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    Alguns minutos depois de Hana se afastar de Mayck, ele se sentou em um grande escombro que lhe serviu como banco. 

    Sua mente estava exausta e apesar de sua expressão apática, ele ainda não tinha superado a visão de ter seu pai apontando uma arma para ele e emanando uma intenção assassina. 

    Essa não foi uma boa experiência. Keiko jogou muito sujo dessa vez. 

    Ele cerrou o punho. No entanto, havia algo estranho, o que ele estava sentindo no momento não era raiva, era um sentimento complicado demais para ser explicado — uma mistura de nostalgia com tristeza e algo mais. 

    Culpa dos eventos anteriores. Ser esquecido pela família, a morte do seu avô e quase ser morto pelo próprio pai. 

    Parece que eu voltei para aquela época…

    A energia era a mesma de quando perdeu Alana. 

    Além disso, a preocupação com Hana tornava tudo mais angustiante. 

    Ela tinha dito com confiança que cuidaria de tudo, mas ainda era inevitável. Mayck se sentiu inútil por não ter outras informações a oferecer a ela, para, ao menos, facilitar um pouco a luta. 

    Tudo o que ele pôde dizer foi sobre o orbe que Keiko carregava, o provável controle das memórias de Takashi. 

    Não… mesmo sem minha ajuda ela vai ficar bem. Durante esses cinco anos ela se virou sem mim. Parece que eu realmente sou muito arrogante. 

    Como se tentasse agarrar algo no ar, Mayck estendeu e fechou a mão. 

    Mesmo assim… eu ainda fico preocupado. 

    Havia uma chance de tudo acabar naquela noite, mas o sentimento de apreensão o fazia imaginar as consequências se algo desse errado; se Hana morresse ele nunca se perdoaria. 

    Alguns sons indecifráveis vieram de longe, junto a pequenos flashes de luz. 

    Parece que a luta começou…

    Os batimentos do garoto aceleraram. Ele tentou se conter, respirando profundamente, mas era difícil. 

    Droga. Eu não consigo ficar parado. 

    Ele se levantou em um salto, pensando em ir até Hana e dar auxílio. Gostasse ela ou não, ele decidiu que seria egoísta só mais essa vez. Além do mais, sua amiga só tinha se envolvido nisso por culpa dele. 

    Eu vou ajudá-la…

    “Já está de saída?” Uma voz memorável — de um jeito ruim — soou em seus ouvidos. Ela mantinha o mesmo sarcasmo de sempre. “E eu pensando que poderia bater um papo.”

    A pessoa em questão, estava vestindo um terno slim, que marcava bem seu físico bem desenvolvido. Embora ele tenha decidido colocar um chapéu por algum motivo, seus olhos arroxeados ainda se destacavam na escuridão.

    Mayck se virou para o homem, o qual tinha um sorriso estampado no rosto. Com os olhos estreitados, e a guarda alta, ele falou em um tom sério:

    “Há quanto tempo, Yang. Dando um passeio para checar como está o andamento do seu plano?”

    “É… algo assim. O diretor tem que verificar se seus atores estão indo bem. Hm? É impressão minha ou você está mais alto? Sem contar que seu físico parece melhor comparado há alguns meses.”

    “Muita coisa aconteceu. Mas o que mais me incomoda é você estar aqui. Posso afirmar que você veio falar comigo?”

    “Bingo.” Sorrindo, Yang bateu palmas. “Eu pretendia ver sua cara patética, mas você consegue ficar inexpressivo quando quer.”

    “Bem, me desculpe por ter acabado com sua fonte de diversão.”

    “Eu te desculpo.”

    “Vá se ferrar.” Mayck bufou, mas sem elevar a voz. Ao contrário de alguns segundos atrás, seu sangue estava começando a ferver. Estava encarando a fonte de tudo, afinal. 

    Se não fosse por Yang, muitas coisas não teriam acontecido. 

    “Kuku… Bom, deixando de lado as brincadeiras, eu queria perguntar o que você achou das garotas?” Mayck franziu a testa em dúvida. “Elas poderiam te matar se quisessem?”

    “Quem sabe.”

    Yang andou até o lado dele e parou. 

    “Orgulhoso demais para aceitar a derrota? Bom, tanto faz. No fim, você ainda é muito fraco. Assim como elas.”

    Tais palavras pareciam facas no peito de Mayck, mas ele não se deixou abater. Normalmente teria apenas ignorado, mas, talvez, por conta de seu estado mental, isso acabou surtindo algum efeito. 

    “Já que você está tão compreensível e bem humorado hoje, me deixe perguntar algo.”

    “Vá em frente.”

    “Por que é que você está tão obcecado comigo? Desde a última primavera, quando eu encontrei aquele cara que vocês transformaram, tudo em que me envolvo você está no meio. Qual o seu objetivo e o que eu tenho a ver com ele?”

    “Hmm… uma pergunta bem complicada… deixe-me pensar.” Yang cruzou os braços e fechou os olhos brevemente. “E se eu te disser que você não tem praticamente nada a ver com isso?” Olhou-o de relance.

    “Nesse caso, eu tenho que questionar também a sua sanidade mental.” Mayck retribuiu o olhar.

    “Hehe. Quando eu te encontrei, também fiz contato com Kihon, e ele tinha informações muito importantes ao seu respeito. Depois que investiguei por conta própria, acabei descobrindo algumas coisas bem interessantes. Mas eu não direi nada mais que isso.”

    “Você é um pé no saco.” Mayck balançou levemente a cabeça em reprovação.

    “Você também. Enfim, se quiser saber mais, descubra por si mesmo.” Yang olhou para o horizonte e observou o show de luzes resultantes da batalha de Hana e Keiko. “É incrível. Não importa a era, pessoas com poderes sempre vão estar disputando por diferentes motivos.”

    “Hm? O que você quer dizer com isso?” O garoto levantou seus olhos e observou o homem mudando de lugar e se posicionado em sua frente.

    “Nada não… Só estou refletindo. Em suma, se você quiser me derrotar e descobrir a verdade desse mundo, eu recomendo que pesquise por conta própria também, assim como eu. Ficar no colo de Zero só vai te limitar.”

    “Não estou no colo de ninguém. Mas nisso eu tenho que concordar. Eu só continuei aqui para proteger a minha família, entretanto, olha só onde as coisas chegaram. Eu não sei porque meu inimigo está me aconselhando, mas é bom que esteja preparado para o futuro. Meu objetivo mudou um pouco.”

    “Kuku. Estou ansioso por isso.” 

    Yang deu de ombros e se pôs a andar para o lado oposto ao campo de batalha, implicando que já havia acabado o que estava fazendo ali, mas parou de andar em um momento. 

    “Ah, mais uma coisa. Os pets que você viu e tudo o que enfrentou até agora foram só o começo. O que eu tenho a oferecer é muito maior. Mas, bem, depende do ponto de vista. Quem sabe você não muda para o meu lado no futuro.”

    “Jamais.”

    Yang sorriu e continuou a caminhar, sumindo lentamente aos olhos de Mayck na escuridão. Era como uma tempestade repentina que aparecia, fazia estrago e ia embora. 

    Pelo pouco que sabia sobre ele, Mayck sabia que a presença dele ali não era à toa. Com certeza já tinha algo preparado que o aguardava a partir dali. 

    “É só o começo… né?” As palavras finais de Yang ressoavam em sua mente. 

    Olhando de forma objetiva, tudo o que Mayck enfrentou ali eram situações enraizadas no passado, então o que vinha pela frente marcaria o início de uma nova era. Se ela seria boa ou ruim era outra questão. 

    Lidar com tudo isso nem é minha responsabilidade, mas agora que sou parte disso, não tenho como voltar atrás.

    Um suspiro escapou de sua boca e seus olhos se voltaram para o céu. Ele era o mesmo de sempre, mas havia algo diferente. Talvez fosse só coisa da cabeça dele, que estava superaquecendo com todos os eventos, mas certamente havia algo. 

    Aquele céu que ele viu há um tempo atrás, ele se perguntava o que era. Seria o prelúdio para as mudanças que Yang planejava?

    Parando pra pensar, eu já vi tanta coisa… aquela criança bizarra, o monstro que tinha uma dimensão própria. 

    Era tudo misterioso demais. Porém, não era algo que poderia ser uma prioridade naquele momento; ele tinha que encarar a realidade à sua frente. 

    Quando se deu conta, os sons abafados e as luzes haviam cessado. Ele perguntou se a luta tinha acabado. 

    Alguns minutos depois, Hana apareceu ao longe. Mayck se espantou com o estado dela, mas ela sorriu vitoriosamente, então ele retribuiu com um leve sorriso. 

    <—Da·Si—>

    Como é que vai ser agora…?

    Parado em frente a sua casa e sentindo receio de entrar. 

    Segundo Keiko, ao destruir os orbes, as memórias retiradas voltariam, mas as memórias do tempo em que estavam sendo manipuladas seriam parcialmente perdidas. Em outras palavras, os afetados não se lembrariam do que aconteceu naqueles dias — e isso de forma aleatória.

    Esse era um outro grande problema, já que o choque da morte de Takafumi seria muito mais efetivo quando, de repente, eles percebessem que a vida dele havia chegado ao fim. 

    Mayck não sabia como seriam as reações dos moradores da casa, então ele não sabia o que dizer assim que entrasse. 

    Será que eu devo perguntar se eles sabem quem eu sou ou apenas agir normalmente?

    Seu normal, no entanto, iria sair bem forçado. 

    Bom… eu vou ter que improvisar com base no que acontecer. 

    Respirando fundo e colocando sua melhor expressão neutra no rosto, ele empurrou o pequeno portão que dava para a rua e em pouco passos estava na porta da entrada. Segurou a maçaneta e empurrou a porta. 

    “Estou em casa”, ele disse com certo receio e entrou. 

    Não houve nenhuma resposta. Mayck se perguntava se ninguém estava em casa. 

    “Será que se reuniram em algum lugar?”

    Ele adentrou em sua casa e um sentimento de nostalgia tomava conta de sua mente. Havia muito tempo desde que ele pisou ali. Só nesse momento ele podia realmente dizer que estava em casa. 

    “Eu poderia até chorar com isso.”

    Quando chegou até a cozinha, que não era muito longe da entrada, ele notou uma folha de papel na mesa e decidiu verificar.

    Era um bilhete para ele, assinado por Takashi. Ao ler, descobriu que a família estava na casa de Haruna e esperavam por ele lá. 

    Isso provavelmente está relacionado ao meu avô. 

    Um gosto amargo surgiu em sua boca. 

    Parecia tudo tão irreal. Era um fato que os últimos eventos ocorreram de forma acelerada. Ele mal tinha voltado de sua viagem e já teve que trabalhar a todo vapor. 

    Mayck guardou o bilhete em seu quarto e foi tomar um banho. Sairia depois de se trocar. 

    Ao terminar seu precioso banho quente, ele notou que havia recebido uma mensagem de Hana no celular. Ela perguntou como as coisas haviam saído. Aparentemente ela estava curiosa para saber como foi o desenrolar do ‘reencontro’ com a família. 

    ‘Não havia ninguém em casa quando cheguei -_-’

    O garoto respondeu e a mensagem foi vista imediatamente. 

    ‘Bom, pelo menos você não passou vergonha ainda.’

    “O que ela quer dizer?” Mayck encarou a tela com os olhos apertados e enviou uma resposta. 

    ‘Eu estou indo vê-los agora. Parece que algumas coisas deram certo, mas vou descobrir agora. Aproveitando, qual foi a tarefa que você deixou de realizar?’

    Assim como ele, Hana foi retirada do jogo no fim por não realizar uma tarefa. Porém, a última tarefa era uma luta de um contra todos, o qual ele não participou em perdeu. Hana, por outro lado, havia deixado um desafio de lado, mas se ela chegou ao último, então ela teria deixado uma tarefa bônus por fazer. 

    ‘Não era nada demais. Eu apenas a deixei de lado porque parecia irritante.’

    Ela se recusou a dizer. Mayck pensou que se ela achava irritante, então era algo bem problemático, já que a garota decidida e confiante não queria realizar. 

    Bom… não importa mais, de qualquer forma. 

    ‘Entendi. Eu estou saindo agora. Te conto como foi depois.’

    ‘Tudo bem.’

    Mayck terminou de se trocar e guardou o celular no bolso. Em seguida, desceu para a cozinha, pegou a chave no chaveiro e saiu de casa após apagar todas as luzes e trancar a porta. 

    Ele seguiu pela rua silenciosa, iluminada pelos postes nas calçadas. 

    Mesmo tudo tendo se resolvido, havia algumas consequências que não podiam ser alteradas, então só restava aceitar e conviver com elas pelo resto da vida. 

    Takafumi havia morrido. Essa era a verdade inquestionável, e apesar dos outros terem vagas lembranças de como ocorreu, suas mentes lentamente iam criando explicações e, em pouco tempo, eles encontrariam uma resposta plausível. 

    Nem todas as memórias foram perdidas. Apenas aquelas influenciadas por Keiko ou que tinham relação com Mayck.

    Se as memórias dos eventos importantes, como o casamento, a visita de Takafumi e Tomoko e a ida para hospital, permanecessem, então não havia nada com o que se preocupar. 

    Depois de minutos de caminhada, o garoto chegou até a residência dos Yukino, que em breve seria vendida. Ele hesitou em tocar na campainha, e quando foi fazer, a porta foi aberta antes por Haruna. Era como se ela esperasse a chegada dele. 

    “Ah…”

    “Mayck-san… Takashi-san está aqui. Entre, por favor”, ela falou com uma expressão gentil no rosto e um sorriso fraco. 

    Ela está tentando ser simpática? Mayck deduziu. 

    Ele aceitou o convite e Haruna abriu o portão. 

    Ele a seguiu para dentro da casa, onde um grande número de pessoas estava reunido. Se tratavam dos parentes dos Yukino. Assim que entrou e cumprimentou a todos, foi recebido com olhares gentis e simpáticos. 

    Parece… que está tudo normal…

    Naquele normal.

    Um homem anunciou a chegada do garoto à Takashi, que estava na sala junto à Suzune e outras pessoas. O garoto cumprimentou a eles também. 

    “Mayck…” Takashi tinha um olhar melancólico. “Você está bem?”

    “Sim… claro… está tudo bem.” 

    Seu pai sorriu em resposta. 

    A interação entre eles foi estranha e curta. Mas era justificável. Ter um funeral acontecendo logo depois de um casamento era um golpe doloroso da vida. 

    Tomando uma atitude diferente dos demais, Suzune se levantou e foi até o garoto. Não havia um sorriso em seu rosto, mas uma expressão angustiada. Seus olhos levemente avermelhados denunciavam que ela havia chorado há pouco tempo. 

    Em um gesto amoroso, ela, silenciosamente, abraçou Mayck. 

    “Eu sinto muito, Mayck.” Essas foram suas únicas palavras. 

    “Tudo bem… não… obrigado, Suzune-san.” O garoto retribuiu o abraço após pensar que era melhor aceitar o gesto delicado de sua madrasta. 

    Todos haviam se reunido ali, não só para apoiar a família em um momento difícil, mas também para discutirem os assuntos relacionados ao funeral de Takafumi.

    Takashi mencionou que, uma vez, seu pai lhe disse que quando morresse queria ser enterrado em sua terra natal. A partir disso, eles discutiram sobre a repatriação funerária, um processo demorado e burocrático. Isso, porém, estava nas mãos dos adultos, que decidiram honrar o desejo do homem.

    Mayck saiu da sala após perguntar por Tomoko e ser informado que ela estava em um quarto no andar de cima com as crianças. 

    Embora hesitante, ele seguiu até lá. 

    “Com licença…” abriu a porta lentamente e se deparou com sua avó sentada na cama e Lorena dormindo em seu colo. 

    “Mayck…”

    “Desculpe. Te acordei?” Ele fechou a porta atrás dele. 

    “Não, não… eu só estava descansando os olhos. Estou feliz de ver você aqui.” Sua voz, embora gentil, parecia aflita.

    Mayck parou por um momento. Mesmo que Tomoko dissesse isso, ele sabia que não tinha como apagar o fato de que não esteve presente em momentos tão importantes. Ele se sentiu um lixo. 

    “Venha. Sente-se aqui. Vamos conversar um pouco.” Ela deu alguns tapinhas em um espaço vazio na cama. 

    Sem questionar, Mayck o fez. 

    Estava um silêncio grandioso no quarto. Apenas a respiração e os burburinhos do andar de baixo ressoavam por ali. Até que Tomoko começou a cantarolar uma música um tanto quanto nostálgica enquanto alisava os cabelos de Lorena, que dormia tranquilamente. 

    Mayck resignou-se a ouvir aquela canção, que, segundo seu pai, era a preferida de sua mãe. Um sentimento de nostalgia invadia seu coração conforme as letras da música ressoavam em seus ouvidos. 

    Eram memórias que ele mal conseguia lembrar. 

    “Sabe… seu avô gostava muito dessas cantigas de roda. Ele estava sempre cantando-as quando tinha a oportunidade”, Tomoko encarou o chão com um sorriso melancólico no rosto. 

    Dava para perceber que ela estava aguentando muita dor em seu peito. 

    “Eu imagino…”

    “Até hoje eu lembro de como Alana ficava enciumada quando Takafumi te tomava nos braços. Ela ficava dizendo sem parar: ‘devolve meu irmãozinho’.” Ela continuava sorrindo. 

    “Mesmo que tudo isso tenha acontecido, eu tenho certeza de que ele foi um homem feliz. Teve um filho forte e trabalhador, uma nora gentil e carinhosa e netos lindos. Era o sonho dele ter uma família feliz. E nós fomos assim, apesar das circunstâncias. Não ficamos todos reunidos, mas valeu a pena.”

    Mayck estava ouvindo de cabeça baixa. Ele não sabia o que responder. No canto de seus olhos, percebeu algo caindo e quando levantou o olhar… viu sua avó chorando. 

    Ele não podia negar que foi algo doloroso de se ver. Foi como um aperto forte no peito; como se seu coração estivesse forçando sua saída. Nesse momento, o sentimento de culpa se apossou dele. 

    O que foi que eu fiz…? 

    Ele apertou os punhos em cima dos joelhos. 

    Se eu não tivesse corrido naquela hora, Alana não teria morrido. Se eu não tivesse forçado Kin a me mostrar os poderes dela, ela não teria morrido. Se eu não tivesse sido egoísta, meu avô não teria morrido. 

    Sua consciência o acusava sem parar. 

    “Sinto muito… vó…” Sua voz trêmula e quase inaudível. 

    “Não é culpa sua, Mayck. Ninguém é culpado nessa história. Eu sei que você teve seus motivos para se afastar… mas, ainda assim, dói muito perder alguém.”

    Sem resposta outra vez, o garoto só conseguiu abaixar sua cabeça e prestar silêncio em respeito ao seu avô e ao sofrimento de sua família. 

    Depois de deixar o quarto, ele voltou para a sala, onde a discussão sobre o que fariam ainda prosseguia, então ele decidiu sair da casa por um tempo. 

    Quando chegou até o portão da saída, viu Haruna encostada no muro do lado de fora, encarando o céu silenciosamente. 

    “O que houve? Está cansada?” Ele falou ao se aproximar, conseguindo a atenção da garota. 

    “Mayck… Não… é só que não consigo acompanhar o assunto lá dentro.”

    “É mesmo?”

    Ele se juntou a ela e olhou para o céu aberto. As estrelas pareciam menos brilhantes naquele dia, assim como a lua que parecia mais cinzenta. 

    Alguns minutos de puro silêncio passaram, até que Haruna abriu a boca. 

    “Eu… sinto muito pelo seu avô. Não fui muito próxima a ele, mas sei que ele foi uma ótima pessoa.”

    “Pois é… ele foi mesmo. Sendo sincero, a ideia de que algo assim fosse acontecer algum dia nunca me passou pela cabeça. Eu imaginava que as coisas seriam as mesmas para sempre.”

    “É um pensamento bem infantil… mas tenho certeza que todos iriam preferir que fosse assim.”

    “É. A propósito, eu não vi Jade lá dentro. Ela não estava em casa também. Para onde ela foi?”

    “Ah, verdade. Eu estava saindo para encontrá-la. Já que você está aqui, pode vir comigo? Ela disse que ia sair para comprar algumas coisas.”

    “Hmm… Bom, tudo bem.”

    Mayck fechou o portão e os dois seguiram pela rua vazia em silêncio. Eles não trocaram muitas palavras no caminho, até porque não era comum eles passarem tempo juntos. Porém, ambos teriam que se acostumar com aquilo, já que a partir daquele momento, eles eram uma família. 

    Segundo Haruna, Jade avisou que iria até um mercado não muito longe da estação. Então eles vasculharam por todos no caminho, mas não encontraram. 

    “Que estranho… será que ela mudou de ideia e foi para outro?”

    “Eu duvido. Não acho que ela sairia andando para muito longe a essa hora. Principalmente sem conhecer a cidade direito.”

    Os dois encontraram-se em um impasse. Eles não sabiam mais onde procurar. Entretanto, depois de pensar um pouco, Mayck teve uma ideia de onde poderiam encontrá-la, então informou sua irmã mais nova sobre isso. 

    Eles seguiram até o local afirmado pelo garoto e ao chegar…

    “Como eu pensei…” Eles encararam a figura sentada em um banco, abaixo de um posto de iluminação. 

    Seguindo a linha do que aconteceu anteriormente, quando ele encontrou Jade no parque após a discussão de Takafumi e Takashi, ele imaginou que aquele lugar havia se tornado um tipo de porto seguro para sua prima, então imaginou que teria sucesso ao procurar lá. 

    “Jade…” Haruna foi chamá-la, mas foi interrompida por Mayck, que sinalizou para ela esperar. “O que foi?”

    Ela o olhou confusa e com o cenho franzido, mas o garoto apenas acenou para Jade em resposta. 

    Ela estava sentada, acariciando um gato preto em seu colo, o qual parecia estar adorando. Sua cabeça estava levemente baixa, mas dava para ver que as lágrimas ainda não haviam parado. 

    “Jade-san…” O rosto de Haruna se contorceu, como se ela fosse acompanhar o choro da garota, mas ela se conteve ao abaixar a cabeça e suspirar. 

    Não é estranho. Depois de tudo o que ela passou, minha avó e meu avô, com certeza, eram pessoas que ela valorizava muito. Acho que ela até os considerava sua família de verdade. 

    Eles esperaram por um tempo antes de chamarem a atenção dela e assim que o fizeram, Haruna correu para dar um abraço em Jade, que não recusou e derramou mais lágrimas no ombro da garota. 

    Mayck apenas observou, sem ter o que dizer. 

    Alguns dias depois, quando todos os documentos de repatriação foram preenchidos e preparados, o funeral de Takafumi foi realizado. Talvez por ironia do destino, uma chuva fraca caiu o dia inteiro, como se para lavar as lágrimas de todos os presentes no evento sombrio. 

    Realizado no início do dia, o resto da tarde foi apenas o resto. Nada anormal, nenhum riso. Até mesmo as crianças da casa se mantiveram em silêncio, seguindo o exemplo dos adultos. 

    “A janta está pronta”, Mayck anunciou assim que colocou o último prato na mesa. Ele havia preparado uma refeição simples, mas com cuidado, para garantir que ela fosse deliciosa. 

    “Certo. Já estou indo.”

    Alguns minutos depois, Takashi desceu para a cozinha e sentou-se. Segundo os costumes do país, eles agradeceram a comida e começaram a comer. 

    A atmosfera estranha ainda pairava sobre eles, além de ter um fator agravante nisso tudo. Embora Takashi não fizesse ideia, Mayck não havia esquecido que seu pai tentou matá-lo ao chamá-lo de assassino. 

    Eu sei que ele não estava são, mas… ainda assim…

    Ocasionalmente, ele lançava olhares sutis para seu pai, que comia lentamente, evitando demonstrar seus sentimentos profundos. 

    Eu acho que tenho que quebrar um pouco esse clima…

    “E então… como vai ser agora?” Ele tomou coragem e abriu a boca. 

    “An?” Seu pai parecia disperso, no entanto, e o lançou um olhar frio. 

    “Quero dizer… no trabalho. Você vai voltar esse mês ainda?”

    “Ah, isso… eu não sei. Tenho que acompanhar a mudança de Suzune e Haruna-chan. Então talvez eu peça mais algum tempo de folga.”

    “Entendi.”

    O assunto morreu aí. 

    Inclusive, Jade, Tomoko e Lorena estavam com Suzune e Haruna, fazendo companhia a elas, uma vez que os demais familiares tiveram que voltar a suas obrigações. 

    De repente, a campainha tocou. 

    “Eu vou abrir.” Mayck se levantou e se dirigiu até a entrada, abrindo a porta em seguida. Deparou-se com Masato e Hana do lado de fora. 

    “Ah, Masato-san. Boa noite.”

    “Boa noite, Mayck-kun. Eu pensei em ver como vocês estão, e Hana acabou vindo junto.”

    Mayck olhou para a garota, que acenou para ele com um leve sorriso. 

    “Bom, obrigado por virem. Eu acabei de fazer o jantar, então podem se juntar a nós”, dizendo isso sem nenhum sentimento em especial, ele deu passagem para os dois, que aceitaram o convite sem hesitar. 

    Mayck já havia pensado nisso antes, mas Masato realmente tinha um talento incrível para animar as pessoas. Em menos de meia hora da presença dele ali, Takashi já havia se alegrado consideravelmente. Ou talvez isso só tenha acontecido pelo laço de amigos de infância que havia entre os dois. 

    Amigos de infância são assustadores, Mayck pensou olhando para os dois homens sorrindo com conversas simplesmente sem sentido. 

    Talvez até o fato dele e Hana serem amigos de infância tenha sido planejado. 

    Depois do jantar, para deixarem os dois adultos sozinhos, Mayck e Hana concordaram em dar uma volta pelo bairro. 

    E, claro, foi inevitável para eles não tocarem no assunto de todos os eventos recentes, que lhes enchia a cabeça. Mayck perguntou o que aconteceu com Keiko e seu grupo. 

    “Quanto a Keiko e as outras, elas ficaram sob custódia na casa de reabilitação da Strike Down. John-san sugeriu considerá-las como vítimas de Yang e estão pensando na punição delas. Espero que isso não seja ruim pra você.”

    “Sendo sincero, eu gostaria de vê-las sendo punidas severamente, mas, por algum motivo, eu não me importo com o resultado.”

    “Hmm… Bom, é justificável, considerando tudo o que você passou. Desculpa por não ter feito mais.”

    “Nah, sou eu quem peço desculpas por te envolver nisso tudo. Você fez mais do que o suficiente.”

    Eles pararam no parque de sempre, perto da estação e se sentaram no banco que havia ali. Um banco cheio de lembranças. 

    “Bem, não é como se eu estivesse com tanto rancor assim. É um fato que o que aconteceu com Kin foi parcialmente minha culpa.”

    “Pode até ser. Mas eu também não saí ilesa. Se eu fosse um pouco mais atenta, teria percebido que algo estava estranho.”

    Eles ficaram em silêncio por um tempo. De repente, em um movimento silencioso, Hana deitou sua cabeça sobre o ombro de Mayck, que não pareceu nenhum pouco incomodado. 

    Para eles, aquilo era um gesto natural. 

    “É engraçado… as coisas mudam de um jeito tão radical que às vezes fica difícil acompanhar.”

    “Uhum.”

    “Ainda parece que foi ontem que você chegou aqui e virou praticamente um robô que não sabia se comunicar.”

    “Isso é um insulto, né?”

    Hana riu levemente. 

    “Mas aí você aprendeu a ler e falar japonês em pouco tempo. Meus pais ficaram impressionados e te chamavam de gênio o tempo todo.”

    “Gênio, hein. Quem dera. Eu poderia resolver meus problemas num estalar de dedos.”

    “Enquanto você não conseguir fazer isso, pode contar comigo. Além de mim você tem Chika-chan, Haruki-kun, Haruna-chan, Rika-chan, Miyabe-san e sabe-se lá quantas outras garotas.”

    “Porque você presume que são todas garotas? Não está tão errado, no entanto.”

    Havia sim várias garotas, embora ele não fosse completar a lista de Hana. Mas sua resposta pareceu um tanto quanto insensível aos ouvidos de sua amiga, que pareceu não gostar e beliscou sua perna.

    “Isso dói.”

    “Eu sei.”

    “Sabe e continua apertando.”

    “Hmpf.” Ela parou o ataque. “Deixando isso de lado, nós temos que ser mais cuidadosos com nossos planos. Não queremos mais vítimas, certo?”

    “Sim, pois é…” Ele acariciou o local beliscado. “Aparecem inimigos de onde nunca se espera. Vamos ser mais cautelosos a partir de agora.”

    Hana verificou o horário em seu celular. Era cerca de 23h30, então ela se levantou e ajustou sua saia. 

    “Está ficando tarde. Melhor voltarmos, né?”

    “Uhum. Vamos indo.” 

    Mayck a acompanhou e os dois deixaram o parque, refazendo o caminho de casa. 

    Depois de toda a turbulência que passaram, aquela noite fria e silenciosa parecia muito mais pacífica que o normal. Ambos caminhavam lentamente, visando aproveitar e preservar o silêncio reconfortante. 

    Mas Mayck acabou se lembrando de algo e tocou no assunto. 

    “Eu tava olhando pro céu aqui… e acabei me lembrando de algo que aconteceu há um tempo.”

    “Hm?” Hana inclinou a cabeça e o olhou com curiosidade. Então, o garoto continuou. 

    “Sabe… quando eu estava ajudando na investigação dos institutos, eu vi uma pessoa estranha que se transformou em um gato ou algo do tipo.”

    “Como assim? Você estava alucinando?”

    “Não. Eu tenho certeza que vi. Além disso, o céu estava completamente diferente. Como se… fosse o céu de outro mundo.”

    “Hm… que coisa maluca. Talvez tenha sido o poder de um portador?” 

    “Eu duvido. Não que não seja possível.”

    “Eu lembro que enfrentei um portador que criava ilusões assim. Mas não tem como ser ele, já que ele foi morto há um tempo.”

    “Você fala isso com calma, hein. De qualquer forma…” Ele colocou as mãos nos bolsos. “Parece que Yang vai voltar a ativa, então não é hora de pensar nisso.”

    Ele ia continuar falando, mas percebeu que já tinha andado alguns passos sozinho. 

    “Hm?”

    Ele se virou e viu Hana com uma expressão perplexa no rosto. 

    “O que foi?”

    “‘o que foi?’ Você acaba de falar uma coisa muito perigosa. Porque não contou antes?” Ela ficou bastante indignada pela informação omitida. 

    “Ah, perdão. Aconteceu tanta coisa e acabei não achando o momento certo.” Ele se desculpou como se não fosse algo tão alarmante assim. 

    Vendo isso, Hana suspirou cansadamente e balançou a cabeça em reprovação. Após isso, começou andar novamente, chegando ao lado do garoto. 

    “Eu vou ter que reportar isso para a organização. E você também deve fazer isso, você querendo ou não.”

    “Eh…?”

    “É seu trabalho, não é? Você deve reportar isso para a Black Room também.”

    Mayck não parecia gostar da ideia, mas quando ia recusar gentilmente, foi fuzilado com um olhar autoritário e assombroso, então apenas balançou a cabeça em aceitação. 

    Hana o olhou e sorriu, observando a cara tediosa que seu amigo esboçava. Dentre tantas coisas, aquilo sim poderia ser chamado de normal para ela.

    Eu sei que você está sofrendo, Mayck. Mas eu vou estar aqui pra te ajudar, assim, como sempre tenho feito. É doloroso eu sei, e nem imagino quanta dor você está sentindo, mas vou fazer o máximo para aliviar o seu fardo… mesmo que eu não consiga fazer tudo por você ainda, eu vou salvar você, com certeza.

    “Hm? O que foi?”

    Mayck percebeu que estava sendo observado com afinco. Hana, porém, apenas sorriu outra vez e juntou as mãos em suas costas. Era um daqueles raros sorrisos que só ela conseguia dar.

    Um sorriso brilhante e puro, o qual contrastava com sua personalidade séria.

    “Não é nada.”

    Mayck admirava aquele sorriso, então retribuiu com um mais leve. Entretanto, quebrando o clima de forma abrupta, um grito angustiante ecoou pela rua, tirando-os de seu raro momento, impiedosamente.

    “De onde veio isso?”

    “Acho que veio de lá.”

    Mayck e Hana procuraram a fonte que parecia vir da direção oposta à que eles seguiam. E sem hesitar, correram em socorro de quem quer que tivesse gritado com toda a sua alma. 

    Era provável que fosse por conta de um Ninkai, então eles estavam preparados para enfrentar qualquer monstro que aparecesse. 

    Essa era rotina normal para eles. Um mundo sem essas lutas diárias pela sobrevivência da humanidade parecia uma utopia naquele estágio. 

    Por isso não havia do que reclamar. Assim que encontraram a fonte, ambos saltaram e atacaram a criatura sem pensar duas vezes, eliminando-a instantaneamente. 

    A partir dali, eles não iriam cuidar só dos monstros, mas também iriam dobrar seus cuidados com os demais portadores. Não importava quanto aquela rotina iria durar, eles só precisavam ir até o final e garantir o maior número de aliados para enfrentar o que quer que viesse no futuro. 

    Nota