Capítulo 58 – Ver para crer
O sol já estava chegando em seu ponto mais alto. Enquanto isso, Mayck, sem motivo nenhum, permanecia com seus olhos fixos nas poucas nuvens, mesmo que não houvesse nada especial nelas.
Já era o terceiro dia de aula depois das férias de verão e, naturalmente, o quarto dia desde que ele quase foi morto nas mãos dos guardas de um dos institutos.
Ele suspirou. Seus olhos voltaram para seu professor que continuava explicando a matéria.
Que entediante…
Ele não estava pensando isso apenas por causa da aula. A verdade era que, com os últimos incidentes, ele foi impedido de participar de um evento muito importante e que impactaria sua vida dali para frente: o casamento de Takashi e Suzune.
Ele até pensou em ir, mesmo que fosse obrigado a permanecer escondido, no entanto, por conta de seus ferimentos e da pouca energia que lhe restou, ele acabou ficando desacordado por três dias desde o incidente, acordando na madrugada deste dia.
Pelo menos, agora, eu posso me focar em apenas uma coisa. O problema com os institutos foi resolvido, de certa forma, então não vou ter mais tarefas bônus por um tempo.
Ao acordar, Nikkie lhe contou o que aconteceu depois que ele apagou. Como ele não entrou em contato como foi combinado, as equipes Alfa e Delta foram mobilizadas até a localização dele, e o encontraram desmaiado, assim como toda aquela destruição na floresta, que não poderia ser reparada tão facilmente.
Mas havia outra coisa. Algo que o deixou bastante intrigado, e talvez isso fosse pouco para descrever o quão confuso ele estava. Segundo Nikkie, uma outra pessoa foi encontrada no mesmo local, na mesma situação. Ela foi levada para uma sala médica separada e eles estavam esperando que ela despertasse.
Eu me pergunto quem foi… será que foi algum deles?
As imagens de Shiro, Kuro e Kasumi vieram à sua mente. Eles eram fortes, então não haveria outras surpresas além do fato deles terem sobrevivido.
Além disso, eles também capturaram um cara que estava fugindo pela floresta. Bom, o importante é que eles conseguiram resgatar uma grande parte das crianças em cativeiro…
Mas como a vida não era um mar de rosas, havia muitas crianças que não foram salvas a tempo, e não se tratava de dez ou vinte, mas de cem a duzentos.
Talvez não possamos resumir esse incidente como um grande sucesso…
Um outro suspiro fugiu de sua boca. Ele sentiu um olhar e, por instinto, acabou procurando por ele.
Imediatamente, Chika desviou os olhos para o livro, disfarçando.
Bom, não é surpresa. Deve ser estranho pra ela ver alguém aqui que ela não se lembra de já ter visto antes. E eu também não fui apresentado com aluno transferido, então…
As memórias de todos os outros colegas de classe deles estavam normais, o que queria dizer que apenas os mais próximos a ele foram atacados.
Se elas queriam bagunçar a minha vida, então conseguiram.
Ele já tinha perdido a conta de quantas pessoas foram até ele, preocupados com a relação dele com Chika, Haruki e Akari, que nem ao menos cumprimentaram ele quando chegou.
Será que Hana está passando pela mesma coisa? Ela deve estar sendo tratada como estranha por Haruna e Rika no clube… e Chika também.
O sinal da escola soou; era o horário de almoço.
Mayck não levou sua marmita, por causa das circunstâncias, então foi obrigado a enfrentar a nostálgica batalha da cantina por um bom lanche.
Batalha vencida, ele saiu para o pátio externo e se aconchegou no banco perto de uma árvore, longe dos outros alunos.
Poucos minutos depois, Hana se aproximou dele com uma caixa retangular embrulhada por um tecido xadrez vermelho e se sentou ao lado dele sem cerimônia.
Silenciosamente, ela desfez o laço da caixa e tirou a tampa revelando seu almoço bem organizado e apetitoso. Por outro lado, Mayck tirou o embrulho plástico do onigiri que ele conseguiu.
“Eu não vou te dar de graça”, Hana falou repentinamente.
“Eu nem pedi.” O garoto se defendeu antes de abocanhar seu almoço.
Após mais alguns segundos de silêncio, Hana abriu a boca.
“Como foi na sua sala? Chika e Haruki realmente não se lembram de você?”
“Pois é… Bom, eu já esperava, então tudo bem.”
“Tudo bem, é? Você não está escondendo nada de novo?”
Ela olhou seriamente para o garoto, esperando uma resposta plausível.
“Escondendo algo? Ah, se fala sobre o casamento do meu pai… bem, eu não posso dizer que não foi doloroso não estar lá, mas eu não posso ficar preso nisso.”
“Hmm… Se você está falando isso, então não vou insistir, mas saiba que eu não vou deixar você lidar com tudo isso sozinho.”
“Sim, claro. E o que a gente pode fazer?”
“Bom, primeiro devemos descobrir quem é o responsável por trás disso…, mas eu acho que você já sabe, não é?”
“Consegue dizer isso?”
“Você está calmo como sempre, mas me parece mais pensativo que o normal.”
Ela conseguia dizer isso com bastante facilidade, o que poderia parecer um pouco assustador, uma vez que nem o próprio Mayck se entendia direito.
“… Bem… você tem razão.”
“Então a gente tem que descobrir o porquê disso tudo. Primeiro, me diga quem é, aí podemos pensar melhor sobre o que fazer.”
“Por enquanto, eu não vou dizer como descobri tudo, espero que você entenda.”
“Ah, claro, claro. Misterioso, como sempre.” A garota revirou os olhos e levou seus hashis à boca, contendo um pequeno e retangular pedaço de omelete.
“Bom, depois que eu e Jade saímos da sua casa, eu dei um jeito de entrar na minha. Meu pai não voltou naquele dia, então nós pudemos passar a noite…”
“Ehh… passaram a noite juntos, hein?”
“Vamos deixar esses detalhes de lado.”
Hana bufou e esperou que ele continuasse.
“Mas no dia seguinte não seria a mesma coisa, então eu precisava tomar alguma decisão. Por isso, dei algumas instruções para Jade e saí de casa. Eu pensei que se alguém tivesse roubado as memórias do meu pai e de outras pessoas do meu círculo social, então ela deveria ser alguém próximo.”
“E uma pessoa que pudesse ter contato direto com seu pai e com a família da sua madrasta”, Hana completou.
“Isso…” Mayck demorou um tempo para processar a palavra madrasta, mas conseguiu, no fim. “E depois de pensar bastante e usar uma forma para confirmar, eu cheguei até a única pessoa que poderia ser a fonte disso tudo.”
“Que é?”
“Suzuki Keiko.”
Hana ponderou por um momento. Ela conhecia a Keiko, mas por que ela? Havia uma relação. Uma relação bem forte que Hana entendeu após alguns segundos.
“Verdade… se alguém pudesse mexer com seu círculo social e com a família da sua madrasta, só poderia ser alguém que tivesse uma ligação com todos.”
“Exato. Mas, obviamente, se não fosse a confirmação que eu tive, não poderia encontrar tão rápido e o número de suspeitos só aumentaria.”
Mayck fez referência ao caso envolvendo Masato, mas sua amiga não entendeu.
“Mas, ainda assim, como você teve tanta certeza de que ela é a culpada?”
Mayck olhou ao redor cautelosamente e pegou seu celular, abriu a galeria e mostrou algumas imagens que quase fizeram Hana se engasgar com a comida.
“Eu tirei essas fotos de um certo documento. Não tem como duvidar mais depois disso, né?”
A garota olhou as imagens com certo espanto. Era algo inacreditável para ela.
“De verdade. Parece muita coincidência tudo isso estar acontecendo. Sem essas provas, seria muito difícil acreditar.”
“Sim…”
Ele pegou o celular de volta e procurou por outra imagem.
“Por isso, nós precisamos pensar em formas de descobrir o que ela quer…” Mayck parou de falar e abaixou sua cabeça ao se deparar com um dilema.
“O que foi?”
“Ah… bem…” Ele lutou para decidir se contava ou não. De qualquer forma, o único jeito de resolver aquele assunto sem mais problemas era revelando tudo sobre ele. Mas ele se perguntava se essa era a decisão certa.
Como eu posso falar sobre Kin sem ter que revelar o que eu faço…? Ah, que seja… acho que as coisas não podem piorar.
Ele respirou fundo e olhou para Hana com um olhar sério. Tinha que pôr as cartas na mesa naquele momento.
“Escuta, Hana, eu…”
“Você…” por algum motivo, a garota ficou um pouco nervosa pela mudança repentina de tom de voz do garoto e acabou deixando seu corpo ereto, enquanto olhava fixamente para ele.
O que… o que aconteceu? Por que ele ficou tão sério assim?
“Escuta, eu sou o M-san”, ele revelou como se fosse um grande segredo.
“Eh?”
“Hã?”
Em algum momento Hana criou uma expectativa que foi quebrada rapidamente, e que a fez se perder do assunto principal.
“M-san…? Eh? O M-san da Black Room?”
“Uhum. E por isso, eu participei da investigação aos institutos.”
“Não, espera. Você disse que é o M-san da Black Room?”
“Sim. Isso mesmo.”
Hana desviou os olhos para os alunos que passeavam pelo pátio, até que conseguiu processar as informações.
“Você disse que não ia esconder nada de mim, não foi?” Ela tinha muitas perguntas, mas essa foi a única que saiu de sua boca.
“Eu acabei de revelar, não? Enfim, eu descobri algo sobre Kin.”
“Kin-chan?”
O garoto assentiu e mostrou outra imagem com o celular. Dessa vez era o fichário de Kin, que ele pegou da base do IAH.
Hana analisou as informações calmamente.
“Aparentemente, Kin fugiu de um dos institutos, o mesmo que Keiko. Depois que eu vi isso, eu pensei que talvez ela estivesse procurando por Kin, mas não faço ideia de como ela chegou até a gente.”
“Faz sentido. Nós fomos os últimos a ter contato com ela antes daquilo… mas, realmente, é estranho como ela acabou nos encontrando.”
“Isso quer dizer que alguém ajudou ela. Alguém que possui informações sobre nós e sobre Kin.”
“Se for esse o caso, então o problema realmente complica…” Hana devolveu o celular e usou seus hashis para levar um pouco de arroz à boca. “Me envie essas imagens. Eu quero ver isso com mais cuidado.”
“Okay. Então vamos deixar isso pra depois.”
Eles perceberam que tal assunto poderia se estender muito mais, então era melhor continuar outra hora, longe de qualquer pessoa que pudesse ouvir a conversa, mesmo que apenas um pouco.
“Falando nisso, onde é que você tem passado a noite?” A garota resolveu mudar de assunto e perguntou algo que lhe deixou intrigada. “Jade-san me disse que você estava na casa de um amigo, mas isso é mentira, não é?”
“… pois é… Na verdade, eu consegui um quarto emprestado na organização, então eu tô conseguindo me virar.”
“Ah, é…?”
Por um momento, a ideia de convidá-lo para passar a noite em sua casa passou por sua mente, mas ela decidiu esquecer isso. Afinal de contas, não teria como isso acontecer, já que os pais dela estavam em casa e tudo poderia ficar mais problemático.
Ainda havia muita coisa a ser discutida, mas eles apenas terminaram seus almoços em silêncio e esperaram o toque do sinal, que veio depois de um tempo.
Eles se despediram depois de combinarem outro local de encontro e retornaram para suas respectivas classes.
O resto do dia correu normalmente, ou melhor, do mesmo jeito que começou — com Mayck e Hana sendo estranhos aos olhos de seus amigos próximos.
<—Da·Si—>
Ao fim das aulas, Hana foi até o vestiário e trocou seu uniforme para as atividades do clube. Ela decidiu se manter longe de Chika e das outras duas, para evitar possíveis confusões, mas, como ela havia pensado, não seria tão simples assim.
Ao entrar no ginásio, Chika a olhou como se acabasse de ver uma novata entrar e não hesitou em cumprimentá-la.
“Hum? Você é nova no clube? Seja bem-vinda.” Ela saltou sobre Hana e segurou suas mãos, movimentando-as de cima para baixo, entusiasmada.
“A-ah, bem, claro…”
Embora nervosa, Hana conseguiu pensar a tempo e decidiu tirar vantagem do fato de elas serem as únicas presentes no ginásio naquele momento — ela precisava criar um vínculo com Chika, nem que fosse pequeno, para evitar que ela comentasse alguma coisa estranha com as outras garotas do clube.
“Eu me chamo Hana Tsubaki. Muito prazer.”
“Eu sou Chika Ichinose. O prazer é todo meu”, ela respondeu sem tirar seu sorriso do rosto. “Mas eu fiquei surpresa. Não imaginei que teríamos uma novata logo depois das férias.”
“É que eu estava participando de outro clube, mas acabei cansando… então decidi tentar outra outra coisa.”
“Ah, é? Bem, você não vai se arrepender. Você já jogou tênis antes?” Ela fez a pergunta enquanto ia até a quadra, que já estava preparada para uma partida, e pegou um par de raquetes.
“Sim. E tenho bastante confiança nas minhas habilidades.”
“É~? Então me deixe ver como você se sai.” Chika jogou uma das raquetes para Hana, que a pegou sem problemas.
“Tudo bem”, ela aceitou, e foi para o lado oposto de Chika, do outro lado da rede, ficando de frente para ela.
Ambas se encararam enquanto Chika quicava a bolinha verde no chão.
“Eu irei começar então. Lá vai.”
Do lado direito da quadra, Chika jogou a bola para cima e a arremessou com força para o outro lado da rede usando a raquete.
Acompanhando o movimento, Hana rebateu a bola antes que ela atingisse o chão pela segunda vez. Chika correu até onde a bola estava caindo e a mandou de volta.
Elas ficaram nisso por um tempo, mas estavam começando a esquentar seus corpos com a partida e, consequentemente, a vontade de vencer queimou em seus corações — mesmo sendo apenas uma partida de prática.
Ambas rebatiam a bola com bastante força, sem piedade uma para com a outra e corriam de uma lado para o outro, evitando tomarem algum ponto.
“Você… até que joga bem para uma novata.” Chika correu e rebateu a bola, que estava quase saindo da quadra.
“Obrigada pelo elogio.” Hana também rebateu a bola após correr até o fundo da quadra, visando marcar um ponto.
“Eu não vou deixar.” Chika repetiu os movimentos.
“Quanta insistência.”
A força que elas usavam estava aumentando, e a velocidade da bola também. Uma troca frenética de rebatimento se iniciou e as duas foram obrigadas a reconhecerem as habilidades uma da outra — pelo menos foi isso para Chika, que estava sem memórias sobre a sua oponente; Hana já conhecia a força da garota.
Essa troca durou alguns segundos, até que um erro de Hana fez ela receber um ponto.
“Ahahaha! Eu consegui. Toma essa!” Chika pôs as mãos na cintura e gargalhou vitoriosa, fazendo Hana ficar cabisbaixa e em silêncio.
“Ainda não…”
“Hã?”
“Ainda não acabou.”
Hana pegou a bola e a jogou para cima, realizando o saque e pegando Chika desprevenida, que, no desespero, correu até o outro lado da quadra para conseguir rebater a bola que mais parecia um meteoro.
“Ousada, hein… Tá bom. Vem com tudo!”
A chama de determinação de Chika se acendeu e ela acompanhou Hana, que estava jogando com toda a sua força.
Após vários minutos de correria e marcação de pontos de ambos os lados, as garotas caíram no chão, exaustas. O suor escorria por seus rostos. A partida terminou com a vitória de Hana, que conseguiu quatro games. Aplausos chegaram aos ouvidos delas.
“Caramba… vocês duas voltaram com tudo, hein.” Shion as olhou surpresa enquanto batia palmas.
“Vocês já chegaram, é…?” Chika passou a mão em seu queixo para tirar o suor. “Muito bom, Hana-chan, você continua sendo uma rival e tanto.”
“Digo o mesmo…”
Ela… acabou de dizer “continua”?
Hana se prendeu nesta palavra que insinuava que Chika ainda se lembrava dela, mas, mesmo querendo, ela não podia questionar naquele momento.
“Eu nunca tinha visto vocês duas jogarem desse jeito. Há quanto tempo estão aí?”
Hana e Chika se olharam. Elas não sabiam como responder a pergunta de Harumi, outra colega de classe de Hana.
“Bom, acho que faz só uma meia hora…”
“Não foram vocês que demoraram demais?”
“Quem sabe?”
“Tá bem, meninas, não vamos ficar só olhando. Ou vocês querem ficar para trás?” A presidente do clube, Natsuki, bateu leves palmas para chamar a atenção das garotas, que começaram a se preparar para os treinos.
Eu acho que tudo vai ficar bem…, pelo menos por enquanto.
Hana ficou hesitante quando viu Haruna e Rika pegarem suas raquetes para iniciar o treinamento.
As horas se passaram e, uma a uma, as garotas foram deixando o ginásio e indo para suas casas. Com Haruna e Rika não foi diferente, elas se despediram das que ficaram e se puseram a caminhar.
Só restou Hana, Chika e Natsuki, que estavam guardando os objetos de treino usados por elas.
“Desculpem segurar vocês duas aqui por tanto tempo”, Natsuki se pronunciou, esperando na porta do almoxarifado.
“Não se preocupe com isso. Não é como se eu estivesse com pressa.”
“Eu também não estou, então tudo bem”, Chika concordou e colocou a última caixa de bolas de tênis em cima de uma prateleira. “Ah, já sei, porque não vamos tomar um sorvete agora?”
“Sorvete? Pode não ser uma má ideia… mas, me desculpe. Eu tenho um compromisso hoje, então não vai dar.” Natsuki juntou as mãos e sorriu levemente, dando uma piscadela.
“…ahh… que pena. E quanto a você, Hana-chan, está livre?”
“Hmm… eu não me lembro de ter marcado algo para hoje. Acho que posso ir com você.”
“Isso.” Chika ergueu o punho, contente.
Depois de guardarem tudo e fecharem a porta do ginásio, as três se despediram e seguiram caminhos diferentes.
Chika apontou uma direção e elas seguiram em frente. Segundo ela, havia uma sorveteria que adotava um novo sabor por tempo limitado uma vez por mês.
O sol estava perto de se pôr, mas ainda estava calor o suficiente para um bom sorvete, por isso Hana aceitou o convite.
Após alguns minutos caminhando, elas chegaram até a sorveteria, que Hana reconheceu instantaneamente.
Hum? Não foi aqui que eu peguei aquele sabor limitado uma vez?
Hana lembrou-se do local que havia frequentado alguns meses atrás e que tinha pensado em levar suas amigas algum dia.
Parece que eu fui trazida aqui…
“Olha, olha.” Chika apontou para uma lousa, onde havia algo escrito de giz. “O sabor de hoje é frutas vermelhas com pedaços de morango. Parece gostoso.”
“Sim. Vamos comprar então.”
As duas entraram no estabelecimento e se dirigiram para uma mesa vazia e esperaram ser atendidas. A garçonete veio até elas com um bloco de notas, anotando o pedido das duas.
Como era um sabor limitado, elas também puderam escolher o sabor da cobertura do sorvete, claro, algo que as duas adoraram e não perderam tempo para saborear a sobremesa quando ela chegou.
Os olhos das duas brilharam na primeira colherada.
Depois que terminaram, Chika pagou a conta como um prêmio pela vitória de Hana e elas deixaram a lanchonete.
Já estava escuro do lado de fora.
Elas seguiram pelo mesmo caminho enquanto conversavam despretensiosamente. Elas falaram sobre a partida de tênis que tiveram e também sobre seus descontentamentos com a escola, até que começaram a falar sobre suas vidas pessoais, o que deixou Hana em uma situação complicada.
Ela teve que omitir informações ou mentir sobre outras — algo que ela não gostava de fazer.
Depois de caminharem por um tempo, elas chegaram até um parque; vazio naquele horário.
“A gente pode parar aqui um pouquinho?” Chika indagou com os olhos fixos no parque.
“Bom… acho que não tem problema.”
As duas entraram no parque e Chika foi direto para o balanço e Hana se juntou a ela. Elascomeçaram a se balançar silenciosamente, deixando apenas o som das correntes que prendiam o balanço se propagar na escuridão.
“Faz um bom tempo que eu não me divirto assim. Apenas eu e uma amiga.”
“Huh?”
“É que, bem eu não posso contar, mas ultimamente eu tenho estado muito atarefada e não sei se consigo manter tudo em ordem. A partida que eu tive com você hoje foi muito divertida e me fez esquecer de algumas coisas. Muito obrigada, Hana-chan.”
“… Não tem de que…” Embora confusa, Hana ouviu o desabafo de Chika que começou repentinamente.
Mas era estranho. Chika só conversaria com ela desse jeito se ela se lembrasse dela, e não era esse o caso. Naquele momento, Chika estava apenas contando algo para alguém que a acompanhou durante o fim do dia. Nada mais que isso.
“Haha… Me desculpa por isso ser tão do nada. É estranho. Eu acabei me deixando levar porque é como se eu já te conhecesse há muito tempo.”
“Tá tudo bem. Não se preocupe com isso. Afinal, eu sei como você se sente. Eu também tenho um monte de coisas pra lidar. Tem um certo idiota que precisa de ajuda, senão ele faz besteira.” Hana sorriu ao mencionar seu amigo de infância..
“Então você precisa cuidar de alguém, né? Que legal… eu queria ter alguém assim.” Chika ficou cabisbaixa e começou a se balançar com mais força.
“Não se preocupe, você vai acabar encontrando mais cedo ou mais tarde.”
“Quem sabe, né?”
A velocidade do balanço aumentou e Hana começou a ficar preocupada.
Será que eu falei algo que não devia?
“Chika-san, você vai acabar se machucando.”
“Tá tudo bem. Eu já fiz isso antes.”
Ela continuou a balançar e estava quase dando um giro completo, até que saltou do balanço quando ele a jogou para cima.
Hana quase teve um ataque por achar que ela tinha caído, mas Chika caiu no chão de pé com os braços abertos como se tivesse acabado de realizar uma performance de ginástica. Ela olhou para Hana sorrindo.
“Chika-san…”
“Hehe. Eu disse que estava tudo bem.”
“Não me assuste desse jeito, poxa…” Hana se levantou do balanço com a mão no peito, tentando acalmar seu coração assustado.
Repentinamente, as duas sentiram uma presença ruim por perto e voltaram seu olhos para o conjunto de árvores no fundo do parque, de onde uma criatura saiu da escuridão se arrastando, mesmo sendo bípede.
Sua cabeça era semelhante a de um humano, porém, ao contrário — o queixo para cima — e seus olhos totalmente brancos que pareciam devorar as garotas.
Um Ninkai justo agora? Droga. O que eu faço? A Chika não pode ver isso.
Hana começou a bolar um plano de ação em sua cabeça, sem saber que Chika estava fazendo a mesma coisa.
“O-o que é isso? Uma fantasia?”, Chika indagou, se perguntando se seu plano daria certo.
“Uma fantasia?” Hana se surpreendeu com a comparação.
Não. Se ela pensou isso, então é algo bom. Ela não deve imaginar que é um monstro.
“Se-será que é? Quem se fantasia assim numa hora dessas?”
“Pode ser aqueles canais de pegadinha da internet. Sabe, aqueles que vestem fantasias de fantasmas e assustam as pessoas de noite.”
“Ah, verdade. Então, a gente só precisa correr, né?”
“Isso aí. Vamos no três, hein.”
Hana assentiu e começou a contagem.
“1… 2…”
Antes que elas pudessem correr, a criatura arrancou velozmente contra elas como um flash, pronto para devorá-las. Ele abriu sua boca cheia de dentes pontiagudos e que exalava um odor horrível.
Essa não… porcaria.
Sem outra escolha, Chika cruzou seus braços e apertou os punhos, fazendo várias vinhas saírem do chão e das árvores, prendendo a criatura em pleno ar.
Pensando na mesma coisa, Hana projetou um pilar de cristal vermelho no ar e o derrubou em cima do monstro, o perfurando. O monstro se debateu e soltou um ruído incomum que ecoou pelo parque e que fez os ouvidos das garotas doerem.
O ruído cessou, sinal de que a criatura não estava mais viva. Seu sangue de tom arroxeado pingando pela areia do parque confirmava tal teoria.
As garotas respiravam lentamente. As vinhas sumiram como mágica deixando o corpo cair e as garotas se entreolharam.
“Você…”
“Acabou de…”
As palavras ficaram presas em suas gargantas.
<—Da·Si—>
Não tendo atividades de clube como uma grande parte dos alunos, Mayck deixou a sala de aula silenciosamente, sob o olhar de Chika e Haruki.
Caminhando pela calçada e desviando de outros transeuntes, ele se deparou com Akari, que estava encarando uma máquina de vendas e, quando se decidiu, tocou um botão e pegou uma garrafa no compartimento de baixo.
Mayck pensou se deveria falar com ela, mas achou melhor não, então seguiu em frente e a ignorou. Como ele esperava, ela também não falou nada, apenas o olhou por um instante e logo seguiu seu caminho.
Ela realmente muda quando está fora da base. Chega a ser impressionante.
Depois de um tempo, Mayck chegou na base da Black Room e se dirigiu para os dormitórios, onde ficaria o resto da tarde. À noite ele sairia para sua habitual caça de Ninkais, assim como todos os outros portadores que estavam envolvidos nisso.
Além disso, ele também precisava pensar no que fazer com relação à Keiko e seu grupo.
Já se passou uma semana e a situação continua a mesma. Eu não posso deixar isso se prolongar ainda mais. Ele pensou enquanto secava seu cabelo com uma toalha. Eu tenho a ajuda de Hana e Nikkie, mas eu não devo jogar tudo nas costas delas.
Um suspiro escapou de sua boca e ele caiu de costas na cama, encarando o teto por alguns segundos e fechando os olhos brevemente.
Ele já sabia quem era o culpado e parte do objetivo dele. Não tinha muita coisa a ser feita a partir dali.
Eu não preciso procurar mais nada. Então só me resta ir até elas… mas eu tô um pouco preocupado. Se Yang estiver por trás disso, não posso me mover de forma descuidada.
O celular vibrou em cima da pequena estante ao lado da cama. Ele o pegou e continha uma mensagem de Nikkie, não pedindo, mas mandando ele abrir a porta.
Que abuso de poder…
Mayck o fez e Nikkie entrou casualmente, como quem entra na própria casa e indo direto para o pequeno sofá de dois lugares.
“Que raro você vir aqui. Precisa de algo?”
“Você sabe que devia ir pro laboratório, não é? Você poder se mover não quer dizer que está curado.”
“… Isso é verdade…”
“Os portadores têm corpos mais resistentes que os de pessoas comuns. Eles se curam mais rapidamente também. Porém, você não pode se esforçar demais depois de tudo aquilo, ou você vai morrer de uma vez.”
“Seres humanos são tão frágeis, hein.” Mayck fechou a porta e se sentou na cama. “Você não deve ter vindo aqui apenas para me avisar isso, né?”
“É sobre a sua situação. Eu consegui algumas informações importantes. Imaginei que você fosse gostar de saber imediatamente.”
“Hm…” O garoto balançou a cabeça em confirmação e olhou nos olhos de Nikkie, que, casualmente, tirou a máscara de seu rosto. Ela não parecia ficar tão cautelosa quando estava perto dele, e também não tinha motivos para esconder seu rosto.
“Indo direto ao ponto, Yang está envolvido nisso.”
“Aff… como eu pensei… e como você descobriu isso?” A desanimação foi estampada no rosto do garoto, que nem tentou esconder isso.
“Eu conversei com Ruby e Stella um pouco. As duas me disseram que saíram com amigos durante as férias e os nomes que apareceram me deixou curiosa. Keiko, Saori, Aiko, Midori e Yuriko.”
“Essas são…”
“Foi surpreendente ouvir os nomes das subordinadas direitas de Yang.”
“Hã…? Isso é sério?” Mayck ficou boquiaberto com a revelação. Que Yang estava envolvido não era surpresa, mas, sim, que estava tão na cara.
“Sim. É sério. Provavelmente, uma delas tirou as memórias sobre você de todos. Eu não consigo imaginar o motivo, no entanto.”
“Mas, espera aí. Como você sabe que elas são subordinadas direitas de Yang? Elas são como aqueles três? Kanemi, Ryuu e Shiro?”
“Isso mesmo. Nós temos infiltrados na Ascension. Embora só possamos nos comunicar uma vez a cada dois meses ou mais, sem manter um padrão.”
“Entendi…”
“Bom, foi isso o que eu descobri. O resto é com você.”
Nikkie se levantou.
“Ah, claro. Muito obrigado por isso.
“Por enquanto, eu vou fingir que não sei nada sobre isso, mas, lembre-se: se você acabar enfrentando a Ascension em uma escala maior, nós vamos ter que intervir. Não podemos ignorar qualquer movimento deles, afinal.”
“Tudo bem. Eu acho que dessa vez é algo pessoal, então eu vou tentar lidar com isso de forma mais discreta.”
A vice-líder assentiu e saiu do quarto, deixando Mayck voltar aos seus pensamentos.
Agora as coisas fazem mais sentido. Yang deve ter tantas informações sobre mim que eu nem sei. Não só minhas, mas da Hana também… provavelmente. De qualquer forma, eu só vou descobrir tudo indo diretamente na fonte.
Os objetivo de Keiko não estavam claros, mas uma coisa era certa: não havia motivos para deixá-la impune por mais tempo.
E se fosse possível, Mayck gostaria de tentar uma abordagem que não fosse levada para uma batalha, dada a sua condição. Ele havia testado antes, mas não conseguiu projetar nem uma pequena esfera elétrica.
Vou ter que apelar para persuasão, ou tentar vencer de uma forma mais pacífica… quem sabe um jogo?
De uma forma ou de outra, ele precisava pensar em como lidar com a situação.
<—Da·Si—>
Depois de uma noite de caçada com sucesso, Mayck estava de volta à escola pela manhã. Havia marcado de se encontrar com Hana no telhado na hora do almoço, para atualizá-la da descoberta feita por Nikkie.
Quando a hora marcada chegou, ele foi até lá. Passou por alguns alunos no caminho e, quando chegou, viu que a garota estava esperando por ele pacientemente.
“Você chegou rápido”, ele falou ao se aproximar e se sentou ao lado dela no chão.
“Pois é… eu acabei saindo mais cedo da sala.”
“Entendi. Sobre o assunto de ontem, nós estamos em uma situação mais complicada do que imaginávamos.”
“Como assim?”
“Ontem, eu fiquei sabendo que Keiko Suzuki e as amigas dela são subordinadas diretas de Yang”, ele disse com a voz baixa, quase sussurrando.
A garota se surpreendeu e quase deu um berro, mas Mayck fez sinal para ela ficar em silêncio.
“Isso é sério?”
“Sim. Não é à toa que Chika foi pega…” ele deixou escapar essas palavras de sua boca, e quando se deu conta, parou no meio da frase.
“Falando nisso, ontem eu também descobri algo. Chika-san é uma portadora. Você sabia disso?” Ela deixou seus olhos nele, como se para garantir que nenhuma mentira fosse dita.
Mayck, porém, não estava pronto para mentir ali, e nem poderia, dada a pressão que sentiu de sua amiga de infância, além de não ter motivos para tal.
“É, bom… Sim. Mas como você descobriu isso?” Mayck também a fitou com curiosidade.
“Quando estávamos voltando para casa, ontem, nós meio que nos deparamos com um Ninkai.” Ela desviou os olhos para sua marmita e começou a abri-la.
“Ah… consigo imaginar.” Mayck fez uma expressão de desgosto ao ouvir as criaturas sendo mencionadas — a principal fonte de problemas — e balançou levemente a cabeça em reprovação.
“Ela faz parte da Black Room também?”
“Sim. Mas é melhor você manter segredo sobre isso, mesmo que só por um pouco de tempo ou até ela decidir contar.”
“Você tem razão. Isso pode ser um problema para ela, já que os membros da Black Room tem a intenção de se manterem anônimos”, ela lembrou. “Com exceção de você, claro.”
“Eu não sou um membro deles. Nós apenas temos um acordo. Enfim, voltando, precisamos pensar em um jeito de fazer Keiko desfazer a habilidade dela. Mas eu não sei ainda o que fazer.”
“Bom, por que não atacamos diretamente? Nós temos informações suficientes para isso, não é?”
“Eu pensei nisso e não temos outra escolha. Eu até queria tentar uma abordagem mais tranquila… mas depois do que aconteceu há quatro dias, eu não sei se conseguiria me manter em uma luta. Então prefiro evitar isso por enquanto.”
“Quer dizer que você quer achar um outro meio de enfrentar ela sem depender de lutas? Não é algo ruim.” Hana tirou a tampa de sua marmita e pegou os hashis. “Mas não existem muitas coisas que possamos fazer, não é?”
“E se a gente tentasse algum tipo de jogo? Sei lá, algo como uma aposta ou uma partida de baralho?”
“Você nem sabe jogar baralho”, a garota falou, mesmo sabendo que estava dando um tiro direto no peito do garoto.
“Ugh… eu só nunca tive interesse… mas você tem razão. Tem que ser um jogo em que todos saibam as regras.”
“Você não está com fome? Eu posso te dar um pouco do meu almoço.”
“Ah, não se…” Antes que a frase fosse terminada, Mayck olhou para Hana e ela colocou os hashis contendo um pouco de arroz em sua boca.
Ele comeu em silêncio.
“Valeu…”
“Se for pensar em um jogo, algo como baralho não vai servir. Existem várias formas de trapacear em jogos assim. Precisamos de algo em que elas não decidam quebrar as regras.”
“Pois é. Se quisermos convencê-las a participarem e evitar que elas nao deixem de aceitar a derrota, temos que pensar em prêmios grandes. Mas não dá pra fazer isso sem saber o que elas querem.”
“Então o primeiro passo continua sendo esse. Você quer que eu fale com ela?”
“Acho melhor falarmos com ela juntos. Assim podemos descobrir logo qual é o objetivo dela.”
“Uhum. Nesse caso, vamos fazer isso hoje à noite. Não queremos que isso se estenda ainda mais.”
“Sim. Então vamos nos encontrar na estação às 20h.”
“Tá legal.
A decisão foi tomada. O sinal tocou novamente e eles retornaram para suas classes. No caminho, Mayck andou pensando em que tipos de jogos poderia criar.
Ele relembrou os jogos que fez com os quatro líderes quando estava no Brasil, mas aquelas coisas nem podiam ser chamadas de jogos, estavam mais para desafios malucos.
No entanto, dessa vez teria que ser diferente. Ele precisava pensar num jogo de verdade, onde as habilidades de ID ou elementos base não fossem necessárias e um jogo comum não iria ser muito útil, como Hana disse.
“Algo que dispense qualquer tipo de trapaça, hein. Bom, eu poderia pensar em xadrez ou coisas do tipo, mas eu não estou botando fé nisso. Eu quero algo definitivo, que deixe claro quem vence e quem perde.”
“Mayck?” Uma voz familiar o tirou de seus pensamentos. “O que você está sussurrando aí?”
O garoto se virou para ver o dono da voz.
“Ah, não é nada demais. Eu só…”
Ele interrompeu sua fala.
Espera… Saki está falando comigo normalmente…
Isso lhe deu uma ideia do que poderia ser. Saki nunca tinha se encontrado com Keiko, então não era estranho que ela ainda falasse com ele normalmente. Obviamente, ele pensou em como poderia tirar vantagens disso.
Enquanto isso, Saki o olhava com uma expressão de dúvida.
“Já faz um bom tempo que não nos vemos, né? Como você tem passado?”
“Eu estou indo bem… mais ou menos. Escuta, nós podemos conversar um pouco?” Saki baixou o olhar e cruzou as mãos, esperando uma resposta positiva.
“Hmm… nós temos aula nesse momento… pode ser depois da escola? Eu posso tirar um tempo pra você.”
“Sério?”
“Uhum.”
“Isso.” Ela sorriu vitoriosa.
Em seus pensamentos, Saki imaginava que poderia conseguir reconquistar a confiança de Mayck depois de todo o ocorrido, portanto ficou feliz por ter conseguido um tempo pra ela. Por outro lado, Mayck tinha outros planos e isso envolvia essa confiança que ela tinha nele.
Podia ser algo horrível usar uma pessoa que tem sentimentos genuínos, mas era necessário. Enquanto ela não descobrisse a verdade, estava tudo bem.
“Então nós vemos depois da aula. Tchau.” Ela se despediu e correu para sua classe.
Mayck continuou parado, vendo ela sumir no corredor. Depois começou a se mover, enquanto lutava contra o seu lado que não queira brincar com os sentimentos de Saki, mesmo depois de tudo o que sofreu nas mãos dela e de Rito, quando ambos faziam brincadeiras de mau gosto com ele e quando ocorreu aquela traição.
É… talvez eu possa parar de machucá-la tão lentamente.
Ele escondia um segredo de todos os seus amigos.
Todos sabiam sobre o seu relacionamento com Saki que durou cerca de meio ano. Entretanto, eles não sabiam sobre o motivo do término deles — apenas o trio formado por Mayck, Saki e Rito. E ainda havia algo mais enraizado nisso, algo que só Mayck sabia e ele não tinha nenhuma intenção de revelar para alguém.