Índice de Capítulo

    Mayck e Sora caminharam por ao menos uma hora e meia. O garoto a carregava nas costas agora, depois de ela fazer tanto barulho por isso. 

    Além do frio penetrando suas peles intensamente, a fome já estava mostrando impaciência e nem sinal de encontrar alguém.

    “Será que eles vieram pra cá mesmo?” Sora encarava os flocos cintilantes passando por ela em um branco infinito. Ela segurava firmemente os ombros de Mayck para não cair. 

    “Eu espero que sim. Mas se o OmniPulse não tiver quebrado, eles vão acabar nos encontrando. O capitão Takeda não deve querer baixas nessa missão.”

    Se Sora tivesse visto a cara que o capitão fez quando Mayck conversou com ele depois do ataque das serpentes, ela concordaria veemente. 

    Afinal de contas, Takeda não tinha sido escolhido para liderar aquele grupo à toa. Zero tinha sido cuidadoso quando planejou aquela equipe inteira. Ele sabia sobre cada um dos membros e decidiu juntar aqueles que mais teriam afinidade entre si. 

    Isso significa que ele sabia que esse rolê não seria fácil…

    ‘Tempos difíceis criam tempos fortes.’ Situações perigosas aproximam as pessoas, como também podem afastá-las. Ou seja, Zero esperava um desses caminhos, mas ele certamente acreditava que Takeda seria capaz de uni-los. 

    “Acho que você está certo…” Sora abaixou a cabeça. 

    Mayck percebeu que ela estava bem silenciosa. Por um lado, ele até preferia assim, já que prezava pela paz e pelo silêncio. Entretanto, dessa vez ele estava sentindo certo desconforto nessa distância, onde apenas o vento tinha voz ali.

    Então ele decidiu abrir a boca. Sem a máscara no rosto, ele sentia o verdadeiro frio cortar seu rosto e lábios. 

    “Está preocupada com os outros?”

    “Err… Sim. Não consigo parar de pensar em como eles estão agora.”

    A ideia de que eles poderiam estar em perigo por qualquer motivo que fosse a deixava aflita. 

    “Você se importa mesmo com eles, não é?”

    “É claro que sim. Somos uma equipe, afinal. Você tem pessoas assim, M-san?”

    “Tenho. Tenho muitas pessoas assim, então eu sei como se sente. Pensar que eles podem se machucar ou sofrer e você não está por perto…, deixa uma sensação amarga.”

    “Sim… Eu fico feliz de saber que você me entende… Sabe… por algum motivo, falar com você me deixa bem tranquila. Me desculpe se eu estiver sendo chata.”

    “Uh-uh. Isso não me incomoda. Por que não me fala sobre os outros? Eu sei um pouco sobre você, mas não tive a oportunidade de conhecê-los mais.”

    “Quer ouvir?”

    “Seria interessante.”

    Sora sorriu. Ela ajeitou sua postura e começou a falar animadamente, enquanto balançava os pés. 

    Mayck não a interrompeu em nenhum momento, ele apenas escutou as histórias que ela tinha. Histórias, inclusive que envolviam também Chika e Lily como personagens secundários. 

    Segundo ela, Sky era como sua irmã mais velha, que estava sempre ajudando ela a manter suas emoções na linha, assim como a razão. Apesar de ser brincalhona, ela tinha um lado doce e maduro, o qual servia como base para a equipe quando encontravam dilemas perigosos. 

    Rider também era assim. Ele era o mais velho entre eles e estava sempre cuidando de todos como um irmão. Ele era confiável, generoso e sempre pensava no bem estar deles acima de qualquer coisa. Era fácil deixar todas as decisões importantes nas mãos dele, porque sabiam que ele faria a coisa certa. 

    Yoshiro era mais silencioso e fechado comparado a eles, mas também tinha suas qualidades. Ele era sincero e direto ao ponto, principalmente quando alguém perdia a razão. Apesar de suas atitudes serem um pouco frias, ele sempre dizia as coisas limitadas ao que parecia ser o necessário para trazer o grupo ao raciocínio lógico. 

    Por fim, Gunner. Sora demonstrou certa hostilidade ao falar dele, mas não o maldizia. Isso porque, embora tivesse aquele lado irritante e insensível, ele se importava de verdade com a situação que os outros estavam. Ele tinha esse lado empático e nunca cruzava uma linha que sabia que não deveria, apesar de extrapolar um pouco as vezes. 

    “Teve uma vez”, disse Sora. “que fomos enviados para conter um portador que estava machucando seus colegas de classe porque sofria bullying na escola. Todos tentaram resolver de um jeito, mas foi Gunner que conseguiu acordar aquela pessoa pra realidade.”

    Ela se lembrava com um sorriso. 

    “Eu odeio admitir, mas ele sabe o que tem que fazer às vezes…”

    “Eh… Dá pra ver que você gosta bastante dele.”

    “De quem? Do Gunner? Ele é um bom amigo no fim das contas. Não sei se é o que você pensa, mas não tem nenhum sentimento romântico. Eu já pensei sobre isso uma vez, e vi que não estou interessada em romances por enquanto. Mas…”

    Ela parou de repente e ficou em total silêncio. 

    “Mas…?” Mayck esperou que ela continuasse, mas o que ela falou depois foi completamente diferente.

    “Pessoas!”

    “Pessoas?!”

    Foi tão diferente que Mayck só conseguiu repetir em voz alta. 

    “Ali, olha!!” Ela puxou os cabelos dele para a direita, forçando seu pescoço. “Tem pessoas ali!”

    Ela apontou. Havia quatro pessoas caídas no chão, inconscientes. Dois meninos e duas meninas. Eles faziam parte do grupo de dez agentes da Strike Down que estavam com eles. 

    Depois de colocar Sora no chão, Mayck verificou o pulso de cada um deles. Estava tudo bem. Todos estavam vivos. 

    “É melhor acordá-los antes que congelem aqui”, aconselhou Sora, e assim fizeram. 

    Quando acordaram, eles tiveram a exata mesma reação que Mayck e Sora ao compreenderem o que aconteceu desde a tempestade. 

    “E você é…?”

    Depois dos dilemas, eles voltaram sua atenção à Mayck, que usava suas habilidades para umedecer alguns lenços com água morna. 

    “Ele é o vice-capitão M-san”, Sora respondeu, parecendo orgulhosa desse fato. 

    Mayck queria saber pra que tanta arrogância, mas um olhar da garota e ele entendeu imediatamente. A Strike Down e a Black Room ainda não se davam bem, então era melhor afirmar sua posição oficial para evitar rebeliões. 

    “Ah, então é você…”

    Suas expressões decaíram bastante quando ouviram isso. Provavelmente por ser o vice-capitão representando a Black Room. 

    “Olha, nós estamos tão confusos quanto vocês. O mais importante agora é encontrar o capitão Takeda e os outros. Então vocês precisam ser cooperativos.”

    “Tsk— Por que a gente deveria?” Um garoto de cabelos loiros virou a cara, resmungando, mas Mayck ouviu claramente. 

    “Bom… Talvez eu possa conversar com John e fazer um relatório detalhado de como seus incríveis agentes se saíram nessa missão.” Mayck deu um sorriso de canto, ele sabia que ao mencionar aquele nome, os agentes saberiam exatamente do que se tratava. 

    Eles logo entraram em choque, como se perguntassem como ele sabia sobre um dos líderes da organização. 

    Sora ficou perdida nisso tudo, mas ela conseguia dizer que as coisas estavam resolvidas por ora. Não deveria haver problemas em relação a eles tão cedo. 

    Com a reunião inesperada, eles resolveram seguir em frente, mas algo chamou a atenção de Mayck e ele parou, mantendo sua atenção nas montanhas. 

    “O que houve?”

    “Não… Eu só achei que tinha visto algo descendo…”

    Talvez fossem apenas seus olhos o enganando, mas ele poderia jurar que viu algo brilhante deslizando suave e rapidamente pico abaixo. 

    Os outros olharam, mas não viram nada. Talvez tenha sido apenas impressão mesmo…

    Mas não! 

    Mayck forçou um pouco os olhos e acompanhou aquele movimento reluzente camuflado nos cristais da montanha. Depois de traçar a linha da parede até o chão, agora se deslocava velozmente em direção a eles. 

    “Cuidado!”

    Mayck avisou os outros e pegou Sora no colo mais uma vez. Ele saltou imediatamente e um milésimo de segundo depois, algo passou raspando bem perto deles. 

    Não algo, mas uma espécie de ave gigante. Ela parecia ter ao menos cinco metros de envergadura e passou como um jato veloz, cortando o ar em um assovio estridente. A ventania foi tão forte que os empurrou para longe. 

    Mayck pousou no chão e deslizou alguns metros até conseguir parar sobre a neve. 

    O que é isso? Outro Ninkai?

    Ele olhou para a frente. Os quatro agentes estavam bem. Olhou para a ave, cuja pelagem parecia brilhar com os raios solares. Ela fez um arco no céu e preparava um novo ataque. 

    “Ei, vocês! Saiam daí!”

    Mayck percebeu que eles eram o alvo dessa vez e os alertou, mas já era tarde demais. Um voo rasante da ave atingiu dois deles em cheio, enquanto os outros dois conseguiram desviar. 

    Os dois atingidos foram arremessados para alguns metros longe dos outros e ficaram com ferimentos visíveis; era como se tivessem sido atropelados por um carro em alta velocidade. 

    “Mas que droga!”

    Não vendo escolha, Mayck pediu que Sora ficasse onde estava, então sacou sua espada e correu até onde os dois estavam. Ele verificou suas condições. Um ferimento no braço, outro na cabeça. Apesar de parecer ruim, ambas estavam conscientes. 

    “Tá. Não sei que tipo de monstro é você, mas deve ser tão perigoso quanto aquelas serpentes.”

    O garoto se posicionou, enquanto tentava acompanhar o movimento da ave gigante. Não deveria ser um problema, mas suas cores claras refletiam o brilho do sol e isso atrapalhava os olhos, dificultando a percepção sobre ela. 

    Talvez isso fosse um dos seus pontos fortes. No entanto, Mayck não se abalou. 

    A ave assoviou, num som quase majestoso e divino, o qual ressoou profunda e dolorosamente nos ouvidos. Seu alvo agora era Sora. Mayck pôde perceber isso, mas não se moveu até a ave estar numa distância adequada. 

    No momento certo, ele se moveu num piscar de olhos. A neve sob seus pés permaneceu intocada até ele passar. 

    Ele girou a lâmina e pôs o lado cego para cima, e a movimentou verticalmente de baixo, atingindo o pescoço do pássaro, que foi lançado para o alto com um feixe de luz e faíscas elétricas. 

    Para Sora, aconteceu num instante: um estalo repentino, um clarão — e Mayck estava à sua frente. 

    O golpe pareceu eficaz, pois a ave demorou a se recompor no ar. Mas Mayck estalou a língua — não era o efeito que queria. Apenas uma decepção. 

    A eletricidade não causa dano, hein…

    Talvez pelo mesmo motivo que seus raios não conseguiram neutralizar o gelo das serpentes antes: dificuldade de ionização. Os elétrons pareciam se dispersar antes de penetrar os cristais na penugem da ave. 

    Ele esperou para ver o que ela faria em seguida. A ave então abriu seu bico e uma luz emanou de seu interior. Um mal pressentimento invadiu a mente do garoto e ele logo estendeu a mão na frente do rosto. 

    Um raio congelante caiu furiosamente sobre eles. O impacto levantou uma cortina de neve. 

    “É claro que seria assim”, disse Mayck. 

    Mas diferente de antes, ele estava preparado. Uma enorme escultura circular de gelo estava acima deles, criada a partir do congelamento do vórtice que ele criou usando água para neutralizar o raio de gelo. 

    A luz cristalina irradiou em sua pele. Mayck fechou o punho e o lançou contra a escultura, destruindo-a e criando vários estilhaços. Em seguida, ele lançou uma corrente de vento poderosa e os estilhaços foram disparados em direção a ave com uma força impressionante, atingindo-a em cheio. 

    Os olhos de Sora brilharam. 

    Três elementos…?!

    Isso era mais que raro de se ver. O mais comum era encontrar portadores capazes de usar até dois elementos base, mas três… Havia rumores sobre portadores que podiam usar quatro, embora Sora nunca tivesse visto um. 

    Os agentes da Strike Down também estavam espantados. Isso já era o suficiente para mostrar porque ele foi escolhido como vice-capitão. 

    Deixando isso de lado, ainda não havia acabado. A ave, que tinha caído bruscamente, assoviou mais uma vez, prestes a atacar de novo, mas Mayck percebeu que ela não era a única ameaça. 

    Um projétil rasgou o ar em direção a ele, brilhando com uma luz suave. Mayck conseguiu bloquear com a espada sem problemas. 

    Ele olhou para o projétil no chão. Aquele formato era inconfundível. 

    “Uma flecha?!”

    Sora estava completamente perdida em meio àqueles vários acontecimentos seguidos. 

    Um rugido atrás dele e a ave preparava outro raio.

    Agora estavam enfrentando duas ameaças de uma vez. Uma delas era invisível. 

    “Ah, não… Eu até tento, mas, fala sério…”

    Mayck levantou sua mão direita, um círculo maior que os outros se formou atrás da ave, enquanto vento, água e eletricidade se concentravam no meio, fazendo um som grave e assustador, que parecia distorcer o espaço. 

    Mas então uma voz chegou aos seus ouvidos. Uma voz humana que fez a ave recuar. Vendo ela sair, ele cautelosamente desativou a habilidade. 

    Tem alguém aqui? Alguém que consegue comandar esse monstro?

    Ele fixou os olhos confusos na direção que julgou correta. Os outros agentes fizeram a mesma coisa, todos perplexos. 

    Em alguns segundos, eles viram algo chegando. Eram dezenas de homens vestindo armaduras, que os rodearam e apontaram suas armas. 

    Quem são eles? 

    Mayck olhou ao redor.

    As armaduras de aço reforçado e couro espesso, brilhavam, além de visores que emitiam um brilho sutil. Eles carregavam armas como bestas robustas, mosquetes modificados e espadas feitas de alguma liga metálica escura, os quais nunca haviam visto antes. 

    “Nicht movez!”

    A voz de um deles demonstrava certa hostilidade, e também dizia que eles estavam prontos para atirar caso necessário. 

    Não seria difícil derrubar todos eles, mas Mayck tinha um objetivo diferente em mente. Com esse novo mistério nas mãos, ele precisava descobrir mais. 

    Para eles estarem equipados assim, devem estar acostumados com o frio. Isso significa que não são apenas viajantes, mas… tem uma civilização aqui. 

    Era melhor não resistir. 

    “Vice-capitão…”

    Os agentes da Strike Down olharam para ele, aparentemente perguntando o que deveriam fazer. Mayck lançou-lhes um olhar que dizia para eles cederem. Eles entenderam e se levantaram, então ergueram os braços. 

    “Não vamos lutar”, disse o garoto, guardando a espada na bainha atrás dele, que desapareceu em seguida. Ele também ergueu os braços e continuou:

    “Meus amigos aqui estão machucados. Tem algum lugar que podemos tratar isso?”

    Ele não esperava uma resposta direta, pois eles pareciam não entender, mas apontou para os agentes, esperando que pudessem compreender.

    “Isso dói”, Sora encenou. 

    Houve silêncio por alguns segundos, mas eles fizeram sinal para que seguissem. Eles se levantaram e silenciosamente os escoltaram pelo lugar, enquanto os mantinham como prisioneiros, aparentemente, mas não os trataram de forma agressiva. 

    Depois de caminharem por alguns minutos, os guiaram para o fundo de uma caverna na base da majestosa montanha. Era escura e fria, mal dava para enxergar o que estava à frente, mas um deles fez algo e vários cristais de gelo brilharam, iluminando um caminho que tinha uma leve inclinação para cima. 

    “Ei, M-san…”

    Sora parecia desconfiada. Ela ainda estava sendo carregada por ele. 

    “Tá tudo bem. Confie em mim.”

    Após subirem aquele corredor estreito, se depararam com uma parede de vidro, não, de gelo. Sua superfície era incrivelmente lisa, não havia uma imperfeição sequer. Quem tinha projetado aquilo com certeza merecia um condecoração honrosa por seu minucioso trabalho. 

    Os soldados colocaram a mão sobre ela e houve um brilho intenso que dominou completamente a caverna. 

    Os agentes cobriram os olhos devido a luz e quando os abriram, quase tiveram uma epifania. O que se desdobrou à frente deles era como se tivessem descoberto um mundo completamente diferente do que conheciam, como se a realidade deles fosse uma coisa pequena em comparação. 

    À sombra das montanhas imponentes, um vasto reino se estendia por um vale coberto de neve, com sua arquitetura gélida reluzindo com o brilho do sol, cujo calor mal conseguia alcançar. 

    Um castelo esculpido no gelo saudava majestosamente a imensa cidade construída com pedras pálidas e cristais congelados, cujas torres pareciam tocar o céu. Havia um rio parcialmente congelado na extremidade da direita. Um rio que corria com águas tão geladas, mas que sustentavam aquele lugar desde a sua fundação. 

    Ao redor do reino, planícies nevadas se estendiam até onde a vista alcançava interrompida apenas por picos e florestas cobertas de geada. 

    O vento soprava frio e constante, e um cheiro úmido impregnava as narinas. 

    Os olhos de todos brilharam, perplexos. Aquela era, definitivamente, a paisagem mais bela que encontraram até aquele momento. Era uma maravilha criada com o tempo e que sobrevivera nos confins da Antártida, intocada pela evolução do mundo lá de fora. 

    “Parece um sonho…”, comentou uma das garotas. 

    “Isso é simplesmente incrível”, respondeu outra.

    Os demais estavam boquiabertos. 

    Um lugar como aquele só seria visto em filmes ou livros de fantasia, então estar frente a um era simplesmente chocante. 

    Mas sem tempo para admirar. Os soldados os fizeram descer uma longa escadaria de pedras pálidas que contornavam a montanha até a entrada.

    Quando chegaram, foram recebidos por mais soldados e um portal congelado. Eles foram conduzidos pelas ruas da cidade e mais maravilhas os surpreenderam. 

    Lanternas de chamas azuis, que pareciam mágicas, iluminavam as ruas largas e cobertas de neve, enquanto pontes arqueadas cruzavam os braços que se desprendiam do rio principal para dentro da cidade. 

    Enquanto caminhavam, eram submetidos aos olhares curiosos dos moradores, que os viam como algo estranho, completamente diferente do que estavam acostumados. Olhando-os de volta, Mayck só conseguia lembrar das obras de fantasia medieval que conhecia. 

    É igualzinho!

    Pouco depois, eles chegaram ao centro. O Castelo era tão grande e majestoso quanto de longe. Possuía vários andares e mais parecia uma outra cidade.

    Inúmeros guardas posicionados à direita e à esquerda guardavam o arco da entrada. Atrás desse arco um pequeno e amplo lance de escadas.

    Eles subiram, havia um corredor fortemente guardado por soldados, adornados com cristais de gelo e pilares de pedra pálida. Os enormes portões no final dele foram abertos , revelando o interior luxuoso à moda medieval, sob os olhos admirados e chocados de Mayck e dos outros. 

    Pouco depois, eles estavam no que parecia ser a sala do trono. Ela era bem iluminada por janelas altas em ambos os lados. O piso tinha padrões que faziam referência aos flocos de neve e as paredes feitas de pedras pálidas e cristais de gelo eram guiadas por pilares. 

    Os soldados os fizeram caminhar até a base das escadas que levava para uma parte mais alta, onde um homem estava sentado sobre o trono imponente, feito pelos melhores artesãos e com o melhor que aquele reino poderia oferecer.

    Estavam diante de um rei. Um rei de verdade. Não um que tinha poder e achava estar acima dos outros, mas um rei que governava seu povo por direito. Tudo o que emanava dele dizia isso.

    Mayck o olhou nos olhos. Havia um azul frio neles, uma expressão mal humorada. Seus cabelos longos e grisalhos, bem como sua barba vistosa, eram mais que um aviso sobre sua idade, era um resumo de seus anos de governo. 

    Estava usando uma capa branca com forro de pele saindo dela, que cobria seu pescoço. Aquelas eram suas vestes reais, as quais eram adornadas com enfeites de prata em sua forma mais pura e detalhados com pedras azuladas.  

    Porém, por mais incrível que pudesse parecer, ele não estava usando uma coroa. Mas o anel dourado com uma pedra brilhante no topo certamente falava sobre sua posição.

    Eles viram a cidade. Ela era grande e parecia ter prosperado muito, mesmo naquele clima inóspito. 

    Levar um lugar daqueles para onde estava, sem dúvidas, era o feito de um grande rei. 

    O rei os encarou, então disse:

    “Bale.”

    Os soldados prostrados logo se levantaram e prontamente saíram. 

    Provavelmente só se passava uma coisa na cabeça dos agentes.

    E agora…?

    Por algum motivo, sentiam uma enorme pressão em ficar ali. Eles pensaram que precisavam dizer algo, mas de qualquer forma, a barreira de linguagem não ajudaria em nada, só iria atrapalhar. 

    “Quem são vocês?”

    Ou era o que pensavam mesmo. O rei levantou sua voz falando em japonês perfeitamente. Rostos incrédulos e atônitos, foi o que apareceu nos agentes. 

    Não brinca…

    Isso é sério?!

    Mesmo Mayck mal podia acreditar. Várias questões invadiram sua mente, mas ele precisava ficar calmo e raciocinar. Afinal, querendo ou não, ele estava na liderança. 

    Até onde eu posso falar? Devo ser formal?

    De um jeito ou de outro, ele mal falava gírias quando estava com o idioma japonês ligado, então talvez o resultado seria bom. 

    Ele tomou a frente. 

    “Nós somos viajantes. Encontramos uma tempestade enorme e nos separamos dos nossos companheiros. Poderia me dizer que lugar é esse?”

    “Viajantes, é? Entendo.” Ele ajeitou-se em seu trono. “Não costumamos receber gente de fora. Digamos que o mero fato de vocês estarem aqui é uma péssima coincidência.”

    “Sobre o que…”

    “Vocês estão em meu reino, Nevéria. Eu sou Arden Coldheart, filho mais novo da família Coldheart. Como governante, para manter o meu povo em segurança, vocês, viajantes, serão mantidos na Prisão das Árvores Acentuadas até que suas intenções sejam descobertas”, disse ele com um tom severo. 

    Eles haviam acabado de chegar, mas estavam sendo tratados como suspeitos. Era compreensível dada a natureza de suas origens, mas ainda era bem injusto.

    “Espere só um momento. Se você me deixar explicar—”

    “Vocês poderão se explicar quando estiverem frente à Comissão da Lâmina Fria. Até que seus desejos ocultos sejam revelados, não verão a luz do sol.”

    Que cara pé no saco. 

    Se não fosse pela situação em que se encontravam, Mayck não iria hesitar em pressionar o homem à sua frente. Mas ele sequer tinha a chance de dizer algo. 

    Se as coisas tomassem esse rumo, eles teriam que recorrer à violência e tentar fugir, mas isso abriria caminho para uma aventura desnecessária — provavelmente. 

    Parece que a barreira de linguagem nunca foi um problema. 

    Havia algo ali, bem escondido nas palavras agressivas do rei. 

    Depois de olhar para Sora e os outros, e encontrar olhares de “agora ferrou”, ele percebeu que era melhor ceder e tentar provar sua inocência depois. 

    Porém, antes que o rei Arden ordenasse a retirada deles, uma figura entrou eufórica por uma porta que ficava à direita do trono.

    Uma linda garota de cabelos prateados e olhos azuis brilhantes se aproximou dele. 

    “Meu pai! O que está fazendo?! Os preparativos já estão prontos. Esqueceu-se da reunião com a família Braveheart?!”

    Ela bateu os pés. Parecia furiosa, mas isso só deixava sua beleza mais evidente, já que ela parecia um pequeno animalzinho irritado. 

    Os agentes ficaram atônitos.

    Ela parece a versão Premium da Haruna.

    Se não fosse pelos tons mais vívidos e brilhantes dos cabelos e dos olhos, seriam como irmãs gêmeas, mas de eras diferentes. 

    O penteado da garota era bem elaborado, a maior parte solto, e duas tranças que se estendiam do topo da cabeça se encontravam no meio. Ela usava uma tiara prateada e seu belo vestido branco com mangas longas e grossas a mantinha aquecida. 

    “Não entre na sala do trono dessa forma. Não é assim que você deve se portar, Eirlys.”

    “Ah, claro, me perdoe.” Ela inclinou a cabeça levemente, mas logo se levantou. “Mas essa também não é a forma com que o rei deve se portar. Você não deve deixar convidados de honra esperando”, ela apontou, seus olhos cintilando, cheios de razão. 

    O rei se calou. Ele não tinha resposta. Então suspirou e fechou os olhos brevemente, depois voltou-se à Mayck e aos outros. 

    “Me deixe terminar esta audiência. Eu irei logo.”

    Eirlys também olhou para eles, então parou. A respiração travou e os olhos se encheram de um brilho curioso. 

    “Pai… quem são eles?”

    Deu pra ver na expressão do rei sua hesitação. 

    “São apenas alguns aldeões vindos do sul.”

    “Ehh? Sério? Eles parecem tão diferentes! Ah—! É verdade! Eles são os visitantes que eu estava esperando?!” Entusiasmada, a princesa olhou para eles com olhos cheios de brilho. 

    O rei Arden tentou convencê-la de que não era nada do tipo, mas ele não conseguia encontrar as palavras certas. Mesmo que dissesse que não, ela não iria descansar, então ele acabou cedendo. 

    “Sim, minha filha. São eles.”

    A princesa bateu as mãos. 

    “Que maravilha! Então não deixe meus convidados esperando. Vamos recebê-los! Eu já pedi que preparassem tudo. Não fiquem parados aí, vamos. Estarei esperando no jardim”, dizendo isso, ela saiu saltitante, como uma bela garota animada. 

    O silêncio voltou novamente, porém, dessa vez, mais constrangedor. O rei encarou os agentes, que o olhavam de volta, com expressões confusas. Afinal de contas, eles não entenderam uma palavra do que disseram. 

    Então o homem suspirou friamente. 

    “Houve um mal entendido aqui. Mas não tem como convencer essa minha filha do contrário. Viajantes, se querem provar que estão aqui sem más intenções, então façam companhia para a princesa Eirlys durante sua estadia”, disse ele, um tom severo em sua voz. 

    “É-é sério…? Ela é uma princesa? Uma princesa de verdade?” Assim como as outras garotas, Sora estava impressionada. Desde as roupas, a aparência e até a aura que ela transmitia eram de realeza. 

    Não havia mais dúvidas de que eles estavam em uma monarquia real. 

    Mas espera um pouco…

    Por outro lado, Mayck tinha uma expressão de choque no rosto, que apareceu ali no momento em que a princesa entrou e começou a falar. Era por um motivo diferente dos outros. 

    “M-san?”

    “Vice-capitão?”

    Eles o olharam com dúvidas.

    “Não, não é nada”, ele respondeu e recuperou sua compostura. 

    Seus olhos se estreitaram e ele olhou friamente para o rei à sua frente. 

    Que merda foi essa? Isso foi português, não foi?

    Ele não podia contar aos demais que a conversa que eles não entenderam foi completamente dita em seu idioma de origem. 

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