho… Funcionou normalmente mais cedo…”
O soldado pediu apoio de outro, mas o problema ainda não foi resolvido. Era como se algo interferisse no funcionamento do dispositivo, bloqueando seu sinal.
“O quê, o quê?”
“Há algo errado?”
Os agentes começaram a se incomodar com a demora, mas isso não parecia ser do tipo que seria resolvido tão facilmente. Eles pensaram que o OmniPulse havia quebrado e estava cogitando desmontá-lo para verificar a integridade das peças, no entanto…
“Ei… O que diabos é aquilo?”
Um agente, que ainda contemplava o céu, apontou para uma certa direção mais ao centro do continente.
Todos voltaram seus olhos para essa direção.
Havia uma nuvem escura e densa de tempestade, girando, como se um furacão estivesse ali, dava para ver os brilhos dos raios caindo incessantemente. Não só isso, mas parecia que estava… chegando mais perto?
Dava para ouvir o som dos trovões e da poderosa corrente de ar que a fazia girar como um vórtice. Além disso, o sinal sonoro do OmniPulse ficou mais forte e o display cheio de falhas, como se tivesse sido sobrecarregado.
Os ventos fortes começaram a ser sentidos. E ficavam cada vez mais poderosos. Uma tempestade de neve estava se aproximando, e definitivamente não era uma tempestade comum.
A velocidade e o poder devastador podiam vistos de longe, uma sombra imensa que se desdobrava sobre a Terra como um manto colossal. A neve era arrastada como uma muralha móvel.
O pânico se instaurou entre os agentes, que não sabiam como reagir àquele fenômeno repentino.
Não é uma tempestade normal, pensou Takeda. Tem alguma coisa nela que tá acabando com o OmniPulse.
Conforme o tempo passava, mais ela avançava, ameaçando a segurança de todos ali.
Não temos tempo para verificar se a caverna ou os arredores são seguros… Porcaria… Não estamos preparados pra isso.
Takeda fechou os olhos, como se estivesse se rendendo à força da natureza.
“Capitão! O que vamos fazer?!”
“Vamos prosseguir como antes, mas eu quero que todos dêem as mãos e fiquem o mais perto possível uns dos outros. Essa tempestade não é normal. Não sejam arrastados e preocupem-se com sua própria vida e a do seu companheiro!”
Imediatamente após essas palavras, os agentes se juntaram em um círculo e deram as mãos, criando uma espécie de muralha. No pior dos casos, eles seriam soterrados pela neve, mas se estivessem juntos daquela forma, poderiam sair todos bem.
Segundos depois, eles foram engolidos pela nuvem branca e chacoalhados como se estivessem em um liquidificador.
Vrooooom-Craaaaaash—
Não foi só o OmniPulse que sofreu com isso, os DAs e todos os outros equipamentos eletrônicos deram pane quase imediatamente.
O ar estava sufocante, os flocos de neve cortavam seus rostos como lâminas, sem falar do frio que já nem dava para dizer como estava.
Tudo o que podiam fazer era esperar que saíssem bem dali.
A sufocante tempestade durou vários minutos e conforme o centro dela se aproximava, mais poderosa ela ficava.
“Tentem aguentar!”
O capitão fazia o possível para manter os outros na linha, mas ficava cada vez mais difícil.
Os únicos sons que ouviam era o uivo furioso dos ventos, que os jogavam para os lados, os estrondosos trovões e um desespero crescente no meio deles.
Chegou a um ponto que a corrente de mãos se desfez e eles, literalmente, saíram voando, carregados pelas fortes ventanias. Pareceu apenas um segundo, mas deve ter durado cerca de cinco a dez minutos.
Todos foram separados, incapazes de lutar contra isso.
****
Mayck acordou. O frio constante ainda torturava sua pele, assim como a neve abaixo dele. Lentamente, ele abriu os olhos, tentando se acostumar com a luz que o atacara sem aviso prévio. O tapete gelado abaixo dele o fez despertar e se lembrar que não estava em casa.
Que droga…
Ao se levantar, bateu o pó de gelo de sua roupa e cabeça, e olhou ao redor. Estava em um lugar completamente diferente de antes. A tempestade havia jogado ele bem longe.
Onde estavam os outros? Não dava para dizer. Com aquela escala de força, eles podiam ter sido lançados para qualquer lugar, assim como ele.
Parece que eu fiquei apagado a noite toda…
A luz desvanecida do sol, encoberto por nuvens brilhava intensamente no céu, dando um vislumbre de um belo amanhecer, ou era o que Mayck queria que fosse.
Havia um acúmulo de nuvens logo abaixo. Nuvens negras e visivelmente carregadas tanto com água quanto com elétrons, pareciam fazer um arco ao redor de onde ele estava. Abaixo delas, uma escuridão se desdobrava e ameaçava chegar mais perto.
Essa é a tempestade que separou a gente?
Era assustador. Ela não havia passado, mas ele que passou por ela.
Ninguém falou que teria uma tempestade eterna por aqui…
Isso só mostrava que o lugar era mais imprevisível do que parecia.
De qualquer forma, não era hora para admirar a incompreensão da natureza.
Mayck respirou fundo, o ar gelado entrou em seus pulmões, e ele organizou seus pensamentos.
“Acho que é bom começar a procurar os outros… Já fiquei sem comida nenhuma e minha água vai acabar logo… Será que eu encontro alguma fonte de água doce por aqui?”
Depois de verificar o que tinha em sua bolsa mágica, ele constatou que a garrafa já estava abaixo da metade. Como alguém que conseguia se manter hidratado e não perderia muito líquido naquele frio, ele poderia caminhar por cerca de três horas sem problemas — exceto pela falta de comida. Sua barriga já estava roncando.
“Vamos procurar alguma coisa— !”
Ele parou ao se virar.
Seus olhos se arregalaram e seu corpo estremeceu.
Isso…
Diante dele, estendiam-se as montanhas brancas, como uma muralha colossal. As linhas curvas e irregulares traçavam um horizonte que parecia infinito, e os cristais de gelo sob o sol reluziam com um brilho azulado que piscava conforme a luz mudava.
Era uma paisagem irreal. Quase como daquela outra vez na floresta. Mayck ficou vislumbrado, incapaz de desviar os olhos.
O que mais você tem pra mim, mundo?
O encanto só foi desfeito quando ele ouviu uma voz atrás dele. Ao se virar encontrou Sora, que também foi fisgada pela visão imponente.
“O que… é isso?”
Como ela tinha ido parar aí? Mayck se lembrou que segurou a mão dela antes de serem levados pelos ventos. Fazia sentido eles terem caído juntos.
“Parece coisa de outro mundo…”
“Uhum”, ele concordou.
“Aliás… quem é você?”
Ela perguntou com naturalidade, fazendo Mayck inclinar a cabeça. Foi aí que ele levou a mão ao rosto e percebeu que estava sem a máscara.
Olhou ao redor tentando encontrá-la, mas não a viu em lugar nenhum.
Ele deu de ombros, soltando um suspiro decepcionado. Então disse:
“Sou M. Muito prazer…”
“M-san?!” Ela quase deu um salto.
Por que a surpresa? Tá certo que era bem estranho não poder ligar um nome a um rosto, apenas a uma máscara, mas isso não era surpresa demais?
Mas isso era porque a imagem que ela tinha do rosto real dele por baixo da máscara era bem diferente.
Por causa do jeito frio dele eu pensei que seria bem carrancudo e mal encarado, mas…
Ela estava errada.
Ele é muito bonito!
Não pôde deixar de destacar isso. Mas a realidade veio logo em seguida.
“Ah! Esquece isso! E os outros? Onde estão?”
“Desculpa. Eu não faço ideia. Parece que não tem ninguém aqui além de mim e você.”
“Viemos muito longe?”
Ela olhou ao redor para medir a distância e tentar achar algum ponto de referência, mas não viu nada além da nuvem tempestuosa no horizonte.
“Provavelmente”, afirmou o garoto. “De qualquer forma, não podemos ficar parados aqui. Vamos indo.”
Deixando essas palavras, ele começou a caminhar, seguindo as montanhas colossais.
“E-espera. Pra onde vamos?”
“Não temos escolha, certo? Vamos tentar achar uma forma de chegar do outro lado.”
Ele sugeriu que atravessassem aquela muralha da natureza. Até porque voltar pela tempestade não parecia uma boa ideia.
Sora entendeu isso e decidiu não contestar, no entanto, quando foi começar a caminhar, uma dor latejou por sua perna esquerda e ela parou.
“Ai—!”
“O que foi?” Mayck parou adiante, voltando-se para ela.
“Eu… acho que torci o pé…”
Ela levantou um pouco a barra da calça e abaixou a meia. Havia uma marca roxa no tornozelo. Não daria pra prosseguir assim. Se bem que ela só precisava usar seus poderes curativos para se recuperar, Mayck também pensou nisso.
Porém, seria ir contra suas crenças. Por que gastar sua preciosa vitalidade em um ferimento tão simples? Parecia idiotice na visão dos outros, mas, para ela, tinha um peso enorme.
“Okay…”
Mayck foi até ela e a pegou nos braços, surpreendendo-a.
“O que você — Ei!”
Sora ficou desconcertada e completamente envergonhada, ao ser carregada daquela forma. Mayck notou isso, então sentiu-se tentado a fazer uma piada.
“O que foi? Não gosta de ser tratada com princesa? Eu conheço alguém que ficaria bem feliz com isso.”
Chika certamente deixaria a arrogância subir à cabeça ao ser tratada assim.
Se bem que ela deve preferir o tratamento de rainha.
“Isso não tem nada a ver com isso!”
“Certo. Vamos nessa.”
Mayck voltou a andar.
“Espera! A gente vai mesmo assim?!”
“É bom diminuir o frio, não?”
“Não é disso que eu tô falando!”
Suas vozes ecoavam pelo terreno nevado e vazio do continente congelado. Se alguém os estava ouvindo, eles não sabiam. Afinal de contas, só importava encontrar o grupo de buscas e retomar às atividades.
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