Capítulo 145 - Presságio
O grupo de Lyara retornou à base após o último evento que lhes rendeu apenas mortes e dor.
O silêncio do luto pairava sobre eles como uma sombra gigantesca, enquanto seus passos lentos pareciam uma marcha em homenagem aos que caíram naquela noite.
Porém, quando chegaram, não encontraram o que esperavam ver ali, mas algo que os deixou atônitos, se questionando se não estavam sendo enganados por seus olhos.
Eles se recusaram a acreditar, mas a base estava em ruínas, com sinais de que uma batalha intensa e brutal havia ocorrido lá. O cheiro das cinzas ainda pairava no ar, misturados com o odor ferroso de sangue, e havia estilhaços de gelo por todos os lados.
Não restava dúvidas sobre o responsável.
Dentre os corpos que eles juntaram com tanto pesar, apenas um respondeu com vida. Assassinos da Comissão da Lâmina Fria haviam atacado a base no momento da operação. O resultado disso: perdas enormes.
O sobrevivente contou que Kaelric e os outros recuaram para a sala de reuniões da família Braveheart. Então eles seguiram para lá depois de arrumarem tudo.
Quando chegaram, Erin os recebeu, uma feição sombria em seu rosto.
“Erin, o que foi que aconteceu exatamente?” Lyara parecia ansiosa e abordou o homem assim que o viu.
“Acalme-se. Kaelric vai te explicar tudo.” Ele olhou para trás dela, onde a atmosfera parecia tão pesada quanto. “E parece que vocês também têm muito a dizer.”
Depois de olhar para o grupo de Takeda, ele recebeu um aceno positivo deles. Parecia que aquela madrugada de más notícias seria longa.
Após instruir Rider e os outros, Takeda foi com Lyara até Kaelric, numa sala aos fundos.
Ele e Elira estavam à espera e quando viram a porta se abrir, se levantaram imediatamente. Suas feições não eram das mais receptivas.
“Vocês voltaram.”
“Fico aliviado por ver que estão bem”, disse, então acenou para eles se sentarem. “Tem muita coisa para conversarmos.”
“Sim… como a morte de Eldar, por exemplo.” Não era do feitio de Lyara ser tão direta assim, mas ela não conseguiu se conter.
A notícia foi repentina, mas direta. Os olhos de Elira estremeceram em lamento ao seu amigo. Kaelric também não ficou diferente.
“Então é isso… Sinto muito—”
“Você falou que tinha uma pequena chance deles aparecerem, então porque não nos deu a precaução necessária?”
“Lyara”, Elira tentou interferir, mas Kaelric fez sinal para deixá-la.
“Não há um motivo”, respondeu com uma voz suave. “Isso aconteceu por ingenuidade minha.”
Ele decidiu que não daria nenhuma desculpa, apenas aceitaria o fato de ter errado. Mas isso não era suficiente para apaziguar a tempestade no coração da espiã.
“No meio da operação, fomos invadidos por assassinos da Comissão. Respondemos à altura, mas os danos ainda foram grandes.”
“Me disseram que ninguém além da oposição sabia da existência dessa base. Como isso aconteceu?”
“Hm. Sobre isso, acho bom vocês ouvirem por vocês mesmos. Erin, pode trazê-lo aqui?”
O homem assentiu, então saiu. Enquanto Takeda e Lyara se questionavam o que seria, Erin retornou, trazendo três homens.
Um deles estava envolto em bandagens, com ferimentos visíveis em todo o rosto. Sua condição estava péssima. Era surpreendente que conseguisse se mover mesmo com o apoio de dois de seus companheiros.
Kaelric abriu a boca, dissipando o gelo:
“Esse é um dos guardas da base. E também o único que sobreviveu ao ataque inicial. Pode relatar o que você viu mais uma vez?”
O homem hesitou, os olhos carregados de trevas. O que aconteceu ainda pairava fresco em sua mente, tão vívido que ele poderia explicar cada detalhe do que viu. Se não fosse por sua instabilidade mental.
Ao levantar os olhos sem brilho, ele começou a suar frio e apareceu um olhar de pânico em seu rosto.
“Ah… Ahh!! Foram eles… os forasteiros nos entregaram!! Eu-eu vi o amigo deles junto aos assassinos! Demônios malditos!”
Não havia palavras para descrever como Takeda estava se sentindo ao ouvir isso, apesar de estar calmo por fora, por dentro, ficou um turbilhão.
O homem surtou. Acusando os forasteiros pelas mortes e os chamando de traidores sem parar. As mãos quase arrancavam os cabelos. Foi necessário tirá-lo de lá. Ainda no corredor dava para ouvi-lo gemendo.
“Nós confiamos em vocês! Imundos traidores!”
Quando ele se foi, o clima — antes ruim — piorou.
“E é isso. Em um único dia, ele perdeu sua namorada e amigos de forma horrível. Tem alguma ideia disso?”
Takeda exalou um suspiro exausto.
“Não vemos Viktor já faz alguns dias.”
“Ele é sua primeira suspeita?”
“A única.”
Viktor foi o único a mostrar um comportamento realmente hostil. Nem mesmo os outros agentes da Strike Down tinham agido de tal forma, apesar de discordarem de várias coisas e existir o fato do preconceito entre as duas organizações.
Não pensei que deixá-lo sozinho fosse causar chegar a esse nível, pensou Takeda, falhei como líder. Mais uma vez.
Kaelric percebeu a expressão decadente do capitão, então tentou consolá-lo, tomando uma abordagem mais solene.
“Ninguém além de nós sabe sobre isso. Mas pode acabar se espalhando em breve. O que você sugere que façamos?”
Tecnicamente falando, Viktor era um traidor. Se essa história chegasse aos ouvidos dos opositores arrasados, não dava para medir o que poderia acontecer.
“Deixe Viktor comigo. Eu só peço que mantenham isso em segredo por enquanto.”
“Você tem um plano?” Foi Elira quem perguntou.
“Algo assim. Como agentes que estão do mesmo lado, sabemos as regras. Viktor não é exceção.”
Kaelric assentiu.
“Se é assim, então isso está em suas mãos. Ainda temos outros assuntos para resolver hoje.”
Seus olhos recaíram sobre Lyara.
“Voltando ao assunto anterior… Eu lamento a morte de Eldar. Não consigo me sentir bem comigo mesmo sabendo que ele se foi. Além de um capitão competente, ele era um grande amigo.”
“…”
A mulher baixou o olhar enxuto. Sua mente ainda presa a um turbilhão de pensamentos.
“Ele se sacrificou pelo nosso bem…”
“Por isso não podemos ficar parados. Amanhã será nossa última chance de impedir Arden. Lyara, nós teremos que deixar o luto para depois.”
Dizer isso era cruel, mas no contexto em que estavam, deixar os sentimentos dominarem só os arrastaria para um buraco mais fundo.
E claro, a espiã entendia isso.
“O primeiro dia está pra começar. Vamos tentar o ataque com o festival em andamento, antes do anoitecer”, disse Elira. “A segurança do castelo provavelmente vai estar reforçada, assim como a quantidade de guardas atrás de nós. É uma pena, mas o sigilo vai ficar em segundo plano.”
“Vamos roubar o dispositivo de Arden e então salvar Nevéria. Depois disso…” Kaelric fez uma pausa. Dava para ver em sua feição sombria que os planos adiante não seriam tão claros.
“Então você tem outros planos… M-san estava certo no fim?”
O líder da oposição suspirou.
“A única forma de continuar protegendo o reino, é tirando o rei atual do poder. Nós só percebemos o plano deles quando passamos por um fio na última década.”
“Se mantermos o status quo, pode ser que problemas maiores aconteçam. Entenda, Takeda, é pelo bem do reino.”
Kaelric não estava realmente interessado no poder de governar. O que ele queria era substituir Arden e então trazer o príncipe herdeiro para o seu lado, e no tempo certo, passar o trono a ele.
Em outras palavras, tudo pela segurança do povo.
Takeda não sabia o que responder. Apesar de ter concordado em ajudar até o fim, decidir o destino do reino não cabia a ele. Afinal de contas, era por isso que estavam lutando.
Após um breve aceno de cabeça, ele aceitou as palavras de Kaelric.
<—Da·Si—>
O sol estava sobre Nevéria mais uma vez.
Mayck se levantou após mais uma noite mal dormida e tentou disfarçar as olheiras usando um pouco de água fria.
Ele saiu do quarto fazendo o mínimo de barulho possível, para não acordar seus companheiros. Meia hora depois, ele estava na biblioteca.
Vazia, mais uma vez, as pessoas que a visitavam regularmente e que estavam acordadas naquele horário estavam se preparando para o evento que se iniciava nesse dia, então o silêncio não era surpreendente.
Dava até para ouvir os próprios batimentos que acompanhavam a respiração levemente agitada do garoto.
Não havia um horário combinado para o encontro com Eirlys — ele nem sabia se ela viria — então acabou se deixando levar pelos pensamentos, relembrando desde o começo de toda essa aventura caótica.
A gente só tinha um trabalho… Que bagunça em que a gente se meteu.
Separados por uma tempestade sobrenatural, entraram num reino que o mundo sequer sabia de sua existência e empurrados para um duelo entre a vida humana e o controle de uma entidade desconhecida.
Pensando bem, tinha tudo para um final infeliz.
Só acho incrível não haver registros desse tipo de monstro em lugar nenhum. Quando falei pra Nikkie, ela não tinha nenhuma resposta boa… que tipo de coisa eles são?
Monstros que geravam energia infinita, outros que tinham uma dimensão própria. Os mistérios do mundo pareciam cada vez mais profundos. Mayck se perguntava até onde iriam.
Vários minutos passaram. A princesa não apareceu.
Essa é a resposta dela?
Independente dela aceitar ou não, o plano não iria mudar. O futuro não era totalmente previsível, mas dava para perceber que o tempo já estava acabando. E com a derrota da noite anterior, a oposição provavelmente estava desesperada.
O rei, o príncipe e a princesa. O primeiro já tinha um lado decidido e óbvio, o segundo era incerto e a terceira também.
Eirlys lutava para impedir que seu pai fizesse besteira, mas pelo o que Kaeelen lutava? Ele estava ao lado de seu pai? Lutando contra a oposição? Os ventos da incerteza ainda sopravam, frios e silenciosos, assim como o destino daquele lugar fadado a um trágico fim.
Mayck cruzou os braços e encostou as costas na prateleira de livros. Seus olhos se fecharam.
Vou esperar mais um pouco.
Em algumas horas, o festival começaria. Seu trabalho como guarda-costas também. Não que ele fosse participar.
Ele se lamentou, mas teria que deixar isso para os outros agentes, que estavam no escuro até aquele momento. Mas provavelmente Sora lhes contaria. Então se voltariam contra ele, por ter escondido e sua confiança despencaria.
Mas quem disse que isso importava? Mayck não estava interessado em deixá-los morrer só porque tinham um coração bondoso. Mesmo que suas ações fossem contra os princípios deles, se ficassem vivos, era isso o que importava.
Quando os segundos pareciam horas, quando a esperança do garoto estava quase se esvaindo, ele ouviu passos leves se aproximando. Tão lentos, pareciam hesitar conforme a distância diminuía.
Mayck levantou os olhos. Os cabelos brancos balançavam de relance.
“Pensei mesmo que você não viria”, disse, e então se virou para Eirlys, encontrando seus olhos azuis tão brilhantes quanto o céu.
Ela lhe estendeu a mão. Um anel dourado com uma pedra cristalina reluzia em sua palma.
“É disso que você… que nós precisamos, não é?”
Mayck ficou atônito por um momento. Como acreditar que a garota havia roubado o anel de seu próprio pai? Não importava como, era difícil imaginar o cenário.
Eirlys notou o olhar incrédulo e moveu os lábios.
“Se está com dúvidas, por que não faz o teste?”
Ela o incitou a tomar o objeto.
Claro, ele não estava duvidando da legitimidade dele. Mas havia dois extremos.
Mayck pegou o anel. O tom dourado e a pedra brilhante em um tom levemente azulado eram as mesmas, sem dúvida.
Apenas duas possibilidades. Uma boa e uma ruim. Se Eirlys tinha roubado o item, então era uma prova de que estava ao seu lado. De outra perspectiva, ela e o rei teriam feito algo para enganá-lo.
Mayck torcia pela primeira.
De qualquer forma, decidiu dar um voto de confiança à garota.
“Como posso usá-lo?”
“Todos os anéis guardam energia residual de seus portadores. Basta adicionar um pouco mais para ativá-la sem deixar que a sua vaze”, disse ela com um tom confiante.
O garoto olhou para o objeto mais uma vez.
Aconteça o que acontecer…
Ele não iria recuar agora. Soltou um suspiro, então concentrou a energia em sua palma. Sentiu algo se mover em sua corrente sanguínea e aquecer até o cérebro, enquanto uma sensação já familiar percorria seu corpo.
Dizem que cada ID flui diferente um do outro. Mayck já conhecia bem a sua, então percebeu que havia outra energia no anel. Ela parecia mais densa, mais escura…
A energia de Arden…
Mas além dela… uma outra sensação.

Que merda é essa?
Essa era tão espessa que chamá-la de energia parecia errado. Era como olhar para um abismo tão profundo que poderia te arrastar sem chance de escapar.
Enquanto a pedra reluzia com uma mistura de cores, o garoto se questionava de onde vinha aquela energia sombria, maldita, que lhe dava calafrios.
Isso não é normal, concluiu.
Seus olhos se abriram como um sinal de alerta, e antes que ele percebesse, a porta à sua frente se abriu.
“Você está bem?”
Quando ele voltou a si, percebeu Eirlys com uma expressão preocupada, encarando-o.
“Ah… sim. Mais importante, parece que agora podemos entrar. Você vem?”
A princesa assentiu.
Sem hesitar, ambos seguiram para a escadaria atrás da porta.
Mas, claro, Mayck não ignorou o que acabara de presenciar.
Onde foi que eu já senti isso antes?
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