Índice de Capítulo

    Minutos depois que os inimigos se retiraram, uma comissão chegou. Entre eles, o príncipe Kaeelen, que liderava outro grupo de soldados. 

    “O que aconteceu aqui?”

    Seus olhos arregalados varreram aquela rua em ruínas, soldados caídos e feridos por todos os lados, marcas de incêndio e cristais derretidos.

    Nunca tinha visto tal coisa. Era surpreendente, de uma forma ruim. 

    Lawren estava perto de uma pilha de escombros, e Kaeelen correu até ele. O homem estava cabisbaixo, os olhos estavam sombrios.

    “Capitão Lawren. O que aconteceu nesse lugar?”

    Levantando os olhos abatidos para o príncipe, ele hesitou por um momento. O peso da derrota esmagadora ainda recaía sobre seus ombros. 

    Então ele disse, com uma voz fria:

    “Foram os forasteiros, Alteza.”

    “Forasteiros?”

    “Eles chegaram há alguns dias e agora estão cooperando com os opositores. Nós tentamos confrontá-los, mas…” Ele cerrou os dentes. “Me perdoe… Eu fui completamente impotente.”

    A vergonha por ter perdido de forma tão humilhante não lhe permitia encarar o príncipe à sua frente. Ele só conseguiu manter a cabeça baixa.

    “Meu pai… o rei Arden sabe sobre isso?”

    “Sim… Alteza.”

    E por que ele não ficou sabendo de nada? E o que era essa história de forasteiros? 

    Ninguém nunca foi chamado assim… Existe algo fora de Nevéria?

    A confusão rodopiou em sua mente como uma piada sem graça, um calafrio percorreu seu corpo. 

    Kaeelen ordenou seus homens a ajudarem os guardas caídos, e ele voltou para o castelo. 

    Assim que chegou lá, não perdeu tempo e seguiu direto pelos corredores. Não era algo comum, mas, nesse momento, seus passos eram pesados, a capa em seu ombro direito balançava com agressividade e o cordão prateado em seu peito chacoalhava como um sino. 

    Acontece que sua cabeça estava um turbilhão. Tanto que ele até ignorou as pessoas que o cumprimentaram de forma reverente no caminho. 

    “Onde está meu pai?” Perguntou para um guarda. 

    “Alteza! Ele está na sala do trono, tendo uma audiência”, o homem respondeu com certa hesitação. 

    Kaeelen assentiu, então seguiu em direção ao local informado. Não deu a mínima para os guardas que guardavam as portas reais e simplesmente entrou. 

    “Meu pai!”

    Sua voz chegou aos ouvidos do rei e também da pessoa que estava diante dele. O príncipe os analisou rapidamente e percebeu que era um dos comerciantes da família Mornhart, um homem na casa dos trinta, que tinha um cabelo dourado até os ombros e uma barba rala. 

    “Príncipe Kaeelen. É um prazer te rever.” Ele reverenciou o jovem e se inclinou levemente. 

    “Digo o mesmo, senhor Aleric. Vocês estão tendo uma conversa importante?”

    “São assuntos sobre o Dia do Escolhido. Do que você precisa”, respondeu Arden, sentado sobre o trono. 

    “Isso é ótimo. Eu quero uma audiência, nesse exato momento.”

    “Ãnh? Er… Me perdoe… mas isso não poderia esperar…?”

    “Lamento informar, mas não. Eu tenho certeza que é um assunto tão urgente quanto o de vocês. O comércio vai estar fechado no dia do festival, de qualquer forma.”

    “Mas…”

    “Está tudo bem.”

    Arden viu os olhos de Kaeelen, e pôde perceber que era um assunto realmente importante, então decidiu despedir seu convidado. 

    “Aleric. Vamos continuar nossa conversa outra hora. Nos dê licença.”

    O homem queria contestar, mas não podia simplesmente ignorar as ordens do rei. Com um rosto decepcionado, ele se curvou lentamente e depois saiu.  

    Agora, a sós, Arden perguntou o que o príncipe de Nevéria queria com ele. 

    Kaeelen disse:

    “Há pouco, houve um ataque na cidade.”

    “Oh?”

    “Eu percebi a confusão, então mobilizei meus homens pra lá, mas quando eu cheguei era tarde. O lugar estava horrível, nem parecia Nevéria. Além do mais, quem quer que tenha feito aquilo, definitivamente não usou Nheria. Ou ao menos da forma como o conhecemos.”

    “Onde você pretende chegar?” 

    Os olhos de Arden agora estavam baixos, ele tinha ideia do que estava acontecendo, já que havia recebido um relatório minutos atrás. 

    “O capitão Lawren mencionou ‘forasteiros’. O que ele quis dizer com isso?”

    Kaeelen encarou seu pai, esperando uma resposta que demorou a chegar. Após alguns segundos de um silêncio perturbador, o rei suspirou. 

    “Já que chegou a isso, não tem porque esconder. Kaeelen, a verdade é que existe algo além das barreiras de Nevéria.”

    “Algo além…?”

    Arden assentiu. 

    “Um mundo completamente diferente do nosso.”

    “E porque isso está sendo mantido em segredo? Esses forasteiros são desse lugar além das barreiras, certo? O que vieram buscar?”

    “Não, não vieram buscar nada”, corrigiu. “Vieram trazer.”

    A feição do jovem se contorceu levemente e ele franziu o cenho, enquanto a palavra ‘trazer’ martelava em sua mente. 

    O rei continuou:

    “Eles vieram trazer desordem, destruição e fome para o nosso reino. Tudo do qual aquele lugar é feito”, disse, com pesar. 

    “Huh?” O jovem agora tinha uma expressão estupefata. Ele não parecia conseguir processar aquela informação. Arden percebeu, então decidiu ser mais claro. 

    “São demônios em forma de pessoas. Eles não são nada além de monstros e inimigos de Nivorah.”

    “Como…? Como nos permitimos a entrada desse tipo de pessoa?!”

    “Eu fui um tolo, meu filho. Eles vieram sob pele de cordeiro, com falas doces e ideias bonitos. Pensei que talvez houvesse algo realmente bom.” Ele apertou os punhos sobre suas pernas. “Mas parece que eu cometi um erro gravíssimo.”

    A mensagem chegou aos ouvidos do jovem príncipe. Ele ficou atordoado. Algo assim estava acontecendo sem o seu conhecimento? E bem antes de um evento tão importante. 

    Talvez o seu senso de responsabilidade para com seu povo falou alto em seu coração. Ele cerrou os punhos. Seu rosto que parecia imutável se contorceu em um rosto cheio de raiva. 

    “Algo tão perigoso está acontecendo e eu não fui informado de nada… Eu não sou confiável o suficiente? Ou então me falta poder? O que me faz ser tão diferente dos outros capitães.”

    “A questão não é essa aqui.”

    “Então porquê?!”

    “Eu queria protegê-los! Tanto você quanto sua irmã. Kaeelen, eu sou o rei há muito anos. Sei que as ameaças lá fora são perigosas, mas, além disso, eu também sou pai. Que tipo de pai colocaria seu próprio filho em risco? Eu não queria que vocês conhecessem algo tão perverso e mundano.”

    Arden levantou-se, enquanto olhava no fundo dos olhos de seu filho, que não ousou responder. 

    “Você é o meu herdeiro. Tem que ser forte. Mas ainda não é a hora. Deixe que eu lide com isso.”

    O silêncio perturbador penetrou pelas paredes mais uma vez. Não era fácil decifrar o que os dois estavam pensando no momento.

    Kaeelen pôde compreender completamente o que seu pai dizia. Ele entendia esse senso porque sentia o mesmo por sua irmã mais nova, mas…

    “Pai. Além de príncipe herdeiro, eu também sou um capitão. Eu me esforcei por isso. Não quero ser alguém que vive apenas de títulos. Se é pelo meu povo que eu devo lutar, então é isso o que farei.”

    Ele bateu a mão no peito, seus olhos transbordavam uma confiança renovada. 

    “Mesmo assim…” Arden hesitou. 

    “Meu pai. Permita que eu cumpra o meu papel. Como príncipe, eu juro que darei tudo de mim para manter a segurança de todos os cidadãos. Me deixe lutar ao seu lado.”

    Se seu pai estava se esforçando tanto, então ele queria estar ali. Não conseguiria suportar o fato de estar sendo protegido; imaginar que seus títulos não passavam disso.

    Um príncipe precisava estar à frente de seus súditos, apenas atrás do rei. Um capitão deveria erguer sua espada pelo seu exército. 

    “Eu já estou pronto pra isso, meu rei!”

    Sua voz irrompeu pela sala do trono e chegou aos ouvidos de Arden claramente. 

    “…” A falta de resposta o fez engolir em seco.

    Mas então, ele abriu a boca.

    “Não será fácil…”

    “Eu sei.”

    “E mesmo assim está disposto a se arriscar?”

    “Com toda a certeza.” Kaeelen bateu seu pé fortemente no chão com um baque que fez Arden sorrir levemente. 

    Ele recuperou sua compostura. Seu filho já não era mais uma criança que precisava de sua proteção. Ele agora podia lutar sozinho; podia lutar ao seu lado como um verdadeiro guerreiro. 

    Então Arden abriu a boca, os lábios ainda discretamente arqueados.

    “Se você está pronto, então eu não vou te parar. Kaeelen, emprestei sua força para derrotar os inimigos. Mostre a eles que aqui não é lugar para o caos e a desordem.”

    “Sim, majestade!”

    Kaeelen bateu em seu peito outra vez. Agora era oficial. Ele poderia cumprir seus deveres como um verdadeiro capitão.

    <—Da·Si—>

    Mayck falhou em convencê-los. Agora, para Viktor, só lhe restava remoer sobre aquilo o tempo todo. 

    Seu semblante exasperado não mudava e cada vez mais o desespero para sair dali o preenchia.

    “Que merda!”

    O soco na parede do beco ecoou seco. Uma rachadura surgiu. O reflexo que apareceu na superfície quebrada devolvia um olhar pálido, distorcido. Assustador. 

    Se envolver nesse tipo de merda… São só monstros… Por que eles não entendem?!

    Não havia divindade. Não existia ser espiritualmente superior aos humanos. Isso não passava de uma maldita ilusão. 

    “Vão todos morrer. Assim como eles.”

    Aquele frio intenso cortante era o completo oposto daquelas chamas escaldantes de anos atrás — as que  devoraram tudo: os pais, a casa… e o irmão que nem chegou a nascer. 

    Foram devorados porque foram idiotas… Eu nunca vou cair nessa… 

    “Vou sair daqui. Nem que seja sozinho.”

    Até momentos atrás ele estava pensando em tirar os outros de lá, mas isso não importava mais. Ele sairia de Nevéria por conta própria, usando todos os meios necessários. Por que deveria ligar para empatia num lugar prestes a ruir? Não precisava pensar nisso. 

    Viktor moveu seu corpo para fora do beco, mas acabou se deparando com uma viela estreita, e antes que percebesse, seus pés já estavam em movimento através dela. 

    “Se eu for na direção contrária a do castelo, devo conseguir chegar naquela porta.”

    Se encontrasse aquela porta pela qual entraram, certamente conseguiria sair. Era isso o que ele pensava. Mas e quanto à segurança e ao portão de gelo? Bastava derretê-los. 

    Que se dane. Não havia mais volta. Ele também não esperava uma viagem tranquila. 

    “Tsk.”

    Assim que saiu da viela, Viktor foi recebido por uma lâmina que brilhou perto de seu pescoço. Ele desviou agilmente, inclinando seu corpo para trás. Então tomou distância. 

    “Quem é você seu merda?!”

    Ele encarou a figura sob um manto branco de couro. A lâmina também branca reluzia em sua mão direita. 

    “…”

    “Eu perguntei quem é você! Porra!”

    Impaciente, Viktor incendiou suas mãos e partiu para cima da figura, deixando um rastro de calor para trás. 

    Ele disparou socos rápidos e poderosos, mas seu oponente tinha uma agilidade melhor do que ele esperava e conseguiu escapar dos golpes sem problemas. 

    “Droga!”

    Ele seguiu atacando. Claro, o oponente não estava ali apenas para defender, ele começou a revidar com sua adaga.

    Os movimentos eram quase invisíveis. Quando Viktor piscou, já estava sangrando.

    Apareceu um corte em sua bochecha, o sangue escorreu rapidamente. 

    Quando foi que ele…?

    Viktor apertou os olhos, os dentes cerrados. Aquela pessoa não era um assassino qualquer. Era alguém que sabia o que estava fazendo. Viktor podia dizer isso porque já viu muitos atacantes furtivos na Strike Down. 

    Ele tá aqui pra me matar.

    Sendo assim, ter respostas era só um bônus. 

    É matar ou ser morto. 

    Viktor disparou contra ele mais uma vez. Engatilhou seu punho em chamas e atacou a figura. Ele desviou. Mas, diferente de antes, as chamas o devoraram como um vórtice. 

    Te peguei…

    Ou foi o que ele pensou. Mal teve tempo de piscar dessa vez. O assassino estava em suas costas, pronto para esfaqueá-lo. 

    Viktor só teve um segundo para escapar. Movimentou seu corpo bruscamente para o lado e evitou ser apunhalado. Ele cambaleou, mas rapidamente se recompôs. 

    Ao abrir distância, suas pernas vacilaram. Não que Viktor não confiasse em suas habilidades; pelo contrário, ele enfrentaria um exército com elas. O problema era aquele adversário que não parecia hesitar em nenhum momento. 

    “Foi você quem matou o meu irmão?”

    Ele finalmente falou. Sua voz tão fria quanto o ar em volta. 

    Viktor franziu o cenho. 

    “Irmão? Que irmão, seu verme? De que porra você tá falando?”

    “As informações dizem que os forasteiros invadiram a prisão e mataram o meu irmão. Você é um deles, não é?”

    “Haha! Se te decepcionar, eu não tô nem aí. Não invadi prisão nenhuma. Não tenho mais nada a ver com aqueles otários.”

    “Não invente mentiras, impuro. Eu sei que você está ao lado dos imundos opositores.”

    “Não tô não”, exclamou.

    Eu quero mais é que eles desapareçam, disse Viktor, olhando fixamente para o homem. Mas isso não parecia ter mudado a opinião dele. 

    “Pouco importa. Você está do lado dos forasteiros. É meu dever eliminar todos vocês, então morra em silêncio”, afirmou com um tom sério.

    Ele se preparou para mais uma investida. 

    Viktor também se preparou para mais um contra ataque. 

    “Tsk.”

    Esse filho da puta… Ele me irrita.

    Estava caçando a oposição e os forasteiros. Não restava dúvidas de que era alguém enviado pelo outro lado da moeda, ou seja, pelo rei. Mas no pior dos casos, tinha sido enviado pela oposição para eliminá-lo, já que ele era alguém que havia rejeitado sua aliança. 

    Preciso tentar uma coisa. 

    Antes que o homem desse mais um passo, Viktor abriu a boca.

    “Peraí. Você não disse que quer se vingar?”

    “Isso não faz diferença pra você”, respondeu ele.

    “Não. Isso é muito bom.”

    “?”

    Ele parou não porque estava amedrontado pela imprevisibilidade do oponente, mas sim por ter visto uma grande oportunidade ali. 

    “Eu não tô do lado da oposição. Não confio neles. Mas as pessoas que vieram comigo foram enganadas e agora eu tô fora.”

    “?”

    “É uma proposta. Você quer vingar seu irmão, eu quero tirar o meu grupo daqui. Se você me ajudar, eu ajudo você”, resumiu.

    Mesmo entendendo, o assassino não deu para trás.

    “Isso não me interessa…”

    Foi aí que Viktor lançou a carta que tinha na manga. 

    “Eu sei onde eles estão escondidos.”

    O homem parou. Mordeu a isca. Apesar de estarem caçando os opositores há tempos e conhecerem cada canto do reino, nunca conseguiram encontrá-los. 

    Viktor disse mais:

    “Eu vou te ajudar a encontrar o esconderijo daqueles ratos e você me ajuda a sair. Não é ruim, o que acha?”

    Os olhos sob o capuz hesitaram por um momento. Ele olhou com desconfiança, mas ainda considerou. 

    Realmente não era uma má proposta. Parando para pensar, era muito simples. Tanto que parecia até piada. O homem poderia recusar e eliminar Viktor ali mesmo, mas ele tinha ordens expressas e ter as informações daquele garoto agilizaria muito as coisas.

    Sem contar que… não precisava honrar com suas palavras para um mero invasor. 

    Sorrindo internamente, ele abaixou sua lâmina e olhou para Viktor. 

    “Entendi. Eu vou te ajudar então. Mas lembre-se que isso não é uma aliança. Minha lâmina vai ter seu sangue no momento em que você mentir”, disse ele, seus olhos tinham um brilho assassino.

    “Se foda!”

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