Capítulo 47 - Mistérios enterrados
Mayck verificou tudo que Nikkie enviou, apesar de ter ficado meio preguiçoso na metade do trabalho, e quando terminou, percebeu que havia jogado uma hora e meia fora, visto que só decorou parte das localizações das pistas.
Contudo, o que ele deixou em sua mente foi o fato de todas as vítimas encontradas estarem na faixa de 4 à 15 anos.
Vendo por este lado, poderia presumir que havia um motivo para isso: por ser nessa idade que as IDs eram mais manipuláveis — na verdade, até o despertar completo era possível moldá-la e ter uma chance, que era extremamente baixa, de conseguir um poder específico.
Mas isso era algo incerto. Até porque uma ID era um mistério até ela ser manifestada.
Se não me engano, Kihon me disse que essa chance era menos de 0,0000… não me lembro bem.
Entretanto, considerando o estado em que os corpos foram encontrados, os experimentos, talvez, não tenham dado certo.
Aquele era o real objetivo dos institutos? Mayck martelava em sua mente o que eles buscavam. Se fosse apenas poder, seria óbvio demais; coisa de vilões clichês, mas ele não podia simplesmente descartar a possibilidade.
Bom, a parte dos alvos serem crianças não é exatamente um mistério… então por que Nikkie me deu esse trabalho?
Ponderando por um momento, a realidade veio sobre o garoto, que sentiu um gosto amargo em sua boca.
“Ela quer que eu resolva isso?”
Poderia não ser isso exatamente, mas, ao menos, ele teria que auxiliar os times Alfa e Delta naquela missão.
“Que garota…”
Mayck levantou seus braços em uma breve alongada e levantou-se da cadeira.
Minha bunda deve ter ficado quadrada…
A porta foi repentinamente aberta por Jade, que o chamou para jantar.
“Eu fiz algumas coisas… não sabia o que fazer, então pesquisei alguns pratos japoneses na internet.”
“Você não precisava fazer um prato japonês especificamente… bom, tudo bem. Vamos ver o que você conseguiu fazer.”
Mayck saiu do seu quarto e desceu para a cozinha com Jade.
“Ah, e quanto ao seu pai? Ele vai jantar fora? Com medo de fazer besteira, eu acabei fazendo pouco só pra nós dois…”
“Ele não deve voltar essa noite. Não se preocupe.”
Se não for por interferência de Nikkie vai ser pelo trabalho. Então não tem problema.
Ao descer as escadas, Mayck já pôde sentir o aroma da comida vindo da cozinha e supôs que havia arroz no meio.
“Eu tentei seguir a receita, mas ainda não consegui fazer perfeitamente” Jade falou, meio cabisbaixa, se lembrando de como foi difícil preparar aquilo.
“Não se preocupe. Toda primeira vez é complicada.”
Mayck sentou-se à mesa e analisou o prato.
Ah… é só arroz e omelete… bom, acho que tudo bem.
Os dois começaram a comer. Na verdade, Jade ficou um pouco atordoada e nem tocou na comida. De vez em quando seus olhos eram direcionados à Mayck e quando ele notou, conseguiu entender o que se passava.
“Fica de boa. Não é todo mundo que sabe usar os pauzinhos.” Mayck se levantou e foi até ela, que estava sentada na cadeira à sua frente.
“Eu tentei aprender uma vez… mas ainda não consigo.”
“Eu vou te dar uma pequena ajuda. Vem cá, me dê sua mão.”
Ele pegou a mão da garota e a manuseou conforme seu conhecimento de usar hashis mandava.
“Agora você faz isso… e pronto.”
Terminado de instruí-la, ele notou que Jade não estava olhando para ele e estava muito quieta.
“O que foi?”
“An? Na-nada, não. Obrigada.” Ela estava com seu rosto bem avermelhado, mas conseguiu disfarçar e começou a comer.
Depois de terminarem a refeição, Mayck se propôs a lavar os pratos e deixou Jade livre para ir assistir TV, o que ela desistiu de fazer depois de poucos minutos já que não entendia uma palavra sequer do que se falava nos programas.
Por conta disso ela subiu para o quarto de Mayck e ficou usando o celular.
Sozinho, Mayck refletiu mais um pouco sobre a investigação dos institutos e o caso da sua não existência para algumas pessoas.
Em meio a diversos questionamentos que não teriam respostas se ele ficasse parado, ele viu que, mesmo deixando Nikkie cuidar do caso, uma ansiedade o fazia querer se mexer.
Desculpa, Nikkie, mas eu tenho que fazer alguma coisa. Além do mais, a pessoa que mexeu nas memórias do meu pai pode ter alguma coisa a ver com os institutos.
Que havia alguém o alvejando, não era surpresa. Mas a pergunta que pairava no ar era o porquê disso.
Mayck precisava encontrar tal pessoa a todo custo.
É. Eu vou fazer alguma coisa. Quem quer que seja que esteja tentando me fazer de idiota vai pagar por mexer com a minha família.
Além do mais, o casamento de Takashi iria acontecer em breve. Nessa situação, Mayck não poderia ver isso acontecer. Mas também havia um outro motivo: seus avós. Se quando eles chegassem, Takashi ainda não tivesse lembranças do próprio filho, coisas ruins poderiam acontecer.
A identidade dos portadores estava em risco.
Depois de lavar a última tigela, Mayck secou as mãos e foi para o seu quarto.
Como não havia outra forma, Jade teve que dormir com ele, não na mesma cama; a garota poderia enlouquecer caso Mayck sugerisse isso. Então, ele pegou um colchão sobressalente no guarda roupa e dormiu nele, cedendo sua cama para sua prima.
***
No dia seguinte, após o café da manhã, Mayck decidiu contar tudo a Jade. Assim, ele poderia obter a ajuda dela e prevenir outros problemas desconhecidos no futuro.
“Jade, tem um minuto?” O garoto a chamou enquanto ela se distraía com um caderno.
Na mesma manhã, ela havia pedido que Mayck a ensinasse um pouco da língua japonesa. Pois, segundo ela, seria horrível estar em um país sem saber o idioma predominante. E como seu inglês também não era dos melhores, a situação só ficava mais complicada.
“O que foi?”
“Eu preciso te falar algo importante. Mas, primeiro, me desculpe.” Ele inclinou o corpo, deixando Jade confusa. “Eu agi muito mal com você daquela vez.”
Ele se referiu a quando a dispensou antes da batalha final contra a organização.
“A-ah, tá tudo bem.” Jade se levantou e balançou suas mãos rapidamente. “Eu que fui intrometida demais…”
“Não. Na verdade, você estava certa. Então, dessa vez, eu quero pedir a sua ajuda. Eu menti quando disse que meu pai não iria voltar ontem.”
“An? Como assim? Mas ele não voltou, né?”
“Pois é. Ele não voltou. Mas ele não me falou isso. Eu nem consegui encontrar ele. Quando nós chegamos, ele deveria estar esperando a gente no aeroporto, mas isso não aconteceu por um motivo.”
“E que motivo é esse?” Jade estava apreensiva. Ela não sabia o que esperar a seguir.
“Alguém apagou as memórias de que eu sou filho dele.”
“Apagou? Espera… com assim?”
“É isso mesmo. Tem alguém tentando me atacar. Pra isso, essa pessoa decidiu começar me abalando mentalmente.”
“Então algum inimigo está tentando te atacar? Mas por que?”
“Isso eu não sei. Eu preciso que você me ajude a descobrir. Eu tenho uma ideia: se a pessoa apagou, especificamente as memórias sobre mim, ela deve ser alguém próximo.”
“Entendi…” Jade ponderou por um momento e levantou os olhos determinada. “Então, o que você precisa que eu faça?”
“Eu quero que você refaça seus passos. Você tem que entrar em contato com meu pai.”
“Como vamos fazer isso?”
“É simples. Apenas mande uma mensagem para ele e diga que está chegando. Ele vai te buscar na estação ainda hoje.”
“Hoje? Mas ele não está no trabalho… ah, entendi. O casamento.”
Mayck assentiu.
“Com o casamento próximo, ele não vai trabalhar por um tempo a partir de hoje. Então é perfeito para você ficar na casa e conseguir informações.”
“Certo… mas e quanto a você? Onde você vai ficar?”
“Não se preocupe comigo. Eu vou ficar na casa de um amigo até tudo se resolver.”
Jade ficou nervosa e Mayck percebeu isso. Era tudo muito repentino e não seria surpresa se ela pensasse que era alguma brincadeira de mau gosto.
Porém, a expressão séria no rosto de Mayck ajudou a descartar essa possibilidade.
“Vamos arrumar tudo. Não podemos deixar nenhuma pista de que estivemos aqui.”
Jade concordou e os dois começaram a limpar as coisas e sumir com todas as evidências de que eles usaram alguma coisa.
Depois de tudo pronto, eles pegaram as malas e saíram da casa. O destino era a estação. Jade mandaria a mensagem de lá e esperaria Takashi aparecer.
Mayck deduziu que, se apenas tudo relacionado a ele tivesse sido apagado, então deveria ter alguma lembrança de que Takashi estaria esperando por alguém.
“Quando você ver ele aparecer, se esconda por alguns minutos depois que o trem chegar. Eu te enviei uma foto do meu pai, caso você não se lembre do rosto dele.”
“Tá bom. Eu só preciso ficar quieta sobre você e tentar encontrar algo estranho, certo?”
“Correto. Muito bem, nos vemos depois. Me mande mensagens quando descobrir algo novo.”
“Tá legal.”
Mayck se despediu de Jade e seguiu por outro caminho.
Apesar de ter dito que ia passar o tempo na casa de um amigo, ele não tinha muitas pessoas com quem contar, então se dirigiu para a base da Black Room.
Antes de chegar lá, ele enviou uma mensagem para Nikkie com antecedência, solicitando uma máscara nova.
“O que foi que você fez com a outra?” Nikkie questionou no momento em que se encontraram.
“Bom, é uma longa história. Você não vai querer ouvir.”
“Ah, tudo bem. Mas não saia destruindo máscaras por aí. Nosso estoque não é infinito.”
Nikkie lhe entregou uma máscara parecida com a que Mayck tinha anteriormente e os dois começaram a caminhar até a sala de Zero.
“Okay. Vou tomar mais cuidado. Além do mais, vocês têm quartos por aqui?”
“Por que isso do nada? Nós temos sim, mas são os quartos dos soldados. Você precisa de um?”
“Na verdade sim. Por causa da minha situação, eu sou tecnicamente um estranho lá em casa.”
“Entendi. Bem, vamos falar com Zero, de qualquer forma, é ele quem toma as decisões por aqui.”
“Certo.”
Como sempre, Nikkie chegou até a sala e confirmou sua digital no dispositivo acoplado ao lado da porta automática de metal.
“Oh, M-san, há quanto tempo. O que o traz aqui?”
“Olá. Eu tenho um pedido pra você, mas antes, vamos falar sobre um outro assunto.”
Após entrar na sala, o garoto se abaixou e abriu sua mala, contendo suas roupas e outros pertences. Ele retirou dela uma fita de vídeo k7 e mostrou para os dois superiores da organização.
Imediatamente, Zero determinou sobre o que se tratava, dada como aquela fita era antiga.
“Será que isso é…”
“Provavelmente.” Mayck acenou com a cabeça. “Mas não perguntem como a consegui. Finjam que foi o destino.”
“Está escondendo algo, né?”
“Bom, tudo bem. Você se esforçou para conseguir isso, então eu vou atender o seu pedido de sigilo. Vamos ver o conteúdo dela.”
Zero estendeu a mão e tomou a fita de Mayck e a examinou. A fita era velha e tinha alguns sinais de desgaste. Mayck pensou que talvez aquela caixinha não fora o suficiente para impedir o tempo de atacar aquele objeto.
“M-san, poderia chamar Michio? Quero que ela veja isso.”
Mayck o fez, e depois de um encontro caloroso com a pequena cientista, que estava dormindo quando ele a encontrou, eles voltaram para a sala, onde Nikkie e Zero os esperavam.
“Michio, dê uma olhada nisso.” Zero entregou a fita para a garota, que analisou-a com cuidado, apesar da sonolência.
“Mmm… deixa eu ver… isso aqui é muito antigo, né? O que é isso? Um vídeo de infância seu?”
“Não é nada disso.” Zero suspirou. “Então, acha que ainda dá pra ver o conteúdo?”
“Acho que sim… mas é mais seguro transferir pro digital. Colocar essa fita em um leitor nesse estado pode danificar o conteúdo.”
“Entendo. Então, por favor, faça isso.”
“Vai levar algum tempo. Então, esperam aí.”
Com os olhos de todos fixados nela, Michio correu da sala energeticamente, mesmo seu rosto não demonstrando isso.
“Certo. Enquanto esperamos, vamos falar de trabalho. Você acha que pode fazer aquilo por nós?”
“Fala dos institutos? Olha, eu não quero pensar no que exatamente vocês querem que eu faça, mas eu posso investigar isso.”
“Não queremos que você faça muita coisa. Como a polícia está envolvida nesse caso, é muito difícil enviar um grupo grande. Por isso, nós escolhemos apenas dois times para essa missão.”
“Além do mais, tem a possibilidade da Strike Down se mover também. Um grupo grande vai alertá-los.”
Mayck balançou a cabeça em reprovação.
Eu ainda não entendo como dois grupos com o mesmo objetivo possam ter ideais tão diferentes.
“Então tudo bem pra vocês se eu tomar minhas próprias decisões, certo? Não estou sob as ordens de vocês, então isso é apenas um favor.”
“Claro. Você é livre para fazer seus próprios julgamentos. Mas tenha em mente que o fio que nos liga é muito fino.”
Zero quis dizer que qualquer erro poderia torná-los inimigos.
“Eu sei.”
Enquanto conversavam, Zero notou algumas figuras em frente a sala pelo computador e abriu a porta, dando passagem para um grupo de cinco pessoas.
“Com licença, Zero-san.”
Como de costume, esse grupo estava com máscaras em seus rostos.
“Oh, boa hora. Eu quero apresentar pra vocês a pessoa que estará cooperando na missão. M-san, esses são os integrantes do time Alfa. Lily, Kai, Luna, Ethan e Mia.
“Conto com vocês nessa missão.” Educadamente, Mayck inclinou sua cabeça e o gesto foi repetido pelo time Alfa.
“Digo o mesmo. Espero que possamos nos dar bem”, Lily que parecia ser a líder, falou.
“Nós ouvimos um pouco sobre você do time Delta. Eles disseram que você é bem forte. Aguentou uma luta sozinho contra um dos ratos do Yang.” Ethan parecia alegre com a presença de Mayck ali.
“… Não foi nada de tão impressionante…”
“Como não? Todo mundo sabe que subordinados diretos de Yang são monstros. Aguentar tanto tempo contra eles e sozinho, é realmente incrível.” Kai reforçou o argumento de seu companheiro.
“Agora que vocês se conhecem, espero que cooperem juntos. Ainda mais porque essa é uma missão muito importante. Ela põe em risco não só os portadores, como a vida de milhões de crianças inocentes.”
“Sim, claro. Nós entendemos.”
“Falando nisso, M-san acabou de trazer a continuação daquele vídeo que vocês encontraram uma vez. Michio está fazendo a transferência para digital, então é bom que vocês também vejam. Vou passar para os outros depois.”
“A continuação?” O grupo olhou para Mayck como se ele fosse algum tipo de humano super conveniente.
“Como você conseguiu ela? Nós rodamos o país inteiro e nada.”
“Isso mesmo. Onde foi que você achou?”
“… Bem… isso é segredo.”
“Zero-san… terminei…”
Uma Michio caindo de sono aparece na sala com um pendrive nas mãos.
“Oh, já está pronto? Ótimo, vamos ver aqui mesmo.”
“Ah, isso não vai dar…”
Michio afastou o pendrive de Zero e continuou.
“Essa coisa está criptografada. Se quiser ver o que tem aqui, tem que falar com a equipe de descriptografia.”
Ao invés de ficar decepcionado ou cabisbaixo, Zero ficou ainda mais motivado. Isso porque o fato do conteúdo ser protegido com criptografia reforçou as chances de ser a continuação do vídeo que viram na primavera.
Nikkie e Zero se entreolharam e balançaram suas cabeças.
“Perfeito. Vamos para a sala de controle.”
Sem perder tempo, eles seguiram para a sala.
Depois de vinte minutos de longa espera, o conteúdo já podia ser visto.
No vídeo, que estava sendo transmitindo na tela maior da sala, o mesmo homem do vídeo anterior continuou sua fala interrompida, exatamente de onde parou.
“… Essas inúmeras pesquisas levaram eles a encontrarem escritos antigos que revelavam lugares na Terra nunca antes visitados na época das grandes navegações…
Uma tosse repentina o fez parar sua narração. O sangue que saiu de sua boca denunciava o seu péssimo estado de saúde.
“Parece que ele não aguentou por muito mais tempo depois disso”, Nikkie sussurrou.
Depois de limpar o sangue, o homem continuou.
“Alguns matemáticos, físicos e historiadores entraram nas pesquisas com o único objetivo de desvendar aqueles escritos, que depois de traduzidos, revelaram cálculos nunca antes vistos. Não havia nada que dissesse o que era, apenas desenhos abstratos de círculos e mãos ao redor.”
Mayck escutava atentamente, evitando perder uma única palavra do ele falava.
Círculos e mãos…?
A lembrança da criatura com quem lutou no Brasil e o que sentiu na hora vieram à tona.
“Após vários anos tentando decifrar e finalizar aqueles cálculos, Yin e todos os envolvidos chegaram à conclusão que…”
Com isso, o vídeo foi encerrado, restando apenas o número dois em algarismos romanos na tela.
Todos voltaram à realidade com o fim da reprodução.
“Acabou na metade de novo… Mas essa segunda parte teve mais informações que a primeira”, Mayck observou.
Não só ele, mas todos os espectadores pensaram da mesma forma e não foi difícil para cada um chegar a uma conclusão.
“Ele falou “lugares na Terra nunca antes vistos”, né? O que ele quis dizer?” Ethan perguntou.
“Pode ser que ele estivesse se referindo à ilhas…”
“Mas isso não faz sentido. Lugares na Terra nunca antes vistos… Nós temos eles nos mapas?”
Algo assim seria difícil de saber. A possibilidade de ele estar falando de ilhas que já estavam no mapa naquela década eram altas, já que o vídeo parecia ter sido gravado há muito tempo.
“Se for assim, então nós teríamos que visitar todas as ilhas…”
A discussão continuou evoluindo, enquanto Mayck pensava sobre outra coisa que surgiu em sua mente repentinamente. Algo que ele nunca tinha notado antes. Nem ele, nem ninguém.
“Pessoal, espera aí, qual o nível de fluência em inglês de vocês?”
“Inglês? Bom… eu não sou tão bom assim.”
Essa resposta foi partilhada por todos ali, com exceção de Zero que era o mais fluente no inglês.
“Mas por que isso?”
“Bom, vocês falaram que não são tão bons em inglês, mas conseguiram entender todo o vídeo.”
A sala foi tomada por um clima sombrio, tenso e misterioso. Os batimentos de todos estavam acelerados e mesmo que eles não entendessem o motivo, sentiram arrepios percorrendo seus corpos.
“An…? Do que está falando, M-san? O vídeo inteiro estava em japonês.”
“Japonês… eu escutei ele todo em inglês.”
Na verdade, Mayck não o ouviu em inglês, mas, sim, em português. Ele só mudou o idioma para proteger sua identidade.
“Você tá falando sério…?” Luna ficou inquieta e pôs a mão sobre seu peito, tentando conter o nervosismo.
“Não tenho porque mentir. Eu ouvi tudo em inglês.”
O silêncio se instaurou na sala. Por algum motivo sombrio, todos concordaram, sem dizer uma palavra, que era melhor deixar aquilo de lado.
<—Da·Si—>
No interior de uma floresta em uma parte não localizada no Japão, havia uma construção subterrânea imensa.
Essa construção era como uma escola, porém, ninguém sabia sobre ela, nem mesmo o alto escalão da Strike Down. Mas era para isso que ela foi projetada, para ser um instituto invisível aos olhos do público em geral; portadores ou não.
Aquele instituto possuía uma ampla variedade de equipamentos, à primeira vista, desconhecidos. Mas qualquer um saberia dizer o que era se visse as crianças sendo alocadas para tubos de vidro enquanto um supercomputador calculava e registrava diversos parâmetros.
Aquela era a sala de testes de ID. Com um software desenvolvido pelos próprios funcionários, os computadores conseguiam penetrar na parte mais inacessível do cérebro dos indivíduos.
Esse acesso permitia um estudo aprofundado de como funcionava cada parte do cérebro e como manipulá-lo.
Entretanto, mesmo com essa tecnologia, eles não conseguiram, nenhuma vez, atingir sua verdadeira ambição: uma ID que superasse qualquer outra já existente.
Uma mulher com um terno preto caminhando por um corredor vazio ouvia as desculpas de um senhor usando um jaleco branco.
“Me desculpe, senhora. Nunca pensamos que uma das crianças conseguiria fugir. Foi um grande erro.”
“Não quero saber de desculpas. Desde que o governo ou a Strike Down não saibam a nossa localização, está ótimo.”
Ela virou-se para o senhor e levantou seu dedo indicador em direção a ele.
“Mas eu não vou tolerar outra falha com essa. Entendeu?”
“Si-sim, senhora. Não vai se repetir.”
Ela tornou a andar.
“E como estão os experimentos? Algo novo?”
“Até agora nada, senhora. Mas nós vamos continuar buscando algo que podemos usar. A única ID que achamos de mais especial entre todas é o experimento 35.”
“Hum… e o que ele tem de especial?”
“De acordo com os testes, se for usado da maneira correta, é possível negar uma outra ID.”
“Como uma espécie de anulador?”
“Isso mesmo. Porém, ainda não sabemos quais são as condições de ativação. Uma das equipes está totalmente focada nela.”
“Ótimo. Mas não deixem os novatos de lado. Pode ser que haja alguma flor no meio desse lixão.”
“Sim, senhora.”
Em outro lugar, não muito longe dali, havia uma clareira artificial, criada para que as crianças tivessem contato com a natureza.
Lá, as crianças brincavam e se divertiam umas com as outras, enquanto levavam os experimentos como uma rotina natural.
Um garoto, de aproximadamente 11 anos, sentado em um banco de praça observava os pássaros voando livremente.
Ele pensava em como seria se pudesse voar como eles. Talvez fosse melhor do que continuar com aqueles testes dolorosos.
Isolado em um canto, qualquer um que o visse teria total certeza que o garoto não possuía amigos e os únicos que falavam com ele eram aqueles que o atormentavam.
Além dos experimentos frequentes, as crianças eram ranqueadas entre si, nas notas, nos esportes e, principalmente, em seu poder.
Era como um colégio de elite fictício.
No entanto, como era de se esperar, esses ranques abriram portas para o preconceito e o desprezo, que, desde cedo, as crianças eram ensinadas a se porem em seus devidos lugares.
“Olha quem tá aí de novo.” Hielo, se aproximou do garoto, junto com três amigos. “Olha, pessoal, o imbecil do Leer tá viajando de novo.”
Por algum motivo, os quatro começaram a rir.
Leer os olhou de canto e se encolheu.
Vai começar de novo…
“O que você está olhando aí? Me fala?”
“…”
“Nada, não é? Então vem brincar com a gente.”
Sem esperar uma resposta, Hielo e seus amigos puxaram Leer do banco e começaram a empurrá-lo de um lado para o outro como se fosse uma bola.
Sem forças para reagir, Leer apenas gemia de dor com os impactos enquanto tentava aguentar tudo em silêncio.
Ele era importunado diariamente, como se fosse parte da rotina desses quatro garotos. O medo de ser feito de alvo fez com que as outras crianças também o evitassem. E ele aprendeu, com o tempo, que ficar calado diminuía o tempo de importunação.
“Gente, sabe o que eu descobri?” Abura comentou. “O Hayato me contou que Leer significa vazio em alemão. O que quer dizer que Leer é um inútil sem poder.”
Outra chuva de gargalhada. As crianças em volta se afastaram para não serem arrastadas para o escárnio.
“O que vocês estão fazendo?” Uma garota chegou por trás de Hielo e deu um chute no meio de suas pernas.
Hielo gritou e caiu com a dor.
“Déni… maldita…”
“Eu já falei várias vezes para não mexer com o Leer. É só eu sair de perto que vocês começam.” Déni os encarou.
“Ugh… você vai pagar por isso…”
Hielo se levantou e foi conduzido por seus amigos para outro lugar.
“Desculpa, Leer, hoje os experimentos demoraram demais. Vem, levanta.” Ela estendeu a mão.
“Uhum.” Ele balançou a cabeça em negação e aceitou a ajuda. “Não é culpa sua. Mas porque é que Hielo tem tanto medo de você?”
“Não sei. Talvez ele saiba como eu sou forte.” Ela exibiu seus braços.
“Hahaha. Pode ser isso.”
Os dois começaram a conversas e a rir. De fato, Déni era a única pessoa que conseguia fazer Leer falar tão abertamente.
Desde que se conheceram, eles ficaram inseparáveis. E eram só os dois, apenas os dois.
Alguns dias depois, Leer e Deni estavam ao pé de uma árvore. Seus olhos melancólicos direcionados para um pequeno passarinho no chão.
“E o que vamos fazer? Ele caiu do ninho?”
“Pode ser… mas eu já vi em um livro que tem alguns pássaros que jogam seus filhos fora quando eles nascem com alguma deficiência.”
“Sério? Que mãe horrível ela é. Tomara que seja comida por uma cobra.”
“Ca-calma. Talvez na seja isso.”
“Não é?”
“Uhum. Talvez ele tenha caído do ninho enquanto sua mãe saiu para buscar comida.”
“Nossa Leer, você é muito inteligente. Acho que daria um ótimo professor.”
“Você acha? Haha…”
“Então, se ele caiu, a mãe dele vai ficar preocupada quando voltar. Não é melhor colocarmos ele de volta no ninho?”
“Sim, mas… como vamos fazer isso? A árvore é muito alta.”
Eles olharam para cima, contemplando a diferença de tamanho entre eles e a árvore a sua frente.
“O que tão fazendo? Ah! Isso é um pássaro? Que demais!” Hielo se aproximou deles e pegou o pássarinho.
“Ei, bobão, devolve ele! Nós vamos colocar ele de volta no ninho.”
“Colocar ele no ninho? Sendo pequena desse jeito? Hahaha. Que idiota. Você não vai conseguir fazer isso. Além do mais, é possível que a mãe dele tenha jogado ele lá de cima por ser um inútil.”
“Não precisa me falar isso. Leer já me contou. Ele é muito mais inteligente do que você, babaca.”
Aquelas palavras perfuraram Hielo com flechas. Ele não iria deixar isso passar. Ser comparado com um verme? logo ele que era uma das crianças com ranques mais altos do instituto?
“A-ah… é mesmo? Mas já que você sabe, na importa quantas vezes tente levar o inútil de volta, ele vai continuar sendo jogado fora. Então é melhor acabar com o sofrimento dele.”
Hielo, movido por seu ódio, começou a espremer o passarinho entre suas mãos. O canto angustiado daquele animal, que tinha pouquíssimos dias de vida, deixaram claro a sua fragilidade nas mãos de crianças.
“Para! O que você tá fazendo? Tá machucando ele!” Déni saltou no garoto e tentou tomar a criatura de volta, mas sua altura a impedia de alcançar a mão levantada de Hielo.
Leer não pode se segurar, vendo o sofrimento do pequeno animal e também tentou ajudar. Mas, assim como sua amiga, ele não tinha altura o suficiente.
“Para, por favor… ele está sofrendo.”
As lágrimas no rosto das duas crianças inocentes não foram o suficiente para impedir Hielo, que sufocou e quebrou todos os ossos do passarinho, fazendo-o finalizar sua melodia de dor.
De repente ficou silencioso.
Déni caiu no chão desacreditada, com seus rosto nadando em lágrimas.
Leer, quieto, tentava processar o que aconteceu.
“Hahahaha! Ele morreu mesmo. E eu nem precisei congelar ele. Hahahaha! Toma, vocês não queriam ele?” Hielo jogou o corpo sem vida do passarinho aos pés de Leer e começou a caminhar, rindo de prazer.
Ele teria continuado se uma presença assustadora não o fizesse parar. Tomado de terror, ele se virou, apenas para ver Leer sendo consumido por uma sombra e materializar vários espinhos negros.
“Ah… o…” Sua voz não saiu. Suas pernas perderam as forças e o abandonaram, deixando-o cair no chão.
Os espinhos se moveram prontos para transformar o corpo de Hielo em queijo, mas um número considerável de guardas saltaram sobre Leer e o injetaram um líquido transparente no pescoço com a ajuda de um seringa.
Leer acordou em uma sala branca. Eles estava sentado em uma cadeira no centro da sala. A sua frente havia um vidro com um gato dentro e câmeras por toda a parte.
“O que tá acontecendo…? Que lugar é esse…? Déni?”
Em outra sala alguns adultos o observavam. Katy, a diretora do instituto, e alguns pesquisadores.
“Parece que ele despertou. Isso é impressionante. Depois de vários testes, nos já havíamos desistido dele e ele estava prestes a ser sacrificado, mas conseguiu virar o jogo.”
“Que seja.” Katy não ligava para o passado. “Ativem os discos.”
“Sim, senhora.”
Ao toque de um botão, dois discos serrilhado começaram a se aproximar do gato pelos dois lados aos olhos de Leer.
Ele se assustou no começo, mas, depois que se deu conta, temeu pela vida do animal e gritou por ajuda.
Mas ninguém veio.
A medida que os discos se aproximavam do gato, mais o desespero tomavam conta do garoto que começou a chorar.
“Ei, psiu…” Uma voz o chamou: era Déni, saindo de um tubo de ventilação.
Ela desceu e correu até Leer, tirando as fivelas de metal que o prendiam.
“Vamos fugir.”
“Mas… o gato…”
“A gente não pode fazer nada por ele.”
Déni o puxou e os dois fugiram pelo tubo de ventilação.
“Aquela pirralha maldita!” Katy esbravejou. “Vão atrás dela. Tranquem todas as saídas.”
“Sim!”
Numa tentativa desesperada de conseguir uma poderosa ID, Katy ordenou a captura das duas crianças, e não ficaria satisfeita até que o poder de Leer fosse completamente manifestado.
“Ei, o que está acontecendo?”
Sendo guiado por Déni, Leer a questionou.
“Eles tão tentando te pegar. Você ficou dormindo por cinco dias seguidos.”
“Quê?! Sério?”
Dois guardas armados apareceram na frente deles, os obrigando a entrar no primeiro corredor que viram.
“Continua correndo. Nós vamos sair daqui.”
“Sair…? Mas como?”
“Eu conheço um lugar. Eu ajudei alguns amigos escaparem por ele antes.”
Eles continuará correndo, na velocidade que suas resistências físicas permitiam. Mas os guardas estavam em maior número os carnaval cada vez mais.
Eles estavam ficando sem saídas e toda as suas esperanças se foram quando uma porta de metal caiu no caminho.
“Já chega vocês dois! Podem parar.”
Os guardas apontaram suas armas para eles.
“Fica atrás de mim, Leer.”
Déni deu um passo a frente e estendeu sua mãos. A temperatura do corredor esquentou, e uma onda de calor derreteu as armas dos guardas, que se queimaram no processo.
Katy, atrás deles sentiu aquela onda de calor. Mas ela não se importava com Déni. Seus alvo era, unicamente, Leer e sua misteriosa ID.
“Matem a garota. Não precisamos dela.”
Sem questionar, os guardas que sobreviveram ao ataque atiraram em Déni com tudo o que tinham.
A garota caiu no chão, e seu sangue escorreu pelo corredor.
Leer desesperado agarrou o corpo dela, já sem vida.
“Déni! Déni! Levanta! Vamos fugir, Déni!”
“Tragam o garoto. E joguem esse corpo fora.”
“Sim!”
Katy se virou de costas e os guardas passaram por ela como se fossem pedras sendo arremessadas.
O quê?!
Quando ela se virou, viu todos os guardas mortos e uma figura coberta por sombras segurando o corpo de Déni.
Katy sorriu. Um sorriso completamente psicopata decorou seu rosto. A prancheta em suas mãos com alguns dados, continha a letra “S” ao lado da imagem de Leer.
“Incrível! Isso é perfeito!”
Sua felicidade foi imensa a ponto de ela se sentir excitada com aquela visão.
Mas não durou muito. O espinho negro perfurou seu pescoço e completou a vingança de Leer.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.