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    Entre um evento e outro, foi apenas um piscar de olhos. 

    Assim que a luz do poder de Eirlys se dissipou, tudo estremeceu, e um som reverberou pelas paredes da caverna — um uivo glacial, que parecia um chamado profundo, ecoando pelos cristais de gelo. 

    Depois, um silêncio completo. 

    “O que é isso…?”

    As duas garotas olharam ao redor na imensa e fria escuridão, tentando decifrar o que estava acontecendo. 

    E então um som como o estalar de gelo encheu seus ouvidos. Não sabiam de onde estava vindo, mas estava cada vez mais próximo.

    Era como algo rastejando rapidamente sob a camada fina abaixo de seus pés. 

    Eirlys em particular, sentiu arrepios por todo o corpo, misturado a uma sensação que ela não conseguia explicar — um calafrio que congelava seu coração e alma. 

    Mesmo assim, ela conseguia dizer de onde era a fonte desse tormento, quase como um instinto.

    Seus lábios estremeceram, e ela disse:

    “Ela está vindo…”

    Sora a olhou com dúvida por um momento, mas logo entendeu do que se tratava, e também sentiu calafrios. 

    Não conseguia afastar o pensamento de que elas poderiam tê-la acordado mais cedo. 

    “O que a gente faz agora? Se Nivorah despertar, o ritual tem que ser concluído, não é?”

    “Sim… Quer dizer, eu não sei…” A princesa juntou as mãos sobre o peito, os olhos aflitos. 

    Mas, de repente, ela sentiu um choque forte, como se seu coração tivesse sofrido algum ataque desconhecido e ela caiu, abraçando o próprio corpo. 

    “Eirlys? Eirlys?!”

    Sora se alarmou e tocou os ombros da garota paralisada e com os olhos bem abertos, como se tivesse visto um fantasma. Ela percebeu que seu corpo estava extremamente frio. Não só isso, estava literalmente, congelando. 

    Havia camadas de gelo cobrindo sua bochecha e o pescoço, e estava se espalhando de forma anormal. 

    “Não, não. Isso não pode estar acontecendo!”

    Sora pressionou as mãos contra a pele gelada, tentando aquecer à força, mas sentiu o frio cortar até os ossos. “Droga…! Tem que ter um jeito de parar isso!”

    Ela tirou o próprio casaco e cobriu a amiga, esfregando seus braços, como se o atrito fosse o suficiente para retirá-la daquele transe mortal. 

    “Eirlys, me responda! Fica comigo! Não feche os olhos agora!”

    O gelo estalava, avançando pelo corpo da garota, e o desespero de Sora só aumentava. Ela estava ofegante, não de cansaço, mas o ar estava pesado e difícil de puxar. 

    Foi quando um silêncio macabro explodiu de repente, não sobrou nada além de uma frequência sonora que silenciou até mesmo seus pensamentos.  

    O chão cedeu no centro daquela imensa caverna e uma sombra avançou para fora, sem aviso. 

    A garota olhou para ela, paralisada. Viu aquela forma grotesca com enormes olhos cintilantes a encarando. Não dava para ver a proporção de seu tamanho devido à escuridão que as cercava, mas, certamente era imensa demais para aquele lugar. 

    A mente de Sora entrou em curto. O coração disparado e os pensamentos confusos — tudo gritava para a verdadeira identidade daquela coisa macabra, que se apresentou tão terrivelmente para ela. 

    Nivorah…

    Os calafrios que doíam no corpo avisavam do perigo que estava correndo. 

    Seu corpo estava congelando assim como o de Eirlys, mas não havia nada que ela pudesse fazer. 

    Eu já estou morta mesmo… Está tudo bem se ela me consumir…

    Ela já tinha aceitado o fim. Já tinha aceitado que se tornaria apenas uma sombra como aquelas que perderam seus caminhos. 

    Agora, tanto faz …

    A desistência estava à porta quando uma faísca elétrica violenta vibrou, cortando o chão entre elas e à entidade, lançando estilhaços de gelo e rochas e levantando uma cortina de poeira. 

    Um som como um único toque de um sino ecoou e Sora foi lançada para cima, bem alto. Quando ela voltou a si, sentiu apenas o vento batendo contra suas costas enquanto caía na escuridão. 

    “Hã?!”

    Ela gritou. E segundos depois foi agarrada pela cintura, e pousou em segurança. 

    “Você tá bem?”

    Mayck perguntou, verificando de perto o rosto levemente congelado de Sora. Eirlys estava em seus braços, ainda fora de si. 

    “Ahh~ Que bom que eu cheguei a tempo.” O garoto suspirou, visivelmente abalado. 

    “M-san… Você… O que aconteceu com você…?!”

    Sora estremeceu quando tocou o rosto do garoto. Havia sangue escorrendo, cobrindo metade dele, os olhos também estavam avermelhados e havia alguns cortes visíveis. 

    “Ah… eu tô legal… Isso não é nada. Mais importante, o que houve lá embaixo? Me desculpem por empurrar vocês… Não. Quer dizer, é melhor a gente sair daqui logo. Parece que Nivorah acordou de vez. Era aquela coisa lá embaixo?”

    Ele desviou o olhar levemente atordoado para baixo, fazendo perguntas atrás de perguntas, mas logo seu rosto foi puxado por Sora em sua direção. 

    “Ei! Você não tá bem coisa nenhuma! Se acalma, tá legal?”

    A garota lançou-lhe um olhar furioso e Mayck não respondeu nada. 

    “Eu não vim aqui pra deixar vocês lutarem sozinhos. Eu não sou um peso morto, entendeu?”

    Ele assentiu, levemente chocado. Já sabia sobre a personalidade forte da garota, mas não esperava vê-la em primeira mão. 

    Lembrava até uma certa garota de olhos vermelhos nesse quesito. 

    “Tá legal, eu já entendi. Não precisa se preocupar com isso.” Mayck se afastou e virou o rosto. “Vamos sair daqui logo. As sombras pararam, mas eu acho que isso tudo só vai piorar.”

    Não que eles tivessem tido algum progresso relevante durante aquele passeio infernal.

    Durante esse tempo, Eirlys despertou.

    “M-san…”

    “Ah… Está se sentindo bem?”

    Mayck olhou para baixo e encontrou os olhos dela. Colocou-a no e ajudou ela a se levantar. 

    “Sim… só uma tontura.”

    “Ainda bem…” Sora soltou um suspiro de alívio. 

    Eirlys olhou para Mayck e ficou chocada ao ver o estado em que estava. Mas antes que o assunto pudesse se repetir, o garoto a cortou, levando a atenção delas para outra coisa. 

    Ao redor deles, no alto, estavam as almas, silenciosas, pairando no ar como se estivessem presas em pensamentos. 

    “Isso… é bem mais assustador do que ser perseguida, de certa forma. O que aconteceu com elas?”

    “Eu não sei”, Mayck respondeu. “Elas pararam de se mover no momento do terremoto e se juntaram lá em cima.”

    “Elas… devem estar se preparando”, disse Eirlys, baixando a cabeça. 

    “Como assim?”

    “Quando eu ouvi o som de Nivorah… foi como… como se ela estivesse me chamando para algum outro lugar… para me dar ordens, eu não sei bem como explicar…”

    Apesar de dizer que estava bem, a garota ainda parecia estar sentindo náuseas, embora as camadas de gelo já tivessem derretido.  

    “Acho que entendi. Aliás, quando o ritual deveria ter terminado?”

    “Hm? Ao meio dia de hoje, eu acho.”

    Mayck ponderou por um momento. Tinham entrado ali antes que amanhecesse, mas agora ele não fazia ideia do horário. Se isso estivesse de acordo com o cronograma do ritual, então o próximo passo seria os servos irem em busca do escolhido. 

    “Mas Arden vai atacar… Não. Espera.”

    “O que foi?”

    “Não… eu só estava pensando… Não é Nivorah quem busca o escolhido, são os servos, certo?”

    “Sim. Mas o que isso tem a ver?”

    “Como é que Arden vai atacá-la se ela não estiver na cidade?”

    Eles refletiram em silêncio por um momento. Foi quando Eirlys arregalou os olhos, visivelmente assombrada pela resposta que apareceu diante dela.

    “Não tem um escolhido…”

    Era tão óbvio que parecia extremamente doloroso…

    “Os servos não vão conseguir o suficiente na cidade, então Nivorah vai sair.”

    Lembrando que o escolhido era uma espécie de bateria de Nheria recarregada durante dez anos — metade da cidade não serviria como substituta.

    Foi nesse momento que ouviram um segundo tremor, junto ao uivo glacial e profundo. 

    Assim que se viraram para o abismo, uma luz intensa brilhou como um feixe poderoso em direção ao teto. E então o destruiu com um estrondo que abalou toda a montanha. 

    O céu se abriu — foi assim que pareceu — e agora tudo ficou claro. Cada parte daquela imensa caverna, cujo tipo foi desintegrado por um único feixe de luz. 

    Mayck puxou as duas garotas para se protegerem das rochas que caíram. As almas reunidas na caverna subiram e avançaram para fora, como uma legião de demônios indo para porcos, deixando claro o que viria em seguida. 

    Sora olhou aterrorizada. Tendo experimentado pessoalmente o que aconteceu à mãe de Varian, imaginar que isso seria triplicado em breve lhe causava sentimentos intensos e inexplicáveis. 

    “Não… Não, não…!”

    Ela estendeu a mão, movida por um impulso de sair correndo, mas Mayck a impediu.

    Então uma sombra colossal subiu em direção ao topo da caverna. Tinha o formato de uma lagarta branca, imensa, cujo corpo parecia carregar o próprio conceito de gelo. 

    Aquela era Nivorah.

    Os três olharam abismados, mas agora não era hora de admirar. 

    Eirlys agarrou os ombros de Mayck. Encarou-o firmemente. Moveu os lábios ligeiramente. 

    “Nós precisamos derrotá-la! Aquilo vai destruir tudo. Meu pai estava certo. M-san, por favor!”

    O garoto não soube responder imediatamente, mas, no fundo, sabia exatamente como a princesa se sentia. 

    Aquele peso esmagador de ter acreditado em algo que estava muito longe de ser real. 

    Por fim, ele respirou fundo. Fechou os olhos brevemente. E então disse:

    “Você tá certa. A gente precisa matar aquilo logo.”

    Ele se levantou e estendeu as mãos para as duas garotas, ajudando-as a se levantar. 

    “Eu não sei como sobreviveram lá embaixo, mas vocês precisam fazer o seguinte: a cidade deve estar um caos agora. Juntem-se ao capitão Takeda e dêem um jeito nessas almas.” 

    “Mas e quanto a você, M-san?! Você tá pensando em lutar sozinho?! Não seja tão imprudente…”

    “Relaxa. Eu vou só segurar a barra. Não sei o que o rei tem planejado, mas ele também vai lutar. A gente deve dar um jeito.”

    As garotas estavam apreensivas. Divididas entre fazer o que ele disse e recusar com firmeza. 

    Mas não puderam dizer mais nada quando viram os olhos calmos do garoto. 

    “Tudo bem… Nós vamos ir em segurança”, disse Sora. “Mas me prometa que não vai colocar sua vida em maior risco. Me prometa.”

    Ela segurou o pulso de Mayck, olhando firmemente em seus olhos. Ele desviou o olhar e lentamente a fez soltá-lo.

    “Eu vou voltar vivo”, respondeu. “Vão logo. Sem perder tempo.”

    Ele deu as costas a elas. 

    Eirlys não se moveu, mas Sora a puxou levemente. 

    “Vem.”

    Então ambas correram para a saída da caverna, após dar uma última olhada no garoto, que empunhou sua espada mais uma vez. 

    Ele olhou para cima. Apertou o cabo da espada. Os músculos se contraíram, e então num impulso poderoso de seus pés e pernas, ele saltou. 

    A montanha era imensa, mas ele podia ver a luz no final, onde também encontraria a forma inicial de Nivorah, prestes a destruir tudo. 

    Eu me pergunto porque ainda me meto nesse tipo de merda.

    Usando eletricidade, vento e jatos de águas para agirem como propulsores, ele se prendia nas rochas e seguia escalando.

    Conforme avançava, via o objetivo mais próximo. Quando percebeu o corpo imenso de Nivorah, preparou sua espada para um golpe poderoso assim que saísse.

    Mas então um brilho ofuscou seus olhos.

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